por João de Brecht, em 13.01.09

Decidi hoje (definitivamente) virar costas a um passado que tantas vezes me fez cerrar o punho e perder a voz com hinos que tanto admirava. Só agora vejo o que fui e o que fiz, os erros que cometi e o universo tão belo e vermelho que criaram para mim, cujo único fundamento era um sonho inexequível.
Aceitei piamente a areia que me mandavam aos olhos, as notícias só eram reais se coincidissem com o caminho que me fizeram parecer o correcto e toda a realidade ofensiva à nobre causa tornava-se num instrumento inspirador de ódio para com os que não acreditavam na solução vermelha.
Depois de tanto tempo a ser cegado com areia vinda de fora, passei à segunda fase do ideal e tornei-me numa avestruz, já não precisava que me dissessem o que era “bom” ou “mau” e enterrava-me na areia sem a ajuda de ninguém. Tudo era nobre e belo na causa do Partido, todos éramos como irmãos, camaradas da luta e da labuta, os alicerces do Avante eram construídos em conjunto, com a ajuda de todos, desde o pequenino ao senhor que mal conseguia andar, a pura realidade do “de cada um consoante as suas capacidades, a cada um consoante as suas necessidades”.
Seria hipócrita se dissesse que não tive nada positivo a retirar da minha vida nesse mundo, apesar de ter sido um bloqueio à liberdade de pensamento e restrição de conhecimento. É difícil, passado tanto tempo só agora perceber que os Porcos (não no sentido pejorativo, mas estou certo que os leitores de Orwell me entenderão) não são afinal guias e exemplos a tomar e respeitar, mas sim uma elite dentro de um movimento que rejeita qualquer tipo de sobrevalorização e exploração do Homem sobre o homem.
Aproveito para mostrar admiração por muitos dos meus camaradas que ainda acreditam, para eles um bem-haja, que nunca deixem de ser crianças. Para os Porcos, apenas um dedo.