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Antes que me atirem dardos; a seguinte manifestação de opinião nada tem a ver com a qualidade ou a substância da missão da companhia teatral a Cornucópia. Tem mais a ver com Marcelo e algumas dúvidas existenciais. O Presidente da República Portuguesa tem de decidir se quer ser um mero agente da sociedade civil ou se um digno titular do cargo público que ocupa. Não pode misturar as peças. Não pode confundir os distintos teatros de operações. E não pode vestir qualquer farda a seu bel prazer. Por mais afectos que nutra pelo seu amigo Luís Miguel Cintra, Marcelo simplesmente não pode fazer uso de prerrogativas institucionais disfarçadas de informalidade e convívio para alavancar soluções que dizem respeito ao putativo ministério da cultura. Mas há mais. Se vai a uma tem de ir todas. Tem de ir às companhias teatrais de norte a sul do país, que com igual empenho e devoção, quantas vezes pro bono, servem a mesmíssima causa e que também se encontram em situação precária, senão terminal. Eu sei que o estatuto de Deus conta muito em Portugal. Que Luís Miguel Cintra é um monstro da cultura e que deve ser protegido custe o que custar. Nada de mais errado. O princípio que parece estar a ser posto em prática põe em causa algumas nuances ideológicas. A saber; que o dinheiro da maioria dos contribuintes deva servir causas parcelares, por vezes despropositadas intelectualmente ou culturalmente, de certos agentes, porque a cultura não é "mensurável" em termos de investimento ou retorno financeiro. O que está ser chorado não é muito diferente da missa do salvamento de bancos privados, a título de exemplo, e sem adiantar mais em analogias. Do lado das cornucópias do país também há críticas a realizar. Os encenadores e directores de companhia não podem assumir cargos de gestão. Não é essa a sua missão. Devem concentrar-se naquilo que sabem fazer. Ou seja, no fogo-cruzado de razões e lamentações que já vai no ar, convém realizar a destrinça entre o efémero e o essencial. Portugal não detém uma visão sustentável e de longo prazo no que diz respeito às artes e letras, e os sucessivos governos ainda estão contaminados com a ideia doutrinamente carregada de que o Estado deve, "a fundo perdido", subvencionar as artes e os devaneios intelectuais que o pobre do cidadão comum mal consegue assimilar. Assim não se educa um povo, e confirmamos assim, que existe aqui alguma perversão. Uma certa intenção tácita em manter o fosso entre as Óperas e os festivais onde deambulam meritoriamente, e dentro do seu género, espécies como Tony Carreira e afins. A discussão é longa e relevante, mas na maior parte das vezes infrutífera. Hoje Cornucópia, amanhã a Barraca. Abana tudo, no fim.