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Sobre Marine Le Pen e a Web Summit, tenho apenas a dizer que, como democrata liberal e conservador, estou nos antípodas de qualquer pensamento de carácter totalitário, seja fascista ou comunista, mas como adepto da liberdade de expressão e de pensamento, creio que todas as opiniões, por mais estúpidas que sejam, devem poder manifestar-se na esfera pública de qualquer democracia liberal, desde que possam ser desafiadas e expostas as suas fragilidades e as que são expressamente intolerantes possam ser contrariadas pelo debate racional e, caso se esteja na iminência de se tornarem hegemónicas, possam então ser suprimidas para salvaguardar o espaço público demo-liberal. Estou apenas a glosar Karl Popper e o seu paradoxo da tolerância, que aqui deixo em tradução da minha autoria:
“Menos conhecido é o paradoxo da tolerância: A tolerância ilimitada tem de levar ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo àqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. — Nesta formulação, não quero dizer que, por exemplo, devamos sempre suprimir a expressão de filosofias intolerantes; enquanto as possamos contrariar por argumentos racionais e mantê-las sob controlo pela opinião pública, a supressão será certamente insensata. Mas devemos reivindicar o direito de as suprimir, se necessário até pela força; pois pode facilmente dar-se o caso de elas não estarem preparadas para discutir racionalmente connosco, começando por denunciar todos os argumentos; elas podem proibir os seus seguidores de ouvir argumentos racionais, porque são enganadores, e ensiná-los a responder aos argumentos utilizando os seus punhos ou pistolas. Devemos, portanto, reinvindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar o intolerante. Devemos afirmar que qualquer movimento que pregue a intolerância se coloca à margem da lei, e devemos considerar o incitamento à intolerância e à perseguição como crime, da mesma forma que devemos considerar como crime o incitamento ao homicídio, ou ao sequestro, ou ao regresso do comércio de escravos.”
Os democratas franceses nada aprenderam com os mais recentes eventos que abanaram o sistema político norte-americano. A lição de Hillary não foi assimilada. São tantos os participantes a concurso nesse campo ideológico que Marine Le Pen deve estar a esfregar as mãos de contente. Sarkozy jafoste. E agora Fillon mignon apresenta-se com grandes desígnios que se inscrevem nessa velha escola de funcionalismo público, impostos mais ou menos baixos, e depois, como se ninguém reparasse, lá mete um referendo sobre a quota de imigrantes como se a virtude democrática das massas pudesse ser exultada de um modo honesto. Ou seja, defende o que Trump defende, mas não assina o despacho. Remete para o povo essa decisão nefasta. Sacode preventivamente a água do capote do nacionalismo residente na marselhesa. Em plena época de falências do politicamente correcto o filão de Fillon não pega. Nas cidades e nas serras, e nos banlieu, o código de sobrevivência é outro. Os franceses de pleno direito, que em tempos não o eram, são os primeiros a pôr trancas à porta, a barrar a porta a "ladrões" de empregos. E há mais. A alegada moderação de Trump apenas ajuda a consolidar a ideia de que afinal o conservadorismo não se faz equivaler a extremismos proto-fascistas. Vivemos uma época de grandes rupturas. O descarrilamento das instituições clássicas, mas também da linguagem que tarda em se refrescar para acompanhar o novo glossário de intenções políticas.
Não pretendo insultar a inteligência dos leitores, nem ofender a teimosia de alguns, mas tenho uma simples pergunta que gostaria de colocar às hostes mais analíticas, àqueles dispostos a ver para além de Badajoz, mentes hábeis na leitura de quadros maiores. Que relação existe entre a "vitória" socialista portuguesa e o fim da crise na União Europeia? Que relação existirá entre uma putativa vitória socialista nas legislativas e a crise económica e social na zona Euro? A resposta é simples: não existe relação, uma vez que a arquitectura política da União Europeia não se baseia na equidade entre o que se passa a montante e a jusante. O que acontece em Portugal não tem efeitos na Europa, por mais que alguns se queiram armar em campeões da liga do sul. Os socialistas padecem de uma condição auto-endorfínica, quase endémica - alimentam-se do seu próprio sangue, numa espécie de ritual narcisista-masturbatório. Saberá Seguro por que razão a Marine Le Pen arrombou os caciques do poder francês? Não tenho a resposta completa, mas Hollande deu uma ajuda enorme. O aventureirismo fiscal à la Robin dos Bosques colidiu com a seta da livre iniciativa, do self-made man do banlieu e, ao contrário do que seria de esperar, foram largas camadas de oprimidos que produziram os resultados que deixaram a Europa em estado de choque ontem ao cair da noite. Portugal corre perigo imediato, mas também correrá a breve trecho se depositar confiança nas impossibilidades avançadas por Seguro, nas falsas promessas. Não, os portugueses não derrubaram o poder vigente nem elevaram os socialistas a sérios candidatos. Ainda não entendeu Seguro, que aconteça o que acontecer no bairro mais próximo, a Europa dos grandes nunca deixará Portugal se extraviar dos carris do acerto e consolidação orçamental - a austeridade vai muito para além deste governo que se encontra em funções. Se os socialistas quisessem mesmo ajudar o país, deveriam concentrar os seus esforços noutras corridas, nomeadamente em tentar perceber quais os aliados com que podem contar no Parlamento Europeu. Com a nova disposição de cadeiras e a ocupação de muitas delas por euro-cépticos e a direita extremada, as forças políticas "convencionais" da ala socialista ou da ala social-democrata, devem, com um elevado sentido de urgência, tentar perceber como podem travar as ondas de populismo que muito dano podem causar à ordem democrática europeia. Por isso, um pequeno partido como o partido socialista português deveria estar preocupado em angariar aliados ideológicos. As coisas mudaram em França. De terra de liberdades e garantias, exílios e mestrados, França passou a ser entendida como terreno non grato por aqueles que ainda acreditam no projecto europeu. Os socialistas portugueses parecem ligeiramente atordoados com a vitória agridoce de ontem. Fiaram-se na velha receita do voto útil, do castigo aos governantes, mas a coisa deu para o torto. E o que aconteceu nem sequer aconteceu num esplendoroso dia de praia. Foi abstenção pura e dura - e os dias de mon ami Mitterrand acabaram em definitivo.