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Tinha até agora rejeitado visceralmente Conan Osíris, que estava em crer ser um troll. Incentivado pela Ana, lá me decidi ouvi-lo e parecem ter razão os que consideram que é um daqueles casos em que primeiro se estranha e depois se entranha. No meio da banalidade musical cá no burgo, sobressai facilmente o seu estilo excêntrico, com letras que inevitavelmente provocam gargalhadas e uma musicalidade que não está ao alcance de todos, não sendo fácil harmonizar todas as influências bem patentes nas suas músicas, de que "Telemóveis" é, porventura, a mais representativa. De resto, um tipo que é capaz de agarrar na xaropada de Celine Dion que serviu de banda sonora à xaropada de James Cameron, vulgo "Titanic", e cantar "Near, far, wherever you are, I believe/ Que ainda vais levar nas trombas", tem o meu respeito. Nunca liguei à Eurovisão, mas faço votos que ele continue a partir aquilo tudo e vá a Israel.
Crónica publicada pela revista Maxim (todos os direitos reservados) - Prince em Lisboa, Agosto 2013
Quem teve o privilégio de assistir ao concerto de Prince, e a sua banda 3rdeyegirl no Sábado passado, foi contemplado com a genialidade de um dos maiores compositores e guitarristas de todos os tempos. O que interessa o atraso de 45 minutos?
O público que encheu a sala por completo, veio ao engano, mas saiu rendido. Prince, independente nas suas escolhas, mas profícuo na reinvenção dos seus estilos musicais, purgou a sua apresentação de todos os clichés que a audiência estática estava à espera. A expressão funky-soul-rhythm and blues foi preterida e substituída por uma abordagem metalista de rock puro e duro. Em palco, as secções de metais e sopro, os backing vocals, os teclados de acompanhamento ficaram em casa e deram lugar a uma banda de garagem crua e nua - à moda antiga.
As várias gerações de espectadores presentes na sala parecem terem parado no tempo (deixaram-se ficar pelos anos 80 e 90), e apenas aqueles profundos conhecedores da obra de Prince Rogers Nelson não se quedaram nas suas convicções musicais porque sabem que a revolução musical é o que define este grande artista, um visionário que decerto já estará a preparar o próximo ciclo criativo. Um bom número de jornalistas que relatou o concerto épico esqueceu-se de referir algumas dimensões do espetáculo. O Coliseu dos Recreios não é uma sala de referência em termos acústicos. É um palco concebido há muitos anos para outros fins que não os musicais. Os profissionais sabem-no e para evitar que as sonoridades sejam engolidas pelos nichos e galerias do antigo circo, os técnicos da mesa de mistura optam quase sempre por bombardear a sala com níveis de áudio acima do expectável. No entanto, essa opção não comprometeu a qualidade musical do espetáculo fortemente alicerçado nas guitarras eléctricas do prodígio de Minneapolis e da nova estrela Donna Grantis – mais uma protegida do génio.
Na guitarra baixo Ida Nielsen excedeu-se e nunca ficou na sombra de grandes como Larry Graham, que Prince havia resgatado de Sly and the Family Stone para outras andanças musicais e tournées. A baterista Hannah Ford manteve a consistência rítmica a um nível absolutamente avassalador – é uma Sheila E. de cor branca metalizada, sem expressão latina na percussão porque desta vez não era para aqui chamada. Voltando à questão da sala – o Coliseu dos Recreios foi o parceiro menor de uma noite de sonho, mas este grande artista nunca se queixa da ferramenta, e sai sempre por cima – sujeitou a pobre arquitetura do espaço à sua superioridade e talento. O alinhamento ácido de cordas e a virtuosidade da noite abriram com uma versão menos swingada de Let ́s go Crazy do álbum Purple Rain (1984), e ao longo da noite fabulosamente mesclada pela banda 3rdeyegirl , Prince viajou pelos temas que melhor encarnam a sua doutrina mais próxima da guitarra lendária de Hendrix ou Gary Moore. Eu sei que as comparações não são para aqui chamadas, mas no pedestal da magnitude de riffs e acordes eléctricos, Prince está lá em cima, senão no topo.
Na carteira musical e oficial de discos editados, Prince tem muito por onde escolher. De 1978 a 2013 há muita cereja melódica para saborear. Um tema precoce de Prince que remonta a 1979 (extraído do seu segundo álbum de originais de seu nome Prince) é o hino à guitarra eléctrica – Bambi. Muito poucos do público reconheceram esse DNA de há largos anos e receberam o tema como se de um original se tratasse – maravilhosa a frescura de um tema com mais de vinte anos. Seguiram-se mais "lados B", que, de um modo geral, tinham sido ignorados pela audiência ainda hipnotizada por canções que não constaram no repertório da noite. Em vez do glamour de Kiss, Pop life ou Raspberry Beret, a noite foi assaltada por canções como Endorphinmachine, the Max, FixUrlifeUp ou the Love we make. Da caixa de ferramentas da noite, Prince não podia deixar de fora a sua mais recente bandeira – Screwdriver. A partitura foi concebida de um modo continuum sem pausas, mas com pontes musicais pontuadas pelo maestro incondicional da perfeição. Muito, mas mesmo muito trabalho está por detrás destes arranjos para simples gozo do público. Always in my hair, com a sua forte carga sexual, também esteve presente em versão hard-rock-café. Quando todos se preparavam para apenas um encore de remate, Prince entra na onda (ou não sai dela!) e arrasta para o palco contemplados da noite para um delírio dançante inaugurado com Hot Thing do álbum Sign O ́Times de 1987.
Nas passagens de uma época musical para outra Prince serviu-se da prata da casa. De um modo subtil, lá estavam algumas frases do Black Album de 1988 (a edição clandestina desse ano) como Superfunkycalifragisexy. O homem- guitarra quis também demonstrar que é um baixista de primeira água e por uns breves instantes roubou o instrumento à Ida Nielsen para seguir devolver a guitarra baixo ainda a arder notas. Nas teclas Prince agraciou a velha guarda do público com amigos de longa data; Nothing compares to you (de sua autoria) fez vibrar os nostálgicos, para encadear logo e sem demoras a peça final - Purple Rain. O artista norte-americano foi especialmente generoso para com Portugal, que aliás foi o mote da noite inteira, com uma referencia sentida à ninfa Ana Moura que ele coroou como "Queen of Portugal" (Take care of her, I love her). Mas havia ainda uma outra mensagem subliminar na poética religiosa de Prince; o Gospel do amor esteve presente no coliseu com a repetição do refrão de amor fraternal: Love one another. Love one another.
Prince materializou a sua empatia em relação a um povo que atravessa um momento difícil. A mensagem de Prince, qual espiritual negro e branco, serviu para levantar os ânimos de perto de 4000 espectadores que esqueceram as agruras da vida durante duas horas e meia de magia. Assisti a uma noite épica em Lisboa. Recebi doses de luxo musical como nunca antes. Obrigado, Prince.
Ana Moura e o israelita Idan Raichel.
Kick out the Style!
Bring back the Jam!