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Qual a relação de parentesco entre Mario Draghi e António Costa? Provavelmente, best friends forever. Embora não exista uma correlação linear entre as decisões tomadas no âmbito do Banco Central Europeu (BCE) e a gestão do novo governo de Portugal, poderemos genericamente estabelecer as afinidades no quadro de uma visão macro-económica. O BCE prometeu ontem continuar a sua política de injecção de liquidez nas economias da zona euro, mas isso não é necessariamente um bom indicador. Significa que as economias de alguns estados-membro da União Europeia não se aguentam em pé sem a ajuda de uma bengala. Os mercados reflectiram esse facto de diversos modos. O Euro valorizou-se face ao USD - o que em última instância afecta as exportações da zona euro -, e os principais índices bolsistas da Europa registaram algum mal-estar com quedas acentuadas em todas as praças bolsistas. Quando o governo de António Costa afirma que está a virar a página da política nacional, deve estar a pensar num pequeno caderno de notas, num livro com um título questionável: programa de governo de um governo sem membros de governo provenientes do Partido Comunista (PCP) ou do Bloco de Esquerda (BE). Mas faz algum sentido que assim seja, embora paradoxalmente. A aversão aos mercados, dos partidos radicais de Esquerda, é notória. Contudo, é precisamente nessa arena de alta finança, especulativa ou não, de financiamento público ou de emissão de títulos de dívida que o jogo se faz. Não entendo e não aceito, em nome da democracia genuinamente representativa, e depois de tanto frenesim em torno da legitimidade parlamentar, que o governo de Portugal não integre ministros do PCP e do BE. Esta solução colide com a natureza conceptual dos partidos políticos - a ascensão ao poder e o seu pleno exercício. Por outras palavras, estes factos corroboram o seguinte. O PCP e o BE sabem, embora não o admitam, que qualquer governo em funções fica efectivamente refém dos mercados. Nessa medida, se o PCP e o BE tivessem ministros em funções, esses partidos ficariam definitivamente marcados pela contradição, pela colisão das práticas com a sua disciplina ideológica. Embora António Costa queira soprar a ideia de um tempo novo, sabemos que isso não passa de palavras de ocasião, do lirismo que acompanha o entusiasmo da decepção. Quem governa Portugal efectivamente não é nenhum dos elencados, ou aqueles deixados na bancada a rejeitar moções de rejeição. São forças maiores que ditarão o rumo de Portugal. A amizade tem limites. E os governos de conveniência também.
A Helena Sacadura Cabral recorda aqui um pormenor importantíssimo, que, pelos vistos, foi totalmente riscado do mapa por alguns dos protagonistas séniores da governação. De facto, eu, à semelhança da Helena, julgava que um ministro tem como função precípua definir políticas e acções na área de que foi investido das maiores e mais pesadas responsabilidades. Enganei-me. Nuno Crato, a título meramente exemplificativo, tem-se esforçado de todas as formas e feitios por demonstrar cabalmente aos portugueses que esta conceptualização do papel do ministro é um tremendo desatino. Crato, devido, talvez, à sua formação maoísta, entende o magistério governativo como uma negociação permanente sobre regalias e privilégios, em que o ministro faz a figura de urso, e os sindicatos colhem o aplauso dos prebostes corporativos. A coisa tem, em rigor, a sua lógica. No fundo, o que está em causa é apenas e tão-só o medo de governar, o receio incomensurável de arrostar os que mais podem. Num governante, como todos sabem, o medo é o início da derrocada, e Crato já teria, há muito, retornado às bancas da Universidade, se o primeiro-ministro fosse um político experimentado e prudente. O problema é que, nos dias que correm, Portugal é liderado por gente com medo, por políticos desaustinados e receosos, e, last but not the least por um partido cujo único sobressalto cívico foi o facto de um secretário de Estado ter sido apodado de alemão pelos periódicos gregos. É bom de ver que assim não iremos a lado algum. Porém, e como não há impossíveis, vamos esperar que o bom senso regresse ao cérebro dos estrategas passistas. Nunca é tarde para debelar o medo, Roosevelt que o diga.
O quanto me custa dizer o que se segue, mas a verdade é que ainda não consegui compreender o que levou o ministro da economia, o Dr. António Pires de Lima, pelo qual tenho um grande apreço, diga-se de passagem, a franquear as portas do Ministério da Economia a meia dúzia de alimárias falantes. Mais: ainda não entendi, e, pelo andar da carruagem, jamais entenderei, o porquê de alguns ministros marcarem reuniões de trabalho com indivíduos que actuam à margem da legalidade democrática. O que, ontem, sucedeu em alguns ministérios é, sem quaisquer pruridos na qualificação dos actos em questão, um atentado ao Estado democrático. Não há ses nem mas, o que se passou é, pura e simplesmente, um ataque, claro e determinado, aos fundamentos basilares da legalidade democrática. É por isso que, atendendo até ao passado do Dr. Pires de Lima, e ao bom senso que lhe é característico, não consigo percepcionar a razão pela qual os depredadores da ordem pública obtiveram a boa graça de serem recebidos pelas autoridades políticas do Estado. Espero, muito francamente, que esta facilidade de trato não passe de uma sezão passageira, para bem de todos nós.