Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
É aceitável que o cidadão Pedro Passos Coelho, que por acaso é primeiro-ministro do Governo de Portugal, tenha à porta de sua casa manifestações que atentam, clara e inequivocamente, à sua mais do que legítima privacidade? Mais: é aceitável que o protesto contra as políticas do Governo passe, doravante, pela perseguição física dos titulares do poder político?
Como há uns dias escrevi, mais por temperamento que por outra coisa, não sou adepto de manifestações. Estive na de 15 de Setembro, por motivos que já expliquei, e estive na outra em Belém, por pouco tempo, até perceber que era demasiado vermelha. Parece que hoje há uma greve/manifestação da CGTP, na qual, obviamente, não estaria presente, caso estivesse em Portugal. Mas torna-se confrangedor observar por aí muita gente a dizer que esta manifestação não é espontânea. Permitam-me só relembrar o óbvio, recuperando o que escrevi por altura da entrevista de Vítor Gaspar na SIC, quando desvalorizou a manifestação que o aguardava: não existe tal coisa como uma manifestação espontânea. Toda a manifestação carece de organização. E toda a organização tende para a oligarquia, como Robert Michels observou. O contrário é que seria estranho. E crer que o contrário seria moralmente valorizável, enquanto uma manifestação organizada será de desvalorizar, é sintomático dos tiques autoritários (...).
Permitam-me ainda reforçar esta ideia com um exemplo simples: quando queremos marcar uma reunião ou um encontro com alguém, mesmo que seja só uma pessoa, precisamos de o fazer através de algum tipo de canal de comunicação. Ou seja, temos que recorrer a algum tipo de organização. Não nos reunimos espontaneamente como se as nossas mentes pensassem ambas no motivo, local e hora da reunião sem sequer falarmos.
Curioso, ou talvez não, é que são pessoas de direita que tendem a proferir este disparate. A direita que em Portugal não se consegue organizar para nada - até para governar o país mal se consegue organizar - e por isso inveja a esquerda por estar bem organizada. Podia era poupar-se e poupar-nos a este disparate.
1- O fim-de-semana passado foi prenhe em emoções políticas que, em grande medida, extravasaram os limites comezinhos do debate público corrente, pondo a nu a vileza e ridicularia de uma governação entregue às capelinhas do costume, e aos interesses venais de uma elite pouco ilustrada.
2- A revolta latente das classes médias é uma realidade insofismável cuja negação corresponde à recusa em aceitar os efeitos económicos e sociais de um conjunto de medidas que devidamente sopesadas só têm contribuído para inchar um Estado já de si excessivamente gordo.
3- O aviltamento das amplas manifestações populares realizadas no sábado - como fez alguma blogosfera dita liberal - com o argumento rezingão da insensibilidade dos manifestantes relativamente ao esforço reformista empreendido pelo Governo é, queira-se ou não, equivalente à coonestação do discurso político "mainstream" cujo pressuposto nuclear, aberto ou oculto, reside na apologia desenfreada do poder passista.
4- O sentimento de indignação patenteado sobrepujou em muito os estreitos limites da partidarite aguda, congregrando amplas camadas da população - as classes médias urbanas mais afectadas pela crise e pelo endividamento - que, por uma panóplia infindável de razões, não se revêem na extorsão fiscal em curso.
5- É certo que a classe média - a pequena burguesia que dominou o funcionalismo público - que se manifestou no sábado participou de bom grado na "weltanschauung" consumista e emprestadeira que infeccionou o ambiente público do país durante os últimos dois decénios, todavia, seria, no mínimo, estulto e pouco assisado menosprezar o amplo acolhimento que estas manifestações tiveram, partindo do pressuposto, obviamente falível, de que as mesmas são filhas da cultura imediatista que nos trouxe a esta bancarrota económica e moral.
6- Perante isto, um Governo minimamente empenhado em assegurar o bem-estar dos seus cidadãos tentaria, a todo o custo, reverter o caminho de dissenso que sub-repticiamente vai emergindo na sociedade portuguesa.
7- A reacção dos diversos actores políticos, com particular destaque para os dirigentes do principal partido de Governo, denota, outrossim, o estado de perturbação - próprio de um ambiente de fim de regime - que tomou conta da narrativa política dominante.
8- À "húbris" passista, própria de um político medíocre sem referências nem mundo, há que adicionar a permeabilidade de uma camarilha política sem escrúpulos - "adesivista" por natureza -, entregue à dissipação dos parcos recursos de um Estado em decomposição.
9- No meio do desastre comunicacional passista - não há manuais que valham para cobrir as óbvias deficiências de discurso de um Governo deficitário por natureza - o único factor de esperança reside na atitude do CDS perante as inúmeras problemáticas que afectam o bem-estar dos portugueses.
10- A gestão do silêncio delineada por Paulo Portas - ainda que não seja isenta de críticas - foi rematada por uma tomada de posição pública cujo âmago foi o reforço da estabilidade política, contra as pulsões desestabilizadoras dos pirómanos do caos social.
11- A declaração política de Paulo Portas foi clara nas suas críticas e garantias, acentuando a importância da governabilidade, sem descurar, contudo, o papel de consciência crítica que o CDS deverá desempenhar no debate concernente às medidas mais gravosas.
12- Sem querer ceder ao "wishful thinking" que tanto agrada aos comentadeiros dos nossos media, há um facto que pela sua singeleza deve ser ressaltado: num país pouco atreito ao liberalismo, o CDS é, indiscutivelmente, a última reserva política que resta aos liberais na defesa de um país mais livre e próspero.
13- Será o CDS capaz de cumprir este desiderato? Terão os centristas a vontade, a disponibilidade, e o espírito suficientes para encetar um caminho próprio e autónomo - estribado, sobremodo, na abertura e libertação do país dos corporativismos que tolhem o Estado - que possa ser maioritário a médio e longo prazo na sociedade portugesa?
14- Uma coisa é certa, o liberalismo em Portugal é um projecto cuja operacionalização teima em não concretizar-se, seja pela cultura paternalista que impregna de alto a baixo o país, seja pela doblez que aflige os seus mentores mais visíveis.
15- À guisa de conclusão gostaria de recordar um aspecto crucial que tem sido deliberadamente esquecido pelos nossos "opinion makers": a revisão da CRP.
16- Sem a alteração do actual modelo constitucional será extremamente difícil reformar o país, sendo que a recente intervenção do Tribunal Constitucional na questão dos subsídios, é a prova acabada de que a governabilidade do país - no fundo, o que está em causa é o "design" institucional do regime - estará, a curto prazo, em causa.
17- A direita portuguesa terá forçosamente de levantar a questão constitucional antes que a voragem e o devorismo do estadão traguem a necessária reforma do país.
Meu caro, ainda nem 1500 pessoas tinham aderido à concentração da próxima Sexta-feira e já eu o tinha feito, no evento e na minha timeline do Facebook. Podemos aproveitar para nos conhecermos pessoalmente. Cumprimentos.
Ana Lima, Uma reflexão de Pessoa:
Dizia Pessoa: “nisto de manifestações populares o mais difícil é interpretá-las. Em geral, quem a elas assiste ou sabe delas ingenuamente as interpreta pelos factos como se deram. Ora, nada se pode interpretar pelos factos como se deram. Nada é como se dá. Temos que alterar os factos, tais como se deram, para poder perceber o que realmente se deu. É costume dizer-se que contra factos não há argumentos. Ora só contra factos é que há argumentos. Os argumentos são, quase sempre, mais verdadeiros do que os factos. A lógica é o nosso critério de verdade, e é nos argumentos, e não nos factos, que pode haver lógica."