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É um lugar comum afirmar que é bom ver tanta gente na rua. Que ruas apinhadas é sinónimo de felicidade e de esperança. Quem ontem deambulasse pela Baixa lisboeta veria com os seus próprios olhos o caudal de pessoas que inundava os passeios. Foram ver as montras e as decorações de Natal para afogar as mágoas. Foram ver com os próprios olhos o enfeite luminoso para não perder pitada do entusiasmo natalício. Os políticos e os defensores dos direitos afectivos do homem dirão que faz bem à sociedade e ao país encontrar os concidadãos na rua, mas eu tenho uma visão mais cínica, pessimista. Os transeuntes da quadra natalícia transbordam os passeios, mas não passam de window shoppers. Sonham com o dia em que poderão entrar nas lojas e levar sem pestanejar a máquina fotográfica para captar com precisão os melhores momentos - a ascensão e a queda da sua condição dependente do estatuto social, o seu semblante espiritualmente descaído e culturalmente deplorável. As pessoas nada melhor têm para fazer do que desejar a materialidade que parece ter escapado por entre os dedos, por entre a censura da austeridade e os devaneios do neo-liberalismo. E não é apenas na grande superficie ou na loja de bairro onde esta lógica impera. Nos outros locais de culto, do LX Factory ao Mercado de Campo de Ourique, a humanidade também se faz ver nessa triste constrição da sociedade de consumo. Uns dirão que a malha forjada em forma de cachecol é artesanal e por isso produto de uma Esquerda esclarecida pela lã. Outros afirmarão que o televisor LED, embora construído por trabalhadores oprimidos na República Popular da China, estará a contribuir para o crescimento económico e social daquele país, a fazer crescer a média classe a um ritmo nunca antes visto. Ou seja, o Natal serve para todos os embrulhos ideológicos e conceptuais. Permite a oferta de todo o género de justificações e não parece ser arma de arremesso do espectro político na sua integridade total. Neste caso, bizarro e paradoxal, a concordância é plena. O redentor para todos os males chama-se Jesus - mas não passa de um menino.
O advogado de defesa do rapaz que pretendia imitar um massacre à americana numa escola de Massamá diz que este se encontrava triste e magoado com os valores individualistas e materialistas da nossa sociedade. As parvoíces e clichés do costume, portanto. Mas claro que isto justifica plenamente sair por aí a esfaquear pessoas.