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Esta semana podem encontrar um artigo da minha autoria no Prisma, nova plataforma de slow journalism do Jornal Económico, em que viso contribuir para o debate sobre a política externa portuguesa na era de turbulência em que vamos vivendo, marcada pela crise do euro, crise dos refugiados, Brexit, Trump, Putin, Merkel, populismo, eurocepticismo, fundamentalismo islâmico e uma União Europeia à procura de perceber o seu futuro.
A eleição de Mário Centeno para Presidente do Eurogrupo numa altura em que a França tem um Presidente com uma visão para o futuro da União Europeia e em que a arrogante e obtusa dominação merkeliana parece ameaçada, é uma boa notícia. Mas o desfecho das negociações para a formação de governo na Alemanha será determinante para o futuro da União Europeia.
Jürgen Habermas, "What Macron Means for Europe: 'How Much Will the Germans Have to Pay?'" (destaques meus):
When looked at dispassionately, though, it is just as unlikely that the next German government will have sufficient far-sightedness to find a productive, a forward-looking answer when addressing the question Macron has posed. I would find some measure of relief were they even able to identify the significance of the question.
It's unlikely enough that a coalition government wracked by internal tension will be able to pull itself together to the degree necessary to modify the two parameters Angela Merkel established in the early days of the financial crisis: both the intergovernmentalism that granted Germany a leadership role in the European Council and the austerity policies that she, thanks to this role, imposed on the EU's southern countries to the self-serving, outsized advantage of Germany. And it is even more unlikely that this chancellor, domestically weakened as she is, will refrain from step forward to make clear to her charming French partner that she will unfortunately be unable to apply herself to the reform vision he has put forth. Vision, after all, has never been her strong suit.
(...).
She too is fully aware that the European currency union, which is in Germany's most fundamental interest, cannot be stabilized in the long term if the current situation - characterized by years of deepening divergence between the economies of Europe's north and south when it comes to national income, unemployment and sovereign debt - is allowed to persist. The specter of the "transfer union" blinds us to this destructive tendency. It can only be stopped if truly fair competition across national borders is established and political policies are implemented to slow down the ongoing erosion of solidarity between national populations and within individual countries. A mention of youth unemployment should serve as example enough.
Macron hasn't just drafted a vision, he specifically demands that the eurozone make progress on corporate tax rate convergence, he demands an effective financial transaction tax, the step-by-step convergence of the different social policy regimes, the establishment of a European trade prosecutor to ensure that the rules of international trade are adhered to, and much, much more.
(...)
It is this self-empowerment of European citizens that he means when speaking of "sovereignty." When it comes to identifying steps toward institutionalizing this newfound clout, Macron points to closer cooperation in the eurozone on the basis of a joint budget. The central and controversial proposal reads as follows: "A budget must be placed under the strong political guidance of a common minister and be subject to strict parliamentary control at (the) European level. Only the eurozone with a strong and international currency can provide Europe with the framework of a major economic power."
By demonstrating the pretense of applying political solutions to the problems facing our globalized society, Macron distinguishes himself like few others from the standard fare of chronically overwhelmed, opportunistic and conformist politicians that govern day after day with little in the way of inspiration. It's enough to make you rub your eyes: Is there really somebody out there who wants to change the status quo? Is there really someone with sufficient irrational courage to rebel against the fatalism of vassals who unthinkingly kowtow to the putatively coercive systemic imperatives of a global economic order embodied by remote international organizations?
(...).
More than anything, though, political parties agree that European issues are to be carefully avoided in national elections, unless, of course, domestic problems can be blamed on Brussels bureaucrats. But now, Macron wants to do away with this mauvaise foi. He already broke one taboo by placing the reform of the European Union at the heart of his election campaign and rode that message, only one year after Brexit - against "the sad passions of Europe," as he said - to victory.
That fact lends credibility to the oft-uttered trope about democracy being the essence of the European project, at least when Macron says it. I am not in a position to evaluate the implementation of the political reforms he has planned for France. We will have to wait and see if he is able to fulfill the "social-liberal" promise, that difficult balance between social justice and economic productivity. As a leftist, I'm no "Macronist," if there is such a thing. But the way he speaks about Europe makes a difference. He calls for understanding for the founding fathers, who established Europe without citizen input because, he says, they belonged to an enlightened avantgarde. But he now wants to transform the elite project into a citizens' project and is proposing reasonable steps toward democratic self-empowerment of European citizens against the national governments who stand in each other's way in the European Council.
As such, he isn't just demanding the introduction of a universal electoral law for the EU, but also the creation of trans-national party lists. That, after all, would fuel the growth of a European party system, without which the European Parliament will never become a place where societal interests, reaching across national borders, are collectively identified and addressed.
Vamos utilizar um pouco da Teoria do Jogo e prestar homenagem a Thomas Schelling.
Algumas hipóteses;
1. A Grécia recebe fundos adicionais, mas tem de continuar com as medidas de Austeridade - no dia seguinte dá-se um golpe de Estado, um regime de extrema-direita é instaurado e o país cai em conflito civil. Torna-se irrelevante se pertence ou não à zona Euro.
2. A Grécia não recebe mais fundos, cai em caos económico e social, e abandona o Euro - a Rússia aproveita a situação e encosta-se ainda mais ao país que abandona o Euro e a União Europeia.
3. A Grécia vê as suas demandas respondidas favoravelmente, e no dia seguinte Espanha, Portugal, Itália e Irlanda exigem semelhantes condições - em consequência dessa abertura de espírito financeiro, o Banco Central Europeu é obrigado a imprimir doses maciças adicionais de Euro que sofrerá o desgaste natural da inflação e mais tarde da hiperinflação. Ou seja, o Euro abandona-se a si mesmo.
4. Troika decide perdoar a dívida de todos os Estados-membro da União Europeia, deixando deste modo todo o espaço da zona Euro cair em depressão e desorganização monetária - facto esse que devalorizará o Euro a níveis de irrelevância, sendo que o investimento directo estrangeiro na União Europeia dispararia, mas a Europa efectivamente passaria a pertencer a entidades estrangeiras que substituiriam os centros de decisão política. Por outras palavras, o fim da União Europeia seria certo.
5. A Grécia aceita continuar com um regime de Austeridade parcial, mas os juros impostos sobre a dívida serão agravados. O país cai em conflito político, económico e social e o governo de Tsipras é obrigado a instaurar o recolher obrigatório e colocar militares na rua - ou seja, de regime libertário passa a regime repressivo, sem a ajuda da extrema-direita.
6. A Grécia abandona o Euro e a União Europeia e adopta um divisa que não será necessariamente a sua. Por exemplo, o dólar dos EUA, país esse que decide salvar os helénicos invertendo a lógica de aproximação à Rússia.
7. Devo continuar? Ou ficaram com uma ideia da complexidade da situação?...
Não é preciso ler a obra de Niall Ferguson - A Ascensão do Dinheiro -, para saber que os pressupostos do crédito estão a ser postos em causa no âmago da União Europeia (UE). Sem percorrer esse perigoso caminho das compensações históricas* que são devidas ou não, e que não pouparia nenhuma nação à face da terra, o que resultar do conflito que opõe a Grécia à Alemanha pode destravar por completo a já de si ténue relação entre dinheiro e Ética. Se vingar a tése do perdão, certamente que uma extensa fila de faltosos procurarão tratamento idêntico - situação essa contraditoriamente inexequível. O crédito (como quem diz a crença que os outros depositam em nós) precede a existência física de dinheiro - o bom nome é a divisa maior, mas apenas se valida através da sua extensão material. Se esse fundamento deontológico que se encontra por detrás da construção monetária das nossas sociedades falhar, como podemos esperar que não mine todo um sistema de transacções? Como podemos aceitar que a excepção à regra se venha a tornar a norma? São considerações desta natureza que podem corromper um dos valores mais importantes do acervo existencial humano: a confiança. Não pretendo com esta linha de argumentação libertar os credores do seu sentido de responsabilidade no contexto de um projecto europeu alegadamente inclusivo e nivelador de diferenças. Culpados? Sóis todos vós europeus por terem concebido um modelo sistémico deficiente. Em nome de uma grande "entidade económica europeia concorrencial" os visionários foram ambiciosamente incompetentes. Avançaram a causa dos negócios, mas omitiram a federação do espírito das nações. Esqueceram-se dos pilares de justiça e segurança social, e prescindiram de uma efectiva Política Externa e de Segurança Comum. A Grécia, assim como o conflito na Ucrânia, servem, de um modo cáustico, para expor as grandes lacunas da UE. Se os lideres europeus tiverem a visão e a ousadia requeridas, a grande reforma poderia ser posta em marcha na construção de uma nova ordem na Europa. Mas não é disso que se trata. Quer a Alemanha quer a Grécia estão a defender os respectivos interesses nacionais. Merkel e Tsipras estão, efectivamente, empatados: querem salvar a sua pele e pouco mais. A tal união - essa não passa do papel, da massa.
*Compensações históricas possíveis:
EUA ao Iraque, à Nicarágua e ao Afeganistão.
Portugal a Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde
França à Argélia e à Líbia
Etc a etc, etc e etc
Sem o incómodo da apreciação daquilo que é a chamada União Europeia e sem veicular qualquer pró ou contra esta existência de múltiplos cambiantes, aqui ficam alguns dos pontos mais importantes focados pelo ex-presidente da C.E.
1. A questão da situação portuguesa nas vésperas do resgate de 2011. Gostem ou não gostem os baladeiros das narrativas dominicais, a verdade era mesmo aquela que sabemos, ou seja, a da iminente bancarrota.
2. A clara assunção de Portugal não ter uma política europeia. A nosso ver, não tem porque não pode e intimamente ninguém a quer como exclusiva. Para isto decisivamente pesam outros relacionamentos plurisseculares e qualquer programa de estado-unificação continental, consiste numa negação daquilo que este país sempre foi e quis ser, posição esta consolidada pelo nosso alinhamento com a nossa antiga e agora, de forma decisiva, com os países da CPLP. A dualidade da política externa portuguesa deve ser para alguém como Durão barroso, uma constante que o próprio demonstrou como ministro dos negócios estrangeiros e mais tarde, como 1º ministro.
3. Angela Merkel.
Neste país demasiadamente habituado a chefes de governo que não liam dossiers e preferiam cantarolar o bem-bom e jogar na chicana politiqueira, alheando-se do profundo conhecimento dos verdadeiros assuntos do Estado - houve quem por isso mesmo tivesse chegado ao Palácio de Belém - , a Chanceler alemã surge sempre como uma oportuna válvula de escape da nossa incompetência e desleixo, mesmo recorrendo-se a intragáveis argumentos revolvidos naquelas décadas em que os nossos avós ainda eram muito jovens. Segundo Barroso, Merkel é mesmo a chefe de governo mais atenta aos problemas globais da Europa e aquela que tem uma visão para a União Europeia, concorde-se ou não com o modus operandi ou o projecto alemão. Mais ainda, D.B. diz algo que embora seja uma evidência diária, a quase todos escapa por mero oportunismo ou estupidez: a Alemanha cumpre o seu papel e tornou-se preponderante por mérito próprio e pela incapacidade, falta de organização e nula vontade dos demais parceiros europeus. Esta é a verdade. Se em vez de Soares, Cavaco, Sócrates e outros, tivéssemos beneficiado da frieza e capacidade de trabalho de uma Merkel caseira, a nossa situação seria bem diferente. Note-se que não sendo a Chanceler uma águia política comparável a Adenauer, Schmidt ou até Kohl, é sem dúvida muito eficaz no seu relacionamento com a França, Itália, Espanha e demais países componentes do grupo continental. Qual é então a dúvida?
4. Rússia.
Mesmo considerando o seu regime que nos surge como exótico no contexto para parte central e ocidental da península europeia, Putin é infinitamente mais benigno do que todos os caídos secretários-gerais que o PCUS arrogantemente exibia ao mundo como oráculos da única verdade plasmada no velho Pravda, essa verdadeira alucinação colectiva encarada como dogma de papel. O relacionamento com uma super-potência - estatuto que a Rússia jamais deixou de ter, apesar das ilusões cultivadas por muitos incautos e sad sweet dreamers com quem nos relacionamos em aliança - , será sempre um dos primordiais problemas da liderança europeia, seja ela a exercida pela Comissão ou aquilo que um dia lhe sucederá, ou pelo país em melhor situação para falar em nome da Europa.
Barroso disse algo que é muito importante, pois provem de alguém que não é suspeito de anti-atlantismo ou anti-americanismo. Não soubemos ou não quisemos aproveitar as oportunidades apresentadas pela fragorosa queda do Muro de Berlim e do regime soviético. Pelo contrário, a Rússia foi ostensivamente humilhada, alijada da sua legítima participação e consulta nos assuntos da grande política internacional. Hoje reduzida às fronteiras grosso modo correspondentes às do reinado de Pedro o Grande - quase coincidindo com as da capitulação em Brest-Litovsk -, já não é nem de longe o grande império de Nicolau II e muito menos ainda, a expansionista e agressiva União Soviética de todos os justificáveis medos. O ex-presidente da C.E. teve ainda a coragem de apontar o nome do principal responsável por esse catastrófico programa de rebaixamento de uma Rússia com quem, independentemente do regime ali vigente, imperiosamente teremos sempre de contar: nada mais nada menos, senão os Estados Unidos da América. Talvez agora os mais insistentes red-necks apostadores da política do tudo ou nada - ou por outras palavras, da guerra -, comecem a aperceber-se do verdadeiro perigo que esta política gizada além-Atlântico representa para a própria manutenção de uma NATO sem brechas.
Portugal teve grandes estadistas e outros que não passaram do anonimato que a sua mediocridade mereceu. Nem durante o descalabro da 1ª república, a Portugal foi servido um deplorável espectáculo como aquele a que desde há uns quatro dias temos assistido.
O que neste fim de semana tivemos foi algo de bastante diferente, inaudito. Um ex-chefe do governo que demonstrou a preto sobre papel branco, o baixíssimo nível de uma classe política que trouxe o país para uma situação inextricável. O ainda mais profundo acanalhamento da situação para a qual todos fomos empurrados, a ordinarice mais rasteira, as afirmações descerebradas e extremamente lesivas do interesse nacional na desesperada hora em que o país luta pela sua sobrevivência, desnudam um estado de coisas que todos há muito conhecemos e fingimos não existir. É esta uma canga colectiva, a tal schuldig que nos é apontada além-fronteiras.
Na política, a maledicência faz parte do jogo, não há como fugir-lhe. O que no âmbito da partidocracia portuguesa se zurra entre antigos ou actuais chefes de partido, não passa de fait-divers, de ajustes de contas sem consequências de maior.
No entanto, este é um caso diferente, vimos, ouvimos e lemos.
O nosso principal parceiro europeu é, por muitas e variadas razões, a Alemanha. Foi este o caminho que o actual regime escolheu, resvalando para opções contraditórias com a nossa tradicional posição no mundo. Não será necessário explicarmos a razão para tal afirmação, pois todos a conhecem.
Tudo isto a que temos assistido é anormal, indecente. A reles, a vergonhosa tirada em relação ao ministro Schäuble e pior ainda, a tentativa de provocar uma quezília entre este e a Chanceler, definem a grotesca personagem a quem à boca pequena se apontam caricatos episódios a que jamais demos demasiado crédito.
A partir deste momento, tudo aquilo que dele se tem dito parece cada vez mais, não apenas uma possibilidade ou fantasiosas alegações, mas infalíveis certezas. Este obcecado homem vive cheio de si mesmo, engendrando estranhos Casos Gleiwitz a torto e a direito.
O comunicado emitido por Berlim, coloca a histriónica criatura no devido lugar: na sarjeta.
Ontem era dia de "regresso aos mercados". Não foi. Ao invés, recebemos da boca do administrador-delegado da Troika a promessa de um 2º resgate. Do Gabinete do Primeiro-Ministro nada se ouviu. O país regressou à "normalidade".
Se fosse obrigado a retratar Portugal neste momento da sua história, diria que "não está com muito boa cara". Um conjunto de consequências nefastas irá atormentar Portugal nos próximos tempos. O problema é que essa noção cronológica faz cair por terra datas mágicas anunciadas pelos bruxos do mercado - dias de regresso ou dias de partida. O botão da bomba atómica, que o Presidente da República recusa accionar, também já não serve de grande coisa. O mal já está feito, o efeito de sopro da austeridade já fez a razia que se conhece. Portugal encontra-se em quarentena política, afastado das grandes decisões, mas expectante que uma supernova possa desencalhar a situação - entramos no domínio do desespero, da fé, da religião - do acreditar sem fundamento válido (Por que raio haveria a Merkel de inverter o sentido dos ponteiros?). Os mercados, pertença de todos e de ninguém, fecharam as portas do financiamento, seja qual for o intervalo das necessidades - a 5 ou a 10 anos. A suave euro-deputada socialista Elisa Ferreira, com ligação directa ao Rato, pode cantar baixinho a melodia encomendada por Seguro, mas a flexibilização das metas do défice está fora de questão - Draghi já disse que Portugal pode tirar o cavaquinho da chuva. Ao mesmo tempo Merkel inscreveu na sua agenda como primeira prioridade a limpeza da ameaça portuguesa e o Standard & Poor´s encara uma avaliação ainda mais negativa de Portugal. Depois há umas naturezas mortas que não adicionam nem acrescentam nada ao drama real de Portugal - as autárquicas, descartáveis e, longe da urgência de redesenho de uma grande estratégia para Portugal. As autarquias com a sua grande quota de responsabilidade pela demise nacional, são ao mesmo tempo a causa e a consequência, e não têm papel na reinvenção de um sistema - são o sistema. As diversas campanhas são uma espécie de serviços mínimos de política, da democracia, fazendo uso dos mais baixos padrões de retórica e dando voz a pseudo-argumentos. Há ainda outros elementos de decoração que servem para colorir a negro a catástrofe ética e financeira, mas que não têm influência nos caminhos imediatos de Portugal. O sistema imunitário dos portugueses deixou de rejeitar de um modo visceral casos do tipo Machete. Os cidadãos começam a aceitar que no DNA nacional estes casos sejam recorrentes, e mesmo sendo de natureza poluente, nada com consequências substantivas será feito para repor o equilíbrio de valores - os tribunais, constitucionais ou não, já se viu que servem para umas coisas e para outras não. O ministro dos negócios estrangeiros continuará os seus afazeres sem ser incomodado, porque tudo depende de uma mera imprecisão factual, descartável à meia-volta. Face a esta panóplia de ocasos não é descabido começar a vislumbrar vida em Portugal ao sabor de um segundo resgate. A segunda linha de oxigênio já se avista da cumeada, por entre o nevoeiro de políticas falhadas. Na minha opinião, penso que não vale a pena andar a fingir que a coisa se está a endireitar. Chegou a hora de gritar bem alto em nome da aflição de milhões de portugueses ainda equivocados pelas notícias de ocasião. Venha de lá esse segundo resgate. Acabe-se com esta farsa.
A nota dominante da vitória de Merkel (ou Angie, para os recém-convertidos à fé merkeliana) é, sem dúvida alguma, o facto de as classes médias teutónicas, que vivem do trabalho e do livre empreendimento, terem sancionado o trabalho desenvolvido, nos últimos anos, pela flamante chanceler. Contrariando os ventos predominantes noutras paragens europeias, os alemães premiaram a evolução na continuidade. Nada que, no fundo, surpreenda. O povo alemão sempre prezou o rigor, a competência e o trabalho, e Merkel, cumprindo à risca o que prometeu ao seu eleitorado, conseguiu, numa campanha eleitoral curta e objectiva, reunir esses sentimentos fundos a um programa ideologicamente flexível. Ganhou a Alemanha e, diga-se a abono da verdade, ganharam, também, os restantes povos europeus. Quanto a Portugal, os resultados eleitorais devem ser lidos do seguinte modo: o programa de resgate é para continuar e, note-se, para aprofundar. Para quem ansiava por uma espécie de "degelo" nas relações Norte-Sul, a vitória de Merkel representou um profundo baque, pondo entre parênteses os anseios controladeiros da malta que vive do saque do contribuinte. Nessa medida, a banda esquerda do regime sofreu uma derrota insofismável. No tocante ao Governo, a interpretação anterior deve ser matizada. O executivo, atento o pensamento de Merkel e quejandos, não terá, doravante, outro remédio a não ser reforçar amplamente o seu empenho na correcção da trajectória de decadência trilhada pelos executivos anteriores. O compulsivo lema do "viver acima das suas possibilidades" findou de vez, pelo que a política portuguesa, no que tem de mais negativamente arraigado, terá, forçosamente, de mudar de vida. Porque, ao inverso do que agoiravam certas aves raras, os taumaturgos políticos não existem, ou, pelo menos, não existem de fora para dentro, impondo soluções miraculosas ao povo ignaro. Resta-nos, pois, trabalhar, esperando que, no futuro, venham melhores dias.
Publicado aqui.
Considerando que se trata da Alemanha, não pode deixar de ser um pouco surpreendente que um único partido obtenha maioria absoluta, embora já se adivinhasse que Merkel sairia reforçada internamente em virtude da política de austeridade estendida por esta Europa fora, que é possivelmente o sinal mais claro do domínio alemão sobre a União Europeia. Mas verdadeiramente surpreendente é ouvir Martim Cabral dizer que Merkel não tem política externa, para uns minutos depois afirmar que é ela que manda na Europa. São uns ases, certos comentadores da nossa praça.
As campanhas autárquicas aí estão em toda a sua força e esplendor. O surrealismo dada, dado, oferecido nos outdoors, de norte a sul do país reflecte uma constatação mais profunda - o modo artesanal como a política é exercida em Portugal. As agências de comunicação especialmente concebidas para criar as mensagens políticas acertadas são inexistentes, ou existem apenas para as cúpulas. Por outras palavras, significa que os partidos políticos não estão interessados em disponibilizar os seus meios numa base equitativa e coerente, de Coina a Manguito de Baixo. Mesmo as campanhas dos grandes como Costa, Seara ou Menezes estão pejadas de absurdidades e frases feitas a martelo - "Estacionamento gratuíto para residentes em toda a cidade" (atenção, será que a frase é mentirosa ou é apenas um encadeamento de palavras com sentido variado, caro Seara?). Significa que um residente de Benfica pode estacionar em Campo de Ourique à borliu? Não me parece, mas é o que diz o slogan de ocasião. O tutti-frutti de cores e gostos políticos duvidosos revela o falhanço cultural do país - a incapacidade de se rever de um modo crítico, com sobriedade e inteligência. A soma de todos os disparates que avistamos em cartaz, nas rotundas ou à entrada dos pueblos, nada trará a um país carente de uma solução integrada. A explosão de democracia, cujos estilhaços são agarrados por uma corja de desesperados políticos, apenas serve para diluir uma grande estratégia nacional. A Esquerda ou a Direita há muito que deixaram de existir, mas continuam a servir de poleiro para extravagâncias e reinvindicações furadas. O folclore das autárquicas não é apenas visual. Os chefes estão a perder as suas vozes e não apenas no sentido literal. Os argumentos são gastos, reciclados e pouco credíveis. Seguro e Semedo (a que se seguirão outros mais resguardados das correntes de ar) não aprenderam a colocar a voz. São cantores espontâneos, amadores que descuram detalhes e ignoram a técnica. É tudo feito às três pancadas e por isso não têm pernas para andar. Andam por aí, a fazer quilómetros em vão, porque os dados já foram lançados. Há eleições no domingo e essas não levam em consideração os arraiais de feira e os jantares-convívio. Seja qual for a expressão da vitória da Merkel, a Alemanha poderá retomar a política virada para o exterior. Durante os últimos meses, a chanceler alemã teve de demonstrar perante os seus eleitores que o seu "core-business" é germânico, mas com a sua reeleição, a política das periferias voltará a fazer parte da sua agenda de um modo intenso, com a Grécia à cabeça da lista das suas preocupações. A austeridade dos outros será um dos lemas despejados com a mesma intensidade de outros ciclos. Tempos difíceis avizinham-se para a Europa, porque o preço a pagar não será realizado integralmente pela centralidade, pelo norte. As agências de comunicação política na Alemanha sabem o que estão a fazer, mas isso é um factor que em nada ajuda Portugal. Pode parecer que a festa autárquica se encontra nos antípodas do que se passa na Alemanha, como se a dança de cadeiras acontecesse num mundo à parte e não tivesse importância. Mas não é bem assim, está tudo encadeado e interdependente. E nada disso está presente na consciência política de candidatos à freguesia ou repetentes de câmara. Os seus slogans políticos ficam-se pelos limites de um conselho pouco sábio. Tudo isto é fado, tudo isto é tão triste.
Nous te voulons!
A Chanceler deixou de ser o alvo na carreira de tiro dos desesperados. Se em Portugal temos o sempre sintomático Mário Soares a assestar baterias contra Barroso, isso apenas consiste num reflexo do que se passa na sua "pátria de eleição", a França. Para onde quer que olhemos, o resultado da acção de Hollande não é de molde a agradar até aos seus mais ferrenhos aliados. Politicamente, o ocaso francês é patente, avassalador, confirmando plenamente aquilo que há muito se sabia e que Sarkozy procurava disfarçar. Em termos internos, o descalabro é total, desde as questões de segurança interna, até à catástrofe financeira que a maioria dos europeus prefere ignorar, tal é o pavor por aquilo que poderá acontecer.
Há um quarto de século, Mitterrand escancarou as portas da Assembleia Nacional a uma enxurrada de deputados da Frente Nacional de Le Pen. Justamente argumentava com um sistema eleitoral mais consentâneo com a realidade da vontade dos franceses, pois o artifício das duas voltas roçava a farsa, sendo esta deliberadamente assumida pelos defensores do status quo. Num só golpe julgava poder dividir a chamada "direita clássica", não contando com a fuga maciça de comunistas para as hostes da FN. Mitterrand esqueceu-se das suas próprias origens, esqueceu-se de Jacques Doriot e de um passado não muito distante. Mais tarde, o aflito regresso ao velho sistema de eleição, o tal "dique republicano", pressupôs a distorção da representação, daí o estupor de numerosos eleitores que a par da crise económica e financeira, da crise de identidade - em França, Mohamed é hoje o nome mais comum no registo de recém-nascidos - e da cegueira daquilo que se convencionou ser o "politicamente correcto", inauguraria um irreversível caminho para a desordem e subversão do estado de coisas até hoje julgado eterno. Embora esta pareça ser uma hipótese ainda distante, há que considerar a futura presença de uma enorme representação da FN no parlamento francês, pois o sistema eleitoral que lhe tem impedido o acesso aos lugares conquistados pelo voto, poderá muito bem servir para um dia lhe garantir uma maioria. A questão será adivinhar até quando funcionará o voto útil.
Apesar de todo o seu manobrismo e fácil adaptação às situações que mais lhe convêm, Barroso foi e é útil a Portugal, disso não haja qualquer tipo de dúvida. O actual regime fez a sua escolha e pendeu fortemente para o continentalismo europeu, em detrimento daquilo que seria mais desejável e que agora a todos salta à vista. É Barroso o homem dos americanos? Muito provavelmente assim é, e a sua nomeação para a Comissão Europeia a isso se terá devido. Mas não será este equilíbrio entre Europa e América, aquele que mais interessa à segurança europeia? Há legados que são incontornáveis, pois Barroso provém de um país inegavelmente atlantista e historicamente aliado da potência marítima dominante. Neste posicionamento Barroso não estará só, apesar de todas as reticências que os deputados britânicos lhe colocam devido à sua condição de cabeça da Comissão. Quanto ao "mundialismo e a globalização", Barroso nada mais faz, senão confirmar aquilo que a esquerda europeia durante tantas décadas pregou. Um mundo idílico e de iguais, exigia essa quebra de barreiras comerciais de que a Europa era talvez o expoente máximo. Durante demasiado tempo escutámos a nossa esquerda ditar sentenças acerca da situação de chineses, indianos, africanos e de uma infinidade de povos submetidos à exploração que a nossa PAC e as pautas aduaneiras impunham como armas de privilégio para o velho mundo. O capitalismo internacional caiu na tentação do lucro fácil e ao mesmo tempo que retirava da miséria dezenas de milhões na China e na Índia, destruía a tradicional base do poder europeu e americano. Ao contrário daquilo que o desesperado Hollande alega, foi a esquerda europeia quem pugnou por essa abertura sem peias, sem aquelas necessárias precauções que garantissem a não-colaboração com os sistema de trabalho escravo, as tais situações de desigualdade com as quais a Europa do Estado Social não pode nem deve competir. Internamente, essas "aberturas" trouxeram o terceiro-mundo para as nossas periferias e o nosso sector progressista deu-se ao excelso artifício de criar um sector capitalista e empresarial que lhe é afecto e que sem a esquerda no poder, não pode medrar. Ofendendo as tais tradições pelas quais hoje ironicamente reclama, a esquerda empurrou para a extrema-direita uma até há pouco impensável quantidade de eleitores irritados pelo sistema do duplo critério, da manipulação da democracia eleitoral, da cedência perante aquilo - a islamização, há que afirmá-lo sem rodeios - que liminarmente todos rejeitam.
A culpa é dos americanos, é de Barroso, dos ingleses e um dia destes, dos seus eternos aliados portugueses. Isto é afirmado por quem ainda não reparou que à sua volta existe uma sociedade razoavelmente americanizada. Das Levi's e t-shirts que "fizeram o Maio 68", até à música, inovações tecnológicas e correspondente língua dominante, cinema e ao horrendo fast-food, de tudo isso a esquerda se serviu para se impor como "diferente". Atacar os americanos por causa da "diversidade cultural", é de facto insólito. A esquerda é hoje quem mais brada pelo regresso ao consumo e à despesa, imagem de marca Made in USA, confirmando assim que Marx está enterrado em Londres, a múmia de Lenine é atacada por fungos e os seguidores de Trostky não passam de picaretas falantes. Mas do que estavam à espera?
1. "O povo em primeiro", "mundialização selvagem", "... afunda-se na Europa tenebrosa do ultra-liberalismo e da austeridade e os povos europeus igualmente".
Será um discurso do chefe Jerónimo? Não é. Serão desabafos do camarada Arménio? Da Cãncia? Não. Do Oliveira, Soares, Louçã, Sampaio, ou do Sócrates? Nem pensar.
São palavras de Marinne Le Pen e segundo a própria, a aglutinadora de 40% dos votos do operariado francês. A banlieu ex-PCF, passou-se de armas e bagagens para a FN.
2. Há uns anos, era a feliz chegada de Obama que vinha arrumar a casota mundial. Há um ano foi Hollande e esgotado o filão, eis que surge agora o sr. Letta - não, não é primo da minha prima Leta - como potencial campeão libertador dos falidos. Dentro de dois ou três meses, talvez invistam no já "garantido sucessor SPD" de Merkel, enquanto por cá se vão segurando com o que há. Esperar é preciso.
Viriato Soromenho Marques, "O Estado social da Europa de Merkel":
«Até o chanceler Bismarck, conservador e antissocialista, teria vergonha desta "Europa alemã", baseada na criação da discórdia e da inveja entre os europeus, com base na desinformação, promovendo o aumento da pobreza e a concentração da riqueza dentro de cada país da Zona Euro. Bismarck, muito pelo contrário, foi o pioneiro do Estado social moderno com as suas leis de 1883 (seguros de saúde), de 1884 (seguro de acidentes de trabalho) e de 1889 (seguro de velhice e invalidez). Schröder iniciou o desmantelamento dessa herança de uma política de responsabilidade social do Estado, iniciada por Bismarck. Merkel, por seu turno, pretende agora levar essa política ativa de desigualdade social ao maior número possível de países europeus. Os europeus não se devem deixar enganar. A ameaça para a paz e a prosperidade europeias não está no lado de lá das fronteiras. O perigo vem de dentro. Das elites incompetentes e egoístas - e dos burocratas que as servem cegamente, como o ministro português Gaspar - que a degradação das nossas democracias representativas segregou como uma perigosa doença. Os que querem destruir a herança de Bismarck arriscam-se a despertar, na Europa inteira, o fantasma de um marxismo de legítima defesa.»
De acordo com fontes comunitárias da AFP, o acordo que o Governo cipriota está a fazer com a 'troika' implica o congelamento e provável, chamemos-lhe, roubo de 40% de todos os depósitos do Banco do Chipre - o maior da ilha - acima dos 100 mil euros.
Entretanto, já há notícias de bombas a explodir num balcão desse mesmo banco.
40%? Em depósitos? Sob o argumento que o dinheiro vem de riquezas russas e ucranianas? Isso é mais que roubo e abuso de poder. Isto é um ataque à Constituição Cipriota, aos valores da União Europeia e, mais grave que tudo, um pontapé na dignidade dos países que - como Portugal - sofrem da necessidade de intervenção estrangeira. Até aqui, tentei não cair no populismo de acusar a Alemanha de um plano conspirador de controlar a Europa. Mas face a alguns indicadores como este, percebe-se que o povo germânico é o que está a lucrar mais com a crise. Com desemprego na ordem dos 5% e com uma estratégia completamente contrária à austeridade, Merkel vê a Alemanha a crescer cada vez mais enquanto países, potencialmente concorrentes, como França ou Inglaterra não conseguem acompanhar o ritmo económico.
O caso do Chipre deveria ser usado para provar os malefícios do projecto europeu que não conseguiu impor-se face à ganância alemã. O projecto europeu que se baseava na solidariedade entre estados do mesmo continente morreu. E isto, mais que triste, é perigoso. A História provou que uma Europa sem um fio condutor pacífico como a União Europeia (pelo menos até desenvolvimentos recentes) não se consegue manter pacífica.
A União Europeia, tal como a conhecemos e elogiamos, morreu. O projecto federalista não conseguiu sair da gaveta. A Alemanha tentou e conseguiu subjugar a Europa. Finalmente, diga-se. No entanto, ainda vale uma coisa. Os tempos mudaram. A política mudou. Já não há ditaduras por essa hora fora. Hoje, o projecto europeu depende dos eleitores alemães e da recusa de todos os outros países, pela democracia. De qualquer maneira, daqui para a frente, não vai ser nada bonito o que nos preparamos para assistir.
Seguem-se tempos negros.
Nada me move contra Angela Merkel. Aliás, aproveito para dizer que a figura da grande líder teutónica me merece alguma simpatia. No entanto, e como nada na vida é perfeito, o Governo germânico, liderado magistralmente por Frau Angela, resolveu aderir à moda Hollande, isto é disparar atoardas a torto e a direito à espera de que um dia, não muito longínquo, algo mude. Mas, a realidade é bem mais complexa. A desorientação que paira no Governo alemão a propósito do resgate grego é particularmente sintomática. Decide-se tudo às arrecuas, até ao dia em que a bolha rebentar de vez. Reparem nesta sucessão de eventos: são acordadas, finalmente, um conjunto de regras relativas às novas condições de financiamento atribuídas à Grécias, mas, logo a seguir, num momento à John Wayne, o ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, anuncia sem o menor rebuço que essas condições só se aplicarão à Grécia. Não sei se os leitores estarão a vislumbrar a dimensão da boutade proferida pelo senhor Schäuble, contudo, uma leitura fria destas declarações ajudará a desnudar a enormidade daquilo que o Governo alemão pretende fazer. Ou seja, o que os nossos amicíssimos confrades alemães querem fazer é, basicamente, impor uma dualidade de critérios que, mais dia menos dia, rebentará em estilhaços o tão apregoado projecto europeu. Ademais, haverá alguém - sim, com esta loucura toda é bem possível que haja - que acredite que critérios diferentes para situações iguais serão totalmente aceites pelos restantes países periféricos? Desgoverna-se ao sabor das sondagens, dos tablóides e dos estados de ânimo de um eleitorado irritado, em suma, destroem-se laços de solidariedade que, muito dificilmente, voltarão a ser recobrados. Das duas, uma. Ou se aplicam as mesmas regras a todos, ou, então, é preferível deixar de chamar união a algo que é uma desunião. A desunião do egoísmo.