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Algumas breves notas numa réplica 2 em 1 ao Corcunda:
1 – O individualismo metodológico está relacionado com o subjectivismo e partindo da área económica que postula a teoria subjectiva de valor, obviamente compreende que aos homens assiste a capacidade de conferir valor. Além do mais, o individualismo metodológico tem diversas correntes, as quais, genericamente, conforme sintetiza Kenneth Arrow, partem do pressuposto que todas as explicações devem ser feitas tendo como variável determinante as acções e reacções dos indivíduos, cuja interacção produz resultados que determinam, por exemplo, o funcionamento da economia e a alocação de recursos. O que não significa, portanto, que o individualismo metodológico descure as instituições, até porque entre as várias correntes deste existe precisamente uma fundamentada inicialmente por Popper e complementada posteriormente por Joseph Agassi que é o individualismo institucional. Eu nunca afirmei que os homens são desligados das instituições, apenas que estes são os únicos que verdadeiramente têm personalidade e capacidade de raciocínio moral.
2 – Também não disse que esse erro metodológico, de tomar a parte pelo todo, ou seja, realizar uma inferência cientificamente falsa, significava que se um padre fosse pedófilo, toda a Igreja seria. O que disse é que não se pode precisamente afirmar isso, pois é falso. Mas também é certo que se pode afirmar que há padres pedófilos. O que não faz com que todos sejam. O mesmo é dizer que, perante o caso com que nos deparamos na sociedade portuguesa, há maçons que alegadamente terão incorrido em práticas ilegais, o que não significa que outros maçons o tenham feito. Ademais, quanto a estas práticas, cabe ao Estado de Direito, nomeadamente ao Ministério Público, investigá-las e, caso se comprovem, condená-las. Porque nenhum indivíduo pode estar acima do Estado de Direito, muito menos os que são maçons, pois a tradição maçónica contribuiu precisamente para a criação, fundamentação e implementação do Estado de Direito.
3 – É errado dizer que a maçonaria se fundamenta na compreensão do Universo não-revelada, sem Graça. Isso acontece eventualmente na irregular, como pode não acontecer, visto que não é obrigatório. Já a maçonaria anglo-saxónica, regular, não só se fundamenta como obriga a que os maçons tenham uma religião revelada.
4 – Quanto ao resto, remeto para o artigo de Fernando Pessoa que já referi, salientando aqui apenas isto:
«(…) toda a Maçonaria gira, porém, em torno de uma só ideia - a tolerância; isto é, o não impor a alguém dogma nenhum, deixando-o pensar como entender. Por isso a Maçonaria não tem uma doutrina. Tudo quanto se chama "doutrina maçónica" são opiniões individuais de maçons, quer sobre a Ordem em si mesma, quer sobre as suas relações com o mundo profano. São diversíssimas: vão desde o panteísmo naturalista de Oswald Wirth até ao misticismo cristão de Athur Edward Waite, ambos eles tentando converter em doutrina o espírito da Ordem. As suas afirmações, porém, são simplesmente suas; a Maçonaria nada tem com elas. Ora o primeiro erro dos antimaçons consiste em tentar definir o espírito maçónico em geral pelas afirmações de maçons particulares, escolhidas ordinariamente com grande má-fé. O segundo erro dos antimaçons consiste em não querer ver que a Maçonaria, unida espiritualmente, está materialmente dividida, como já expliquei. A sua acção social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em função das circunstâncias do meio e da época, que afectam a Maçonaria como afectam toda a gente. A sua acção social varia, dentro do mesmo país, de Obediência para Obediência, onde houver mais que uma, em virtude de divergências doutrinárias - as que provocaram a formação dessas Obediências distintas, pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue de aqui que nenhum acto político ocasional de nenhuma Obediência pode ser levado à conta da Maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode porvir, como em geral provém, de circunstâncias políticas de momento, que a Maçonaria não criou.»
Em tempos o Cardeal Manning afirmou que "todas as diferenças de opinião são teológicas no fundo". Eu arrisco-me a dizer que todas as diferenças de opinião são também epistemológicas e metodológicas, pelo que importa sempre religare, ou seja, voltar ao início, para perceber e validar qualquer construção teórica e conclusões posteriores. Não é possível passar da doxa para a episteme quando nos deixamos enredar em manuais de pronto-a-vestir ideológico, servidos como verdades absolutas, sem procurarmos saber quais as bases epistemológicas e metodológicas destes. Compreender isto é a chave para tornar o debate público em qualquer sociedade aberta minimamente racional e inteligível, diminuindo as possibilidades de acrimónia exagerada e expurgando o ruído de que normalmente enferma, que, na política, são essencialmente o resultado da hemiplegia moral de ser de esquerda ou de direita.