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Dizia um conhecido colunista italiano que a Itália é pior do que o Terceiro Mundo. A avaliação é, em si, de uma clareza à prova de bala. A verdade é que desde a unificação política, lograda no século XIX, a Itália foi amiúde incapaz de organizar um modelo de Estado que suprisse, com suficiência, os problemas políticos de uma comunidade, por norma, frágil e quebradiça. Um tormento que, volvidos tantos anos, continua a dar sinais de não esmorecer. A semana que passou foi, a esse título, um boníssimo exemplo da sobredita maleita. Para não variar, os italianos ficaram, pela enésima vez, sem Governo. A coisa explica-se em pouquíssimas palavras: o Governo em exercício de funções não comprazia os egos ambiciosos dos seus chefes de fila. Cumprindo a vetusta tradição de uma República já velha, a partidocracia empurrou para fora de campo um primeiro-ministro que, inábil e pouco talentoso, só teve tempo para afirmar que se "alguém quer o meu lugar, que o diga". A frase resume o teatro de marionetas vigente em terras mazzinianas. Sai Letta, acoimado de incapaz pelos seus correligionários, e entra Renzi, que só vê poder, imagem e dinheiro à frente da sua jovial carantonha. A lógica é simples e paradigmática: ou o Governo serve os interesses da partidocracia, distribuindo as costumeiras prebendas aos comensais de sempre, ou, então, a porta será, novamente, a serventia da casa. Entretanto, no meio deste festival de egos ensoberbecidos, a economia italiana, presa de múltiplas insuficiências, não ata nem desata. E é aqui, neste quesito em particular, que a situação tenderá a complicar-se. É que o euro, não obstante a hegemonia tangencial exercida pelos teutónicos, é um assunto ainda por deslindar. Tanto é que a recente euforia em torno de uma suposta recuperação da economia europeia - que tem, de facto, alguma verdade - pode cair facilmente por terra com a emergência, em qualquer lado, de um "cisne negro" que tombe de vez a frágil arquitectura da moeda única. Uma confusão pespegada, portanto. No fundo, o que a questão italiana tem revelado à saciedade é que o país dos De Gasperi e dos Berlinguer retrocedeu a um estado de infância ininteligente, no qual não há realidade alguma que sobrepuje os calculismos de ocasião. Pensar que há algumas décadas atrás a Itália possuía um Partido Comunista que era, contra todos os prognósticos, capaz de dialogar e pactuar com a direita democrata-cristã, e que, hoje, volvidos alguns anos, o centro-esquerda e o centro-direita vivem em arrufos constantes, faz-nos pensar até que ponto a política italiana se tornou numa imensa ironia. Uma ironia em que o maior perdedor é, como não poderia deixar de ser, o cidadão comum.
Já dei o meu parco contributo para este debate, e, não obstante a emergência de alguns sinais positivos na economia do país, não mudei, globalmente, de opinião. Continuo a crer que o euro, tal como está desenhado, não dispõe de qualquer futuro. A teoria dos ajustamentos contraccionistas possui alguma viabilidade empírica, contudo, penso, e sei que não sou, felizmente, o único, que uma determinada economia, sem moeda própria, e, ainda por cima sujeita a uma fortíssima carga fiscal, terá, por força das dificuldades atrás asseveradas, fortes entraves em recobrar os mecanismos indispensáveis ao crescimento. Ademais, não há, como todos sabem, uma Treasury que centralize a política fiscal para todos os estados-membros, assim como, um poder representativo, democraticamente sufragado pela cidadania da União, que reúna num todo nacional os povos europeus. Por outras palavras, não há uma nação europeia, não há um estado europeu, não há, em suma, uma comunidade, equitativamente construída, de cidadãos que se reconheçam nos mesmo símbolos e axiomas, e que tenham uma identidade comum. E mesmo que fosse possível furar esta barreira pejada de sentimentos díspares, o euro estaria sempre firmado em alicerces muito dúbios. Sem um "no taxation without representation" a nível europeu, isto é, sem um processo constituinte, que seria, forçosamente, imposto de cima para baixo, falar num euro com futuro é uma óbvia e dolorosa contradição nos termos. É por isso que, descontado o efeito positivo que as boas notícias sobre a economia têm produzido em muita gente, incluindo na minha céptica pessoa, não acredito que este euro, que, desde o espoletar da crise, tem sido sujeito a lutas intensas pelo seu controlo entre um Norte espartano e protestante, e um Sul católico e festivo, esteja a salvo de um fim pouco edificante. A questão que se colocará doravante será, sobremodo, a seguinte: como reconstruir o poderio financeiro numa Europa a várias velocidades, sem um centro política, económica, e militarmente bem definido? É aqui, neste terreno minado, que algumas das propostas que se vão lendo na imprensa internacional poderão ter o seu cabimento, ainda que sem grandes expectativas. Quanto a Portugal, a solução é esperar que o vendaval passe, fazendo os trabalhos de casa. O ideal seria, em boa verdade, que quem decide repensasse a estratégia nacional, atlantizando o indispensável, e renacionalizando o inevitável. Em suma, um programa que regenere o Estado e a República, moderando o embrutecimento económico e financeiro de 39 anos de democracia mal cultivada. Porque, mais do que um euro mal esgaravatado, o grande problema do país é a Política. E o euro, neste campeonato, é, no fundo, o melhor pretexto para lampedusianamente manter tudo como está, mudando apenas o acessório. Talvez me engane, mas com estas elites, esta República e este modo de gerir as dependências , não creio que Portugal saia do atoleiro da insolvência.