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Antes de me acusarem de me colocar em bicos de pé, de mandar bocas do alto da minha torre de mármore, que fique bem claro: sou um mero soldado raso das fileiras da análise política, da pretensa avaliação sociológica. Em Portugal os deuses entornam o caldo vezes sem conta. Dizem coisas sem avaliar com temperança o valor das afirmações. Os profissionais do sector da intelectualidade parecem não medir as implicações das suas palavras. Diz Maria Filomena Mónica: (...) "O 25 de Abril é um golpe militar e isso entristece-me. Significa que não foram os cidadãos que deitaram abaixo o regime anterior". Excelentíssima senhora doutora Mónica, ainda bem que foram os militares a levar por diante a mudança. Foi a sua disciplina e o seu sentido de missão que fez com que a Revolução de Abril fosse um banho de cravos e não um banho de sangue. No livro Guinness das revoluções os capitães de abril lideram o ranking. Nunca por esse mundo fora havíamos tido o exemplo de como se faz uma revolução sem ferir, sem matar, sem lançar em polvorosa todo um povo. Percebe-se que a senhora não esteve efectivamente presente durante este importante capítulo da história de Portugal. Na entrevista que concede, Maria Filomena Mónica poderia ter dispensado o pedantismo do doutoramento em Oxford. E ainda diz que preferia que fosse o povo a fazer a revolução. Há qualquer coisa aqui que não bate certo. Que não me convence.
Maria Filomena Mónica, no Expresso de ontem, via Delito de Opinião:
«Encontrei uma solução que gostaria de apresentar. Em vez de me cortarem um quarto no vencimento, bastaria despedir nove de entre os meus colegas que, ao longo dos anos, não escreveram dez linhas aproveitáveis. Já agora, talvez não fosse má ideia pôr na rua os docentes que não preparam aulas, os que faltam aos compromissos académicos, os que promovem os amigos e os que andam a "salvar" o mundo com propaganda que introduzem na sala de aula.»
Maria Filomena Mónica é uma mulher bonita, elegante e não a conhecendo pessoalmente, parece-me acessível. Tem um certo ar de outros tempos, num misto de Marlene e de Deneuve, mas sem a frieza coquette da primeira ou o arrogante e desdenhoso olhar da gaulesa. Excelente comunicadora, é expansiva, ri com facilidade e o seu fácies expressivo testemunha aquilo que sente e a certeza do que diz. Não parece portuguesa porque exala optimismo, coisa tão afastada do clima que há tanto tempo se vive no nosso país, como se de uma longínqua galáxia se tratasse.
Ontem, tive o prazer de assistir à entrevista concedida a Mário Crespo, na Sic Notícias. Comentando a biografia que escreveu sobre o grande homem que foi Fontes Pereira de Melo, Filomena Mónica mostrou uma total independência perante o comodismo académico ainda preponderante, dizendo de forma clara e inequívoca, estar o país a sofrer há mais de um século, o abusivo relato de uma história falseada, porque inexistente. Referindo-se ao período que a obra estuda - a Monarquia Constitucional - e comparando-a com o regime que se lhe sucedeu - a 1ª república -, a autora foi incisiva na afirmação daquilo que hoje se tornou impossível de esconder.
Disse uma grande verdade e tão incómoda quanto impiedosa: a inelutável lei da natureza, vai fazendo desaparecer os promotores de uma historiografia oficial que ao longo de cento e cinquenta anos se acirraram na promoção da ficção de uma história nada científica e apenas fundamentada no dogma, alinhamento partidário ou mero fanatismo de grupo. Em suma, os lóbis que se vão sucedendo no poder, vão amesquinhando o todo nacional, em benefício do arrivismo mais atrevido e seguidor de figurinos importados pela conveniência clubística do momento.
Todos sabemos que a Monarquia Constitucional consistiu no mais longo período de normalidade daquilo que o preceituado da cartilha liberal pressupunha. Fizeram-se todas as reformas necessárias que adequaram o país aos novos tempos anunciados por uma Europa saída do caldeirão fervente da agressão napoleónica e sem um rumo ainda bem definido, mercê da destruição da velha ordem pré-revolucionária e da derrota militar do imperialismo rapinante do Corso.
Estradas, caminhos de ferros e infra-estruturas correspondentes - pontes, túneis, portos, entrepostos comerciais, mercados -, abolição da Pena de Morte, modernização do sistema eleitoral, simplificação das medidas e sua normalização "à europeia", fomento de indústrias e promoção do conhecimento científico, eis sucintamente, o programa que foi sendo executado em Portugal ao longo de mais de três décadas. Uma autêntica revolução material e nas mentalidades, surgiu como possibilidade modernizadora que aproximaria Portugal de uma Europa que começava a descobrir as potencialidades de um Ultramar pelo qual se digladiaria. Independente o Brasil, Portugal prosseguiu fortemente ligado à antiga possessão além-mar, mas a África tornou-se numa outra possibilidade de expansão, onde o país contava com direitos históricos, tenuemente garantidos pela presença em presídios costeiros e tácito reconhecimento in absentia por parte de outras potências.
A derrota da França em 1870-71, criou uma situação de status quo territorial na Europa, implicando paralelamente, a corrida aos mercados que no além-mar prometiam ser o sorvedouro dos produtos da recente industrialização. Fontes foi o Presidente do Conselho num momento em que existiam os capitais estrangeiros destinados ao investimento em economias que pretendiam a modernização. Países como Portugal ou a Rússia a eles acorreram, conseguindo criar as bases de uma modernização urgente porque imperiosa para a própria segurança internacional dos Estados. A adequação do modelo social em todas as suas vertentes - movimento sindical, sistema eleitoral ou o despontar dos compromissos sociais patrocinados pelo Estado - suceder-se-iam normalmente.
Maria Filomena Mónica é uma boa comunicadora, de fala simples, incisiva e compreensível para a maioria dos interessados. Ontem, ousou dizer a verdade que geralmente anda tão afastada das crenças enraizadas por sucessivas gerações de eternos e privilegiados pensadores do pessimismo que amolece a nossa gente, destrói a consciência nacional e impede a verdadeira autodeterminação de cada um e de todos. A autora prestou um relevante serviço ao país que importa.