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Eis-me, John August Wolf. Eis — Tristeza não tem fim, felicidade sim. O meu pai, John Howard Wolf, partiu a 20 de fevereiro deste ano. Mas antes, em Novembro de 2024, tive o privilégio da sua presença na defesa da minha tese de doutoramento (Ph.D.) na Nova School of Law em Campolide, Lisboa. A toga que trajei, a mesma por si utilizada na sua defesa de Ph.D., há mais de 50 anos na Universidade de Pittsburgh, havia também sido envergada pelo meu avô e seu pai, Howard August Wolf, quando fora agraciado com um doutoramento honoris causa nos anos 60 do século passado. Este cordão académico é mais do que um mero laço de (con)descendência e de titularidade, de geração em geração. É uma corrente ética e moral, com firmes alicerces na ideia da superação da nossa insignificância perante um mundo que se nos avassala sem misericórdia. E o senhor meu pai partiu intensamente amargurado pela paisagem disfuncional de uma ordem global em célere desagregação. O défice de civilização não é um fenómeno de pertença exclusiva a uma nação. O mal é uma doença degenerativa, um choque existencial que obriga à reescrita de pressupostos tidos como sagrados, intocáveis. Conceitos como ideologia, paradigma, crença, humanidade ou verdade perderam o seu valor intrínseco e a sua expressão facial. O mundo obitou-se, desistiu da genética positiva, como se o fim da história coincidisse com a perversão do futuro. Os atos vis oscilam numa balança que não corporiza a ideia de justiça ou de equidade. É esta a sina que sentimos, de um modo mais dermatológico ou no âmago da coluna política fissurada. A perda não é qualificável, assim como a dor que não é congnoscível. O torpor é uma vibração que atravessa os fusos humanos, percorre os vasos que canalizam a esperança que muitos dizem ser a última a querer morrer. E somos obrigados. Somos obrigados à arqueologia de razões, em busca de argumentos, de axiomas falidos que ditaram outros declínios, porque quisemos sempre imperar quando deveríamos singrar. A melodia sincopada navega o luto em luta, o esforço quiçá infrutífero que apenas nos levanta do chão naufragado para tornarmos a tombar com a mesma récita auspiciosa que passa de pais para filhos, e de filhos para tribos inteiras, num ritual bélico que almeja a obliteração da escuridão — que imagem críptica adequada. Mas não é o fim em si, nem a intromissão. Perguntemos; que deuses invocaremos para retornarmos à terra enrolados num imenso manto de pudor? Eis. Eis-nos. Earth.

A política tem o condão de revelar a ausência de humanidade dos proponentes. O que mais chocou na intervenção do primeiro-ministro António Costa não foram os enunciados sobre políticas florestais nem a ausência de um pedido formal de perdão às famílias das vítimas. Para além da racionalidade intransigente existe algo que é captado instantaneamente pelos destinatários de mensagens. É uma frequência de onda que não se detecta nas frases. É uma vibração que não passa na lógica. Refiro-me ao olhar empático que transcende a política, a ideologia, o poder, os partidos e as convicções - trata-se de humanidade, mais nada. Se prestarmos atenção ao perfil de António Costa não sentimos na sua alocução o estado embargado da alma, a sinceridade no olhar que alcança onde mais nada chega. E Portugal regista em simultâneo o exercício de duas figuras de proa que se encontram nos antípodas desse espectro afectivo-racional. Numa extremidade da régua temos o presidente da república Marcelo Rebelo de Sousa que se manifesta nessa toada de emoções e sentimentos que o traiem no excesso - uma forma de estar que oblitera a capacidade crítica objectiva, obrigatória. No extremo oposto do espectro encontramos António Costa que é incapaz de manifestar o sentimento que vive fora da casa política. Assistimos ontem, incrédulos, ao debitar de axiomas de indução lógica. Faltou-lhe a intuição. Faltaram-lhe os instintos. Nem por um momento sequer sentimos a vulnerabilidade que deveria resultar dos eventos trágicos que devastaram Portugal. Foi essa frieza, comparticipada pela ministra da administração interna Constança Urbano de Sousa, que colidiu com a natureza solidária e sofrida dos portugueses. Os portugueses sentiram o terror dessa ausência. Viram o vazio do olhar. O lider que deveria guiar a nação é incapaz de se conectar para além da sua condição política. António Costa demonstrou os limites funcionais do seu perfil. Provou a sua tecnocracia quando o que o povo de Portugal necessitava era de algo à escala de alguém que também deve saber assumir a sua fragilidade, a sua insuficiência. Se essa aura existisse e fosse sentida, dispensaríamos o conceito de demissão, a perseguição seria de outra natureza. A responsabilidade política passaria a ter contornos distintos, próxima da agregação emocional, da tribe de inválidos, da comunidade de humildes que se remete ao silêncio, à prece das cinzas. António Costa deveria ter sido pequeno nessa hora fugaz que perdura e viverá na eternidade, na memória colectiva.