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Breve apontamento sobre o caso Sócrates

por Samuel de Paiva Pires, em 27.11.14

E nem sequer é para falar sobre Sócrates e os crimes pelos quais está a ser investigado, mas sim para notar que, da generalidade dos jornalistas a comentadores como Sousa Tavares e Clara Ferreira Alves, dos indefectíveis socráticos a Mário Soares, passando pela Bastonária da Ordem dos Advogados, outros intervenientes no espaço público e até alguns populares que têm aparecido na televisão literalmente a chorar por Sócrates, boa parte do país parece ter sido acometida por um histerismo tão deplorável quanto risível, mas que me leva a retirar uma conclusão preocupante: temos demasiadas pessoas com responsabilidades políticas e públicas, demasiados comentadores e intervenientes no espaço público cuja cultura democrática deixa muito a desejar.

 

Basta atentar na visível irritação de Mário Soares à porta do Estabelecimento Prisional de Évora e na sua posterior entrevista a Constança Cunha e Sá para perceber que o conceito de democracia do ex-Presidente da República é, no mínimo, dúbio e assenta mais no amiguismo que na igualdade perante a lei e a separação de poderes (afinal, como diria Jorge Coelho, "quem se mete com o PS leva"). Ou um exemplo ainda melhor, aquele momento, há alguns dias, em que Pacheco Pereira explicava a Sousa Tavares que a igualdade perante a lei em termos abstractos não substituía a desigualdade material, já que Sócrates é uma pessoa influente e poderia tentar destruir provas e influenciar a investigação caso não fosse detido preventivamente, ao que Sousa Tavares respondeu com uma absurda afirmação de que Pacheco Pereira estava a partir do pressuposto que Sócrates era culpado, mostrando assim como lhe escapam (a Sousa Tavares) as mais elementares regras de lógica e/ou qualquer noção de democracia que não se coadune com a sua lendária falta de isenção.

 

No meio do histerismo, os líderes da coligação governamental e o líder da oposição mostram ser dos poucos a ter um mínimo de bom senso, não deixando que a amizade ou inimizade por Sócrates lhes tolde a mente. De resto, não só não entro na barricada dos que pensam que o regime está em risco - se há algo que o passado recente do nosso país nos mostra, é que, pelo menos, algumas instituições estão a funcionar como se espera num regime demoliberal -, como também não me atrevo a vaticínios sobre o futuro próximo do PS e o embate eleitoral do próximo ano. Como explicava Manuel Meirinho ontem à noite, na RTP Informação, o tempo da política é muito curto. Daqui a umas semanas a detenção de Sócrates fará parte da normalidade quotidiana e deixará de ter interesse mediático, tal como já aconteceu com Armando Vara ou Ricardo Salgado. As eleições são apenas em Outubro de 2015. Tenham calma, que até lá muita coisa pode acontecer.

publicado às 09:17

Muito barulho por nada

por Samuel de Paiva Pires, em 14.10.13

O conteúdo da peça de Shakespeare não tem nada a ver com o que se passou por cá na última semana. Mas o título encaixa-se na perfeição. Sim, a propósito do chinfrim que por aí grassou a respeito dos cortes nas pensões de sobrevivência.



publicado às 20:27

Um Só Morto, Vários Chávez

por joshua, em 06.03.13

A notícia tem sido explorada até à náusea. Horrendo o tempo que se perde na sofreguidão abutrina de cobrir uma morte anunciada. Cansaço. Pastilhas e injecções de tagarelice transbordam os painéis da SICN, [onde a grenha de Nuno Rogeiro pontifica, grisalha e descomposta e a barba adamastor de Pacheco Pereira brilha para sedução de mil ninfas], TVI24, RTPI. Foi só uma morte. Nada mais que uma morte. Para todos os efeitos, morreu um homem que foi vários, o último dos quais um devoto cristão. Nada apaga a imagem de uma Venezuela caótica, criminal, fanatizada, cuja elite política não consta passe mal.

publicado às 09:30

Um post vaidoso

por Samuel de Paiva Pires, em 21.09.11

 

Nos últimos meses, entre os livros que precisei de ler para a tese de mestrado e os habituais livros de cariz filosófico e político, reli o Leopardo de Lampedusa e li A Servidão Humana de Somerset Maugham e Memória das Minhas Putas Tristes de Garcia Márquez, estando agora a ler A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera e O Retrato de Dorian Gray de Oscar Wilde. Este último é das melhores coisas que já li. A escrita estética e estilisticamente bela, filosoficamente paradoxal e com contornos que ainda hoje podem ser considerados chocantes para muitos indivíduos, é simplesmente deliciosa.

 

Quanto mais clássicos leio, mais reforçada fica a ideia de que deveria antes dedicar-me às dimensões da eternidade da literatura e da filosofia. A política e a economia do aqui e agora da espuma dos dias sabem a muito pouco. O mediatismo reveste uma realidade que é intelectualmente muito pouco estimulante e demasiado pobre, chegando o decadente lodo da nossa televisiva e jornaleira infeliz existência a ser esmagadoramente claustrofóbico. O que não significa que, paradoxalmente, eu não vá vivendo neste lodo e, dentro do meu parco raio de acção, agindo e reagindo aos outputs do mesmo. O que, por seu lado, também não significa que esteja disposto a entrar em todo e qualquer debate com toda e qualquer pessoa. As pessoas atribuem demasiada importância a si próprias e às outras, bem como às discussões que encetam. Eu repudio o relativismo intelectual, o politicamente correcto e o dogma da igualdade. Tenho na tolerância uma ideia base do meu pensamento, mas isso não quer dizer que tenha que aceitar sem criticar todas as opiniões, aparências ou acções. Pelo contrário, critico muitas e não as respeito a todas. Ao contrário do que fazia até há poucos meses, deixei de perder tempo em debates espúrios, apenas entrando nos debates que quero e com aqueles que considero intelectualmente dignos de respeito e admiração.

 

As coisas são o que são, e todos nós fazemos juízos de valor uns dos outros. Todos somos passíveis de ser alvos da crítica ou admiração de terceiros, e certo é que "O número dos que nos invejam confirma as nossas capacidades” (Wilde). Contudo, alguns levam-no ao extremo e passam da mera constatação de facto ou de valor, possuindo até um pendor evangelizador, normalmente perpassado por uma atitude alegadamente moralista de quem egoisticamente quer corrigir os outros e fazê-los viver como vive, não passando, portanto, de um hipócrita, porquanto, como escreveu Wilde, "A moralidade é apenas a atitude que adoptamos para com as pessoas de que pessoalmente não gostamos”. Pode ser pessoalmente ou apenas intelectualmente, não se coibindo muitos indivíduos de tentar entrar em debate com outros ou criticá-los em termos meramente mesquinhos, quando não mesmo ignorantes e até absolutamente estúpidos. Como o mesmo autor salientou, "Não há outro pecado além da estupidez", e eu tenho cada vez menos paciência para lidar com esta. O meu caminho paradoxal para a verdade sou eu que o faço, pelo que dispenso as advertências inusitadas criticando a minha alegada incoerência - posto que “A coerência é a virtude dos imbecis” (Wilde), e talvez por isso seja muito apreciada em política, não tanto pelos seus actores maiores mas mais pelos seus públicos de onde recolhem as respectivas votações – assim como os conselhos vindos de quem muito provavelmente precisa mais deles do que a minha pessoa.

 

Nesta peça trágico-cómica que é o nosso país – e o mundo –, cujo “elenco é um horror" (Wilde), em que, como dizia alguém, a inveja é o desporto nacional, é perfeitamente repulsiva a exasperante realidade que nos tolhe a mente, pelo que cada vez mais me dou conta, como Wilde, “de que tudo o que é magnífico se prende com o indivíduo, e que não é o momento que faz o homem, mas o homem que cria o seu tempo”. Nesta época em que a ciência é talvez o maior dos avanços da humanidade, tudo o que ainda vale a pena descobrir está contido em nós próprios. Desde a minha imberbe adolescência que me recordo de ser adjectivado de arrogante, vaidoso e pouco modesto, em especial por professores. Nos últimos anos, o leque alargou-se a alguns amigos e muitos conhecidos e desconhecidos. Se há uns 7 ou 8 anos isto me fazia sentir mal e me deixava a pensar, o erro de todos eles é pensarem que a pessoa que sou hoje se importa com isso, quando essa é uma característica distintiva do meu carácter que assumi plenamente. Como escreveu Wilde, "A vaidade é uma das principais virtudes, e, no entanto, poucas pessoas admitem que a procuram e a tomam como objectivo. É na vaidade que muitos homens ou mulheres encontraram a salvação, mas, apesar disso, a maioria das pessoas arrasta-se a quatro patas em demanda da modéstia”. As pessoas perdem demasiado tempo a tentar corrigir os outros, sem que sequer sejam capazes de reflectir sobre os seus próprios defeitos. Se eu nem para a minha pessoa sou moralmente correcto, como posso querer corrigir moralmente os outros? Isto não implica, contudo, que não os critique. E por isso subscrevo aquela frase de Gore Vidal que o João Gonçalves salientou aqui há tempos: «-Van Vooren: É sensível às críticas? -Vidal: Não. Decidi cedo que aquilo que penso dos outros é mais importante do que aquilo que eles pensam sobre mim. Qualquer jogo tem de ter um árbitro e, então, decidi que eu seria o árbitro. »

publicado às 13:05






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