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Muito provavelmente foi com uma máquina-trituradora igual a esta que a Inspecção de Finanças destruiu papéis essenciais para avaliar swaps. Os documentos dos inspectores que sobreviveram à razia foram aqueles respeitantes à CP e à Carris. Ouviram bem? CP e Carris. Não foi à toa, não. Estes sistemas de transporte podem ser utilizados como carro de fuga no assalto. Qualquer dia embarcam numa carreira e tomam como reféns os passageiros e zarpam rumo a Salamanca ou Perpignan, ou apanham o expresso e inflingem uns murros ao maquinista para que não dê meia-volta. Que normas internas são estas que eliminam sem mais nem menos matéria relevante para tirar tudo a limpo? Quem redigiu estas normas tão convenientes? Que mão invisível pressionou o botão da trituradora? Em condições normais, todos os documentos deveriam ficar congelados num arquivo jurídico - uma espécie de torre dos tombos políticos. A Democracia Portuguesa está a ser continuamente violada com este tipo de práticas. Não foram necessários agentes químicos para exterminar uma parte da "estória" de Portugal, os eventos que também figurarão na histeria do país. O mais grave é a forma descarada como se declara o processo de destruição de provas - com naturalidade. Com tantos incêndios à mão de semear, teria sido preferível forjar um fogo e bradar aos céus que tudo as labaredas levou.
A demissão de Vítor Gaspar era, em bom rigor, uma inevitabilidade. Hoje, ontem ou amanhã, a saída do capitão Nemo do "financês" passista era uma questão de dias, semanas, ou, vá, meses. Aconteceu hoje, com alguma surpresa de permeio. Gaspar não aguentou a pressão, nem, como o próprio referiu, a falta de coesão da equipa governativa. A indirecta a Paulo Portas é clara. Entende-se bem porquê. Portas foi, durante estes dois anos de governação, o único político que tentou enfrentar, a duras penas, diga-se de passagem, a estratégia austerista de Gaspar. Não é, por ora, chegado o momento de avaliar a prestação do CDS/PP no Governo de coligação (prestação essa, com altos e baixos), contudo, é por demais evidente que a presença dos centristas na coligação evitou alguns pormaiores, como foi, por exemplo, o caso da TSU. Gaspar chegou ao Governo com uma aura tecnocrática absolutamente inabalável. Amigo e íntimo dos poderosos da alta finança europeia, Gaspar foi o verdadeiro capataz da troika em Portugal. Aumentou os impostos e aplicou o programa de ajustamento sobretudo pelo lado da receita. Por outras palavras, o ex-ministro das finanças falhou rotundamente os objectivos a que se propôs. Desde o início da minha participação neste blogue, fiz questão de sublinhar a total falta de aderência à realidade do plano de resgate. As consequências estão à vista: a economia derrapou, e o Estado continua por reformar. As responsabilidades não pertencem a uma única pessoa, ao contrário do que alguns, leviana e parvamente, fazem crer, todavia, Gaspar foi um dos principais rostos do esbulho fiscal em curso: optou deliberadamente por aumentar brutalmente os impostos, em detrimento de cortar cerce na despesa pública. Saiu tarde, é certo, mas, finalmente, saiu. Gaspar foi, no fundo, o único esperto nesta estóriazinha de austerismo selvagem. Errou, e para não se chamuscar mais, optou por abandonar a fragata a tempo. Já Passos Coelho, um primeiro-ministro que tarda em aprender os rudimentos básicos de uma liderança sã, optou pela solução fácil, chamando a terreiro uma secretária de estado, que, como é do domínio público, tem visto o seu nome constantemente envolvido em questiúnculas que contendem directamente com a gestão parcimoniosa dos dinheiros públicos. Exigia-se um pouco mais de cuidado na escolha. Passos preferiu, mais uma vez, seguir a via do facilitismo serôdio. Errou, e errou clamorosamente. É certo que dificilmente alguém se chegaria à frente, pois o serviço público não é, hoje, a via mais célere para granjear prestígio e reputação. Porém, substituir um mau ministro por alguém que, ultimamente, tem andado com a corda no pescoço é, de facto, um daqueles actos dignos de figurar numa lista negra do anedotário político. Se somarmos a isto a completa ausência de textura política da personagem escolhida para liderar o ministério das finanças, o cenário é ainda mais dantesco. Os próximos meses prometem muitas borrascas, e, com um capitão tão fraco e imprudente ao leme das operações, o melhor mesmo é buscar o quanto antes um colete salva-vidas, não vá o barco afundar-se antes do tempo fixado.