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Afinal a saga de emails de Hillary Clinton teve alguma utilidade. A ex-putativa presidente dos EUA deu o mote a António Costa. A verdade e os factos? É tudo relativo. Depende tudo de quem puxa a tomada aos servidores. Não é como o primeiro-ministro de Portugal afirma. Não se trata de tricas e detalhes de menor importância. Diz respeito a ferir seriamente a credibilidade de orgãos de soberania e levantar dúvidas sobre titulares de cargos de governação do presente e do futuro - não se trata do Centeno. Amanhã, quando houver petas a voar de outros quadrantes, por exemplo na estratosfera que envolve o BE e o PCP, quero ver se o Partido Socialista vai buscar o mesmo balde e esfregona para limpar as borradas. É isto que está em causa, e muito mais. Falemos de checks and balances. Falemos de transparência na condução de assuntos de Estado. Falemos dos interesses em causa na sombra do poder. Falemos na sempre adiada legislação respeitante a lobbying. Falemos da quebra de disciplina formal e substantiva na discussão de assuntos que consubstanciam intensamente a noção de interesse nacional. Quando alguém com supostas responsabilidades na liderança do executivo não assume a Ética enquanto bússola da acção governativa, empresta o pior exemplo possível a uma nação inteira. Mancha ainda mais a disciplina política e ensina ao povo de Portugal a nobre arte da decepção, da mentira.
1. Descaramento
Todos sabemos por experiência colectiva - como eles gostam de dizer - que quem manda, por regra mente. Mente descaradamente e a propósito de tudo e pior ainda, de todos. Falta à verdade de tudo o que lhe convém enviar à estratosfera numa espécie de nuvem chuvosa no Saara. Temos então a questão pendente da Real Quinta de Caxias, em péssima e sinistra hora doada pelo infeliz Rei D. Manuel II ao Estado, no mesmo lote em que para sempre se foi Queluz. Cento e oito anos passados, o desastre está à vista desarmada, as portas escancaradas e o interior devastado por ladrões e pelos seus colaboradores. Ao contrário do que ontem foi dito no telejornal, o espaço está completamente acessível há muitos meses e o estado do interior prova isto mesmo. Só lá não foi quem não quis.
E quem são aqueles colaboradores? Precisamente quem até há uns tempos usou e abusou de um espaço que lhe foi entregue bem cuidado, mobilado, decente e apresentável tal como demonstram as escassas fotos datadas de 1905. Tudo se perdeu para sempre. Painéis de azulejos setecentistas, madeiras de soalho, pinturas e forros, vidros, portas e portadas, tudo foi destruído, dir-se-ia uma imagem de um palácio na Europa Central de 1945. Alarme dado nas redes sociais, podem agora fazer as reportagens que bem entenderem, pois o espaço chegou ao ponto de ruptura sem remédio possível. Podem apresentar-se diante de jornalistas todos os recém-chegados especialistas que encontrarem e podem apresentar-nos militares uniformizados de porteiros de hotel de terceira categoria que ainda têm o topete de debitar diante dos microfones, a anunciada e rigorosa "lista de encargos exigida aos futuros proprietários". Sabemos que desavergonhadamente mentem "com todos os dentes que têm na boca", tomem bem conta disto. Querem ganhar dinheiro a todo o custo, quando simplesmente têm o dever moral de entregar gratuitamente a Real Quinta a quem dela de imediato cuidaria: a Fundação da Casa de Bragança.
Sim, falta de pudor e um total descaramento.
2. Arrogância
Quem diria que passadas apenas algumas semanas, a conversa enchachada do sr. Juncker mudaria radicalmente, oferecendo agora a vital pasta da Segurança a um comissário britânico?
O que disse ele durante uns dias, valha-lhe Deus! O ódio chispava, as palavras saíam-lhe incontroladas pela boca fora, ofendia em pleno "parlamento" europeu, o mau perder era clamorosamente perceptível e agora, subitamente, tendo sido ele uma autêntica fraude na gerência luxemburguesa, é moralmente moche e finalmente amochou.
A arrogância era afinal uma desesperada fita e atendendo bem à realidade dos factos que não têm discussão, não há na Europa país mais competente para dirigir situações relativas à Defesa e Segurança do que o Reino Unido. Não há, estamos ainda muito longe de termos um outro entre os vinte e sete que sequer remotamente se lhe compare. Habituem-se a isto em Bruxelas.
Algumas factos que confirmam que os governantes (actuais e futuros) são totós:
1. O impacto do descalabro do Grupo Espírito Santo no PIB ainda está por ser apurado, mas situar-se-á no intervalo dos 2 aos 4% negativos.
2. Os efeitos negativos da austeridade suplantam largamente os seus benefícios, pelo que a mesma obrigará a ainda mais impostos na descida ao fundo do poço económico e social.
3. O desemprego nunca regressará aos valores convencionais, pelo que a sua expressão estrutural (e optimista) andará próxima dos 10%.
4. O socialismo, ou a social-democracia, nos moldes anteriormente praticados (e que levaram diversas nações europeias à falência), nunca poderão renascer baseados nos mesmos modelos de "negócio" social.
5. A centralidade da crise europeia significará, em última instância, que os "tradicionais" dadores/credores irão dedicar a sua atenção económica e social às dimensões domésticas dos problemas.
6. A crise ucraniana e o consequente agravamento das linhas orientadoras da política-externa russa, irá surtir efeitos negativos no conceito de "paz relativa" a que a Europa estava habituada.
7. O conflito israelo-palestiniano, embora não coincidente com uma crise energética, acabará por gerar desequilíbrios nesse sector.
8. A tradicional lentidão do Banco Central Europeu, e em particular no que diz respeito à implementação de medidas de estímulo da Zona Euro, obrigará, um pouco mais tarde, a uma acção ainda mais vigorosa e com efeitos de desequilíbrio intensos nos mercados financeiros.
9. A possibilidade de mais empresas do sector financeiro, ou outras de dimensão assinalável, estarem envolvidas em esquemas fraudulentos.
10. A mais que provável reedição de uma crise financeira à escala global, semelhante ou superior àquela registada em 2008.
10. E, por último, a possibilidade de um facto de "força maior" determinar um curso de acção não tido em conta pelos decisores políticos, nomeadamente um flagelo natural, o surto de uma epidemia ou um movimento gerado por largas camadas da população.
"Tivemos discussões com o ministro das finanças de Portugal muito, muito antes de Portugal ter solicitado um programa, porque era bastante claro já em determinado momento de 2010 que, a menos que Portugal tomasse uma acção forte em relação a reformas económicas e a consolidação orçamental, iria enfrentar custos de financiamento proibitivos e enfrentaria a ameaça de ficar de fora do financiamento nos mercados, o que acabou por acontecer no início de Abril de 2011 e conduziu ao programa" (Olli Rehn, comissário europeu).
Pelos vistos, mentiram-nos descaradamente.
À lenda da punhalada nas costas quando "tudo se encaminhava para a resolução dos problemas", seguiu-se a narrativa da vítima que sucumbiu apesar da admirável resistência sem pecado da apresentação do PEC IV. Mais uma mentira que decerto cedo desaparecerá da atenção geral, pois convém manter vivas todas as ilusões que a chicana partidocrática exige.
Num registo que lhe é demasiadamente corriqueiro, o auto-comentador dominical mentiu, ou melhor ainda, omitiu o que não lhe interessava dizer aos portugueses. Este desprezo para com a população, é um dos aspectos mais marcantes dos agentes de um regime que apenas ausculta a vontade nacional, quando é conveniente aos actores políticos.
Sempre queremos escutar o que Seguro, Pacheco, Costa ou Soares terão para dizer acerca da chegada da troika, já anunciada um ano antes e sem que alguém nos tivesse dado cavaco.
Não têm cura. Mentirosos, relapsos e contumaces.
Nuno Tiago Pinto, A mentira de José Sócrates:
«Há cerca de um mês, a Maria Henrique Espada ligou a José Sócrates para confirmar uma informação: a tese do ex-primeiro ministro seria sobre tortura. Na altura, Sócrates foi peremptório: “Não. Aliás, peço-lhe que não escreva isso porque estará a enganar e a induzir em erro os leitores da sua revista, estará a dar-lhes uma informação errada.” Ainda acrescentou: “Isso não é verdade”. Afinal, era mesmo. Foi o próprio que o admitiu ao Expresso. José Sócrates não teve um “equivoco factual”. Muito menos disse uma “inverdade”. Ele, simplesmente, mentiu. E confrontado com a mentira teve uma reacção à “animal feroz”: “Eu não lhe admito isso, nem que me peça explicações”. Depois lá deu uma explicação para o sucedido – que é bastante reveladora sobre ele próprio. Está hoje na Sábado.» (Ver aqui)
Hoje não vou à manifestação. Mas deixo uma sugestão de banda sonora, para deixarmos de enjoar a Grândola, que assenta tão bem a todos os arquitectos da nossa desgraça, deste governo ao anterior e a todos os outros cujos membros colocaram os seus interesses pessoais e dos seus partidos à frente dos interesses nacionais, trazendo-nos à ignóbil situação de protectorado em que nos encontramos. É que talvez seja bem pior que a crise financeira a crise intelectual, moral e política que infecta e corrói a democracia e o debate público.
Não existem grandes diferenças entre Lance Armstrong e um pelotão de banqueiros. Mentiram anos a fio e especializaram-se na preparação de cocktails. No primeiro caso para consumo próprio, e no segundo para servir um sem número de crentes na camisola amarela, no prémio de um montante financeiro. As voltas dadas pelo ciclista são parecidas com a noção de ganhos eternos, consubstanciada noutro tipo de veículos - structured investment vehicles -, que serviram de estafeta para produtos financeiros altamente tóxicos. Como podem facilmente constatar, faz tudo parte da mesma lógica de engano e decepção. Não deixa de ser curioso o aspecto quase simultâneo dos respectivos engodos. Enquanto os Lehman Brothers e Goldman Sachs deste mundo andavam a congeminar novas armadilhas para agarrar incautos, Lance Armstrong fez-se à estrada numa espécie de roadshow de mau gosto. Não percebo porque raio o U.S. Postal Service foi patrocinar o rapaz? Teria feito muito mais sentido se as insígnias de bancos malandros estivessem estampadas na sua camisola. De qualquer maneira, a crise ética que nos assola tem mais uma mascote para colocar em cima do frigorífico ao lado de outros cromos. Os Franceses, no meio desta trapalhada, querem as voltas de volta e parece que já existe um lobby poderoso em busca de uma indemnização mais avultada. Correm rumores que a Estátua da Liberdade bastaria para saldar as contas do prestígio, da desonra.