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Ao Manuel, que hoje celebra o seu 21.º aniversário. Um abraço, caríssimo!
O Corporativismo
O Corporativismo em Portugal seguiu várias correntes, e foi apoiado por várias ideologias. A mais interessante foi o Integralismo, que teve em Rolão Preto um dos expoentes de intelectualidade e doutrina. Pela sua obra, depreendo que é abusivo, tal como fez Mário Soares, apelidá-lo de fascista. Muito pelo contrário. Salazar acusou-o de se deixar influenciar por movimentos de raiz estrangeira. Duvido que se estivesse a referir ao fascismo italiano. Apesar de o Estado Novo não ter preconizado um regime fascista, o Nacional-Sindicalismo de raiz corporativista, e mesmo o Integralismo, eram naturais opositores desta ideologia. Podemos até retratar o fascismo como expoente máximo da influência do socialismo no Estado Corporativista, ao instrumentalizar, pelo jogo partidário, as corporações profissionais.
Hoje em dia, no entanto, a sociedade capitalista adoptou modelos novos, de ente os quais, grande parte não se ajusta ao modelo da corporação profissional. Assim, enquanto órgão representativo único, não seria, obviamente, o melhor. O corporativismo, no entanto, não se fica pela representação de profissões. Pode alargar-se o conceito a outros sectores da sociedade.
Admirei-me pelo facto de não se ter tocado no tema da corporação na discussão da Constituição 2.0. Antes, no entanto, fui eu próprio a negar a existência ou o propósito do Integralismo, e ao fazê-lo, negar toda uma doutrina social que se desenvolveu no século XX, e admito que o fiz com preguiça mental e descuido de estilo.
O modelo da Monarquia Constitucional falhou devido ao rotativismo partidário a que nós assistimos presentemente. Isso não quer dizer que devamos esquecer toda a história passada entre 1834 e 1926 (e esta é a minha única crítica permanecente ao Integralismo Lusitano). Está na mão dos verdadeiros democratas repensar a democracia. E a Democracia, ou será portuguesa, ou será nada. Como o é agora.
Por isso, estudemos cuidadosamente o cadáver do regime da IIIº República, e os míticos falhanços constitucionais dos nossos antepassados, sacudamos a poeira das nossas tradições e da nossa sociologia, e mãos à obra.
A Democracia Portuguesa
A Democracia Portuguesa é algo mais do que o jogo partidário. Uma democracia pode bastar-se a este jogo, mas nunca a nossa, devido às nossas particularidades sociais, e também, nunca nos moldes que inventámos para nós. O partidarismo nasce do individualismo liberal setecentista, tanto britânico como, posteriormente, francês. No entanto, onde foi implantado com sucesso (logo, não no nosso caso) ateve-se à tradição institucional da pátria.
Nunca houve teóricos e políticos sérios em número suficiente em Portugal para fazer um estudo sério sobre as instituições nacionais e os modelos que se pretendia importar. Neste século que passou, o único político que não caiu em utopias e ideologias foi Salazar. Salazar implantou um regime que mais se aproximou da maneira portuguesa de fazer a política. Falhou, precisamente, devido às suas emoções e ódios mais inculcados – o liberalismo político, o parlamentarismo, a democracia.
Que princípio mais português pode ser encontrado que o corporativismo? Num país cujo maior filósofo, o falecido Agostinho da Silva, se orgulha de uma época medieval onde as profissões estavam presentes nas reuniões e concelhias dos Reis, onde as mesmas corporações profissionais foram ouvidas em todas as grandes ocasiões da história, como a restauração da independência, as invasões dos franceses, etc.
O Partido nasce de uma cultura que nos é estranha. A Corporação ainda se prolonga em nós, no ardor combativo dos sindicatos, na solidariedade das cooperativas, na união dos clubes de amigos e associações de fins altruísticos. O Partido é necessário, mas não traz, dentro de si, o acordo entre todos os seus membros. As diferentes profissões trazem diferentes prerrogativas. Como pode a Pátria ouvir os seus filhos, diriam os liberais de oitocentos, se estes estão representados por quem não os defende?
Não há mal nenhum no facto de PS e PSD diferirem pouquíssimo nas suas políticas. De facto, não existe clivagem séria suficiente na sociedade política que os separe. Há, isso sim, pequenos interesses peculiares que os distinguem. Em nome da democracia, mantenham-se estas diferenças. O multi-partidarismo é temido em Portugal, tanto ou mais que o actual rotativismo. De facto, a partidocracia tornou-se em tal remédio, que os teóricos e intelectuais aprenderam a temer a batalha partidária. A batalha partidária é inofensiva - se representativa - , coisa que não é. Não chega.
A Câmara Corporativa, dos tempos da “velha senhora”, pecou, como disse anteriormente, pelos ódios de Salazar. De facto, a constituição da ditadura (1933) criaria um sistema tão estatizado, e uma corporação tão partidarizada, que é actualmente incapaz de servir de bom exemplo de um sistema corporativista (tal como o não foram as restantes ditaduras corporativistas, tanto a alemã como a italiana). Mais depressa a corporação profissional do Estado Novo representava o que, hoje em dia, chamámos de Jotas.
Da Morte das Coisas
Somos uma democracia de regras mal definidas. Acontece não se saber bem definir as regras quando não se conhece bem o jogo. O jogo partidário conhece em Portugal uma importância impar (e crescente) que não acompanha a sua função benfeitora na sociedade. Em nome da preservação da nossa democracia e da sociedade que criamos da tentativa de implantação de uma democracia liberal, habituamo-nos a considerar a podridão da rotatividade partidária como um mal necessário. Qualquer democrata (que nãos os há em Portugal, pelo menos não na classe dirigente) sabe que o papel que os partidos desempenham na sociedade democrática é importantíssimo, mas ínfimo, pelo menos deverá ser, caso o objectivo pretendido pelo regime seja, de facto, uma democracia.
Todos os anos ouvem a mesma ladainha. Chega a época de eleições, e a discussão nunca fica apenas pelo partido em que votar. A entrega do partidarista ao seu partido é tal, que relembra a entrega do cliente ao patrono dos tempos romanos.
Ao Partido que vencer, Tudo. Ao que ficar, mais um ano, na oposição, o grande Nada. Todo o aparelho de Estado, todos os apoios sociais, todas as influências nas faculdades e academias, todas as licenças e autorizações, as melhores empreitadas (as públicas e as privadas), os sorteios, os concursos públicos (e privados), as concessões, tudo, enfim, tudo e todo o País que se quer mexer e ganhar dinheiro, está dependente da Partidocracia regente na altura. O Partidocrata, eleito e confirmado de 4 em 4 anos, é o novo aristocrata. O Partidarista, é o pajem, o plebeu e o bobo da corte.
A situação em que se viu o Samuel, com tanta oferta de Jotas no mercado, é uma situação típica que só pode ser adiada por determinado tempo. A partir de dada altura, fica bem a um rapaz recém-licenciado, que queira fazer carreira, tornar-se cliente de alguém. Bem-haja as Jotas, como é claro.
Este universo pútrido de prostituição política, descendente directo da colheita salazarista dos jovens promissores e competentes para ingressar nas listas da União Nacional, não é democracia. É uma brincadeira, e cara, por sinal.
Há já algum tempo que se tem implementado no meio intelectual e político do país uma necessidade de redefinição dos partidos políticos e da sua ideologia. Tenho lido com especial atenção as crónicas do Professor Rosas, no jornal i, sobre a necessidade de a Direita reocupar o seu espaço conservador e abandonar o neo-liberalismo.
Não deixa de me ocorrer que um professor de Teoria Política possa ter teorias sobre política ideologicamente marcadas. O mesmo movimento definidor, desta vez vindo da Direita, também não me parece inocentemente feito. Há como que a construção de uma realidade sintética, desfasada da realidade política do país, a vontade de construir a oposição política que se queria. Em alguns escritos recentes, desenvolvi a teoria de que o CDS nunca será um partido conservador como o UK Conservative Party. Talvez porque o conservadorismo católico nunca conseguirá atingir os níveis de pluralismo que o conservadorismo protestante, ou simplesmente porque o conservadorismo anglo-saxónico é adepto de uma perspectiva pró – mercado e a faceta democrata – cristã do CDS, de influência alemã e estatizante, ainda esteja muito vincada no partido, a verdade é que mais depressa caminha o PS para o modelo de Terceira Via do Labour Party de Blair, apesar das várias resistências do velho socialismo do partido.
Assim, a má definição dos partidos e movimentos políticos portugueses deve-se, a meu ver, ao facto de procurarem justificar a sua agenda política (sempre a curto prazo) apropriando-se de uma doutrina, e depois usar os seus “cientistas” políticos para definir a doutrina seguida pelos outros.
No sentido contrário a esta tendência está o livro de Carlos Leone – “O Socialismo Nunca Existiu?” – que é um ensaio sobre a história das raízes do socialismo magnificamente bem conseguido. A pergunta que fica é a seguinte: Haverá um modelo a estudar e a seguir para expor o Liberalismo?
O Liberalismo é uma doutrina imanentista. A exaltação do princípio da liberdade transforma-o como opositor natural das teorias transcendentes do socialismo materialista e do sentido ultramontano de Estado da extrema-direita. Isto porque não versa nunca, nas suas várias obras e interpretações, sobre uma doutrina política per se. Groce define o Liberalismo como “concepção total do mundo e da realidade”, e centra-se na ideia de, através dos seus princípios – base, e “mercê da diversidade e da oposição das forças espirituais, aumentar e nobilitar continuamente a vida e lhe conferir o seu único e total significado”.
O Liberalismo, de tão denso, tão indefinido, tão promíscuo, chega a admitir a possibilidade de se negar a si próprio e Justificar as doutrinas que procuram o seu fim e aniquilação. De facto, o princípio da Liberdade, não raras vezes, degenera em situações de reacção contra essa mesma liberdade.
O Liberalismo aceita estes incidentes da vida da Sociedade. Ditaduras, Socialismo, Colectivização, na perspectiva de Groce, são caminhos para a Liberdade necessários, justificáveis pela mesma vontade de livre – arbítrio que o Liberalismo protege.
É claro que a doutrina Liberal de Groce é criticada por ser demasiado estática, por se limitar a ver ocorrer os acontecimentos do mundo, à espera de uma revolução Liberal que ocorra por uma qualquer boa – aventurança da dialéctica hegeliana. E que, ainda assim reinstalada na sociedade, aceite os perigos que outrora destruíram a Ordem Liberal.
Será isto uma definição de liberalismo prestável? É uma perspectiva filosófica, que é saudável de adoptar quando se estuda o Liberalismo. No entanto, não é a única.
Os Liberais não têm o Livro Único, o Livro Azul do Liberalismo. Nunca poderão ter. Haverá Liberalismo Político, Económico, haverá estudos sociológicos adeptos da visão liberal, haverá História que demonstre os benefícios da sociedade aberta e da economia de mercado, mas nunca o liberalismo será um modelo definido. Nunca se poderá dividi-lo, como Cardia dividiu o socialismo em socialismo de colectivização e de distribuição.
O Modelo Liberal, em cada Estado ou comunidade em que se aplique, terá sempre profundas raízes filosóficas que, ocasionalmente, anularão os seus efeitos ou a sua vontade. Porque a Ordem Liberal não tem vontade.
Não haverá um Liberalismo Português como houve o modelo do Socialismo Chileno de Allende, ou o Socialismo Cubano de Fidel. Todas estas soluções colectivistas partilham um background ideológico tão semelhante que só a ligeira diferença de métodos e resultados as diferencia. O Liberalismo preconizado em Portugal, ultimamente, tem vindo a clamar por uma alternativa liberal – conservadora, que preencha o fantasma ideológico do PSD. Nada impede que, no futuro, apareça em Portugal uma alternativa liberal – progressista (como parece ser o caso do Movimento Liberal – Social).
Hayek e Friedman discordam várias vezes. Herculano escarnece da suposta Ordem Liberal da sociedade à sua volta, mas, mantendo-se o único liberal e democrata português cuja ideologia está sedimentada filosoficamente, é também um defensor dos valores tradicionais e cristãos, que combateu duramente no seu passado.
Ayn Rand não tem na base da sua filosofia o mesmo egoísmo de Adam Smith. Thomas Paine não se sabe bem o que é, mas ele tem-se em conta de liberal. E se calhar, é porque o é.
Quando se perceber que é a realidade social que define, na sua quase totalidade, o modelo de Liberalismo a seguir, e não um grupo específico, haverá uma noção a seguir do Liberalismo por estas bandas. Entretanto, ficará o aviso de que essa noção, com o tempo, ficará desactualizada, tal como todas as noções que, dependentes da evolução da sociedade, se fiam demasiado na passividade dos tempos.
Fomos ao Café Odisseia reforçar o Estado Sentido. Há já algum tempo que vinha seguindo os seus escritos com os quais naturalmente me tenho identificado. É com um enorme prazer que apresento o Manuel Pinto de Rezende e o Pedro Jacob Morais, estudantes da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, que tiveram a amabilidade de aceitar o convite para integrar o nosso Conselho de Estado. Sejam bem-vindos a esta casa que agora também é vossa!
Um excelente texto pelo Manuel Pinto de Rezende, no Café Odisseia:
O que se passou nas terras africanas, após a descolonização portuguesa, é para mim um crime convicto, uma deserção covarde por parte do Governo Português.
Imagino o horror das populações citadinas quando souberam que o Exército Português não reagiria aos abusos dos movimentos de libertação que rugiam selvaticamente da floresta e do mato, proclamando por limpeza étnica, partidária, patriótica e proletária.
O que se passou em Angola, onde os massacres atingiram milhões, e em Moçambique e em Timor, bem como na Guiné, tem culpados directos e responsáveis detectáveis.
O Estado Novo não soube dar início à democratização do regime, não soube desenvolver uma administração autónoma nas colónias que trouxesse à independência gradual dos países africanos. A tese spínolista, apesar das falhas, era a única que planeava a sustentável conclusão da guerra colonial.
O marxismo político, não. A culpa dos mortos em África, as purgas, as deserções, toda essa desonra que humilhou Portugal até ao infinito, é imputável ao PCP de Álvaro de Cunhal, ao MFA de Otelo, a todos os movimentos de suposta revolução de esquerda, bem como ao egoísmo da Direita de Francisco Sá Carneiro, que não mexeram uma palha por alertar à ultrajosa situação que se dava nas antigas colónias.
Do golpe militar de 25 de Abril, tenho eu todo o respeito. Foi um golpe pró-democrático, e da democracia nascem sempre coisas belas e boas, pelo menos sempre que essa democracia se alia ao Estado de Direito.
O problema do 25 de Abril é que, no dia 26, o golpe passou de golpe para movimento revolucionário, para programa revolucionário, para um esforço nacional de engenharia social e caciquismo. E houve ditadura militar e violação de direitos básicos, houve prisões arbitrárias, houva assassínios, houve a ocupação por parte do Estado e Comissões de Trabalhadores de coisas que não lhes pertenciam.
Por isso não me venham com merdas, e cantar as vossas musiquinhas de intervenção, que este país viu suficiente intervenção nesses dias. Não me falem em Liberdades abstractas, quando não conseguiram manter as mais concretas.
Vocês, geração de Abril, foram os que comeram tudo, tudo, e não deixaram nada. Nem um resquício de honra ao qual nos possamos agarrar de um passado de vergonha e humilhação e pedantismo. Somos a chacota da Europa.
Por isso me recuso a celebrar o 25 de Abril. Pago todos os dias a factura da revolução dos marxistas e dos assassinos. Todos os dias, morre Angola mais um pouco, morre a Guiné mais um pouco, por causa desses capitães da liberdade.
Pois bem, eles que se fodam. Culpo-os a eles, e já paguei suficiente cara a minha liberdade, que é minha desde sempre.
Acabou, por aqui, o vosso tributo de Midas. A dívida está paga. A vergonha de um povo é o recibo.