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Como seria normal, sentei-me diante do televisor e fui seguindo os comentários das televisões portuguesas. O zapping oferece-nos a oportunidade de avaliar o nível geral dos profissionais da comunicação e como esperava, o superlativo dislate confirmou-se. Informações erradas são uma vulgaridade nestas ilustres personagens e para quem dedica a sua vida a ler notícias e a visionar os actores políticos do planeta, tal facto é imperdoável. Passando sobre parvoíces como a confusão de dinamarqueses com holandeses, notou-se sobretudo, uma irresistível mania pela conspiração e o anúncio de um "provável" ou "possível" desastre. Neste país que há décadas vive na queda mais absoluta da sua longa história, os repórteres de serviço não fugiram à regra. O nível geral fica-se pela compra de acções subavaliadas, golpes bancários, vigarices adjudicativas e comissõezitas à conta do pagode. Enfim, a república.
Enquanto as imagens da sua própria estação mostravam multidões a perder de vista por avenidas, parques, praças e ruas, os pivots da nossa informação, os tagarelas de luxo, convenciam-se acerca de um imaginado "periclitar" da Monarquia britânica. As entrevistas que de tempo a tempo iam fazendo aos entusiasmados participantes de rua, não foram capazes de os demover da sua augusta estupidez. Sempre de "república" na boca, iam justificando o irresistível contágio a que há muito se entregaram com vergonha de si próprios (1). Mas que intérpretes de gente! Habituados à solenidade das meias brancas de encavacados e outros bem conhecidos solípedes convivas de orçamento, medem o seu microcosmos à lupa, pretendendo extrapolá-lo para outras galáxias. "Se" o casamento não der certo, "se" a Monarquia ainda serve as conveniências da Grã-Bretanha, "se" a Monarquia serve a democracia - como se Portugal pudesse minimamente comparar-se à democracia britânica... - e mais outras tantas interrogações semi-imbecis, polvilharam o histerismo galinhista do todo televisivo português. Faltas de respeito, interrupções da fala de convidados que se dignaram a ajudar o canal a ser mais credível, eis tudo aquilo que se pode dizer. Cem anos "disto" e aqui temos uma anedota de Estado, uma espécie de tropa fandanga de passo desconjuntado e à espera de pré, uma gente que não lembra ao diabo. É "isto", a república portuguesa em iminente queda.
Muita frustração, muita inveja, burrice de estalo, uma excelsa e ignorante arrogância "militante e ajuramentada", resume o todo das pretensas reportagens nacionais.
Quando a noiva entrou na Abadia de Westminster, premi o botão e decidi-me pela BBC. Que pena não o ter feito logo no primeiro minuto! O maior espectáculo do mundo bem merecia.
A Monarquia é de facto outra coisa e aqui está a explicação.
(1) À tarde e já rendidos à evidência, os comentários (SIC) moderaram e são bastante aceitáveis. Há que sermos justos.
O seguinte texto, tirado DAQUI, aconselha ESTES ricos e auto-apregoados intelectos, a enfiar as suas cabecinhas numa qualquer bolsa marsupial:
"In response to Julia Gillard's idea of having "a" republic after the Queen's death, Tony Abbott reaffirmed that Australia won't become a republic in his lifetime.
Asked by The Age whether he thought there would ever be a republic, the Opposition Leader said the republican cause had been with us for a long time, "but the Australian people have demonstrated themselves to be remarkably attached to institutions that work".
"I think that our existing constitutional arrangements have worked well in the past. I see no reason whatsoever why they can't continue to work well in the future.
"So while there may very well be further episodes of republicanism in this country, I am far from certain that at least in our lifetimes there is likely to be any significant change," Mr. Abbott said."
Já estamos a imaginar as reacções das catatuas habituais: "paternalismo, hipocrisia, relações públicas do Palácio de Buckingham" e outras sandices mais.
Guilherme de Gales passou a noite nas frias ruas de Londres, dormindo com os sem abrigo. No seguimento dos exemplos de Carlos - ecologia, património, saúde pública - e de Diana, chegou a sua vez, como presuntivo sucessor do pai.
Não podemos afastar a clara mensagem política deste tipo de atitudes, sempre tão estranhas ao chamado establishment, seja este britânico, francês, português ou americano. Numa época em que princípios tão basilares quanto ancestrais como a caridade foram normalmente substituídos pela ideologia politicamente correcta da solidariedade - actualmente o mesmo pressuposto, mas laicizado -, a Monarquia envia à sociedade uma inequívoca mensagem de alerta perante um mundo cada vez mais desigual e que enfrenta problemas que radicam na excessiva influência plutocrática. Compreende-se assim o acendrado republicanismo de gente como os Murdoch, financeiros da City e lobbies da construção. A atitude de Guilherme não pode ser considerada como uma excentricidade, mas como um claro sinal de desagrado e de demarcação política. É que estas acções têm de ser vistas num todo, em complemento das actividades de Carlos nos campos do ambiente, agricultura, ordenamento territorial e assistência social. É esta a Monarquia do século XXI.
Aqui em Portugal, sabemos quem se tem dedicado - evitando surgir nas parangonas da imprensa - a todo o tipo de causas relacionadas com a assistência social. Uma boa parte do país ainda o ignora, mas não tardará em aperceber-se e valorizar quem verdadeiramente se interessa pelos seus.
Entretanto, Belém vai-se preocupando em fritar sonhos para a consoada, enquanto S. Bento afia as canetas, á guisa de punhais. Tudo normal.
Excerto retirado da obra A Rebelião das Massas, disponível online aqui:
Diante de mim está um jornal em que acabo de ler o relato das festas com que a Inglaterra celebrou a coroação do novo rei. Diz-se que há muito a Monarquia inglesa é uma instituição meramente simbólica. Isso é verdade, mas dizendo-o assim deixamos escapar o melhor. Porque, efetivamente, a Monarquia não exerce no Império britânico nenhuma função material e palpável. Seu papel não é governar, nem administrar a justiça, nem mandar o Exército. Mas nem por isso é uma instituição vazia, carente de serviço. A Monarquia da Inglaterra exerce uma função determinadíssima e de alta eficácia: a de simbolizar. Por isso o povo inglês, com deliberado propósito, deu agora inusitada solenidade ao rito da coroação. Ante a turbulência atual do continente quis afirmar as normas permanentes que regulam sua vida. Deu-nos mais uma lição. Como sempre – já que a Europa sempre pareceu um tropel de povos –, os continentais, cheios de gênio, mas isentos de serenidade, nunca maduros, sempre pueris, e ao fundo, atrás deles, a Inglaterra... como a nurse da Europa.
Este é o povo que sempre chegou antes ao porvir, que se antecipou a todos em quase todas as ordens. Praticamente deveríamos omitir o quase. E eis aqui que este povo nos obriga, com certa impertinência do mais puro dandysmo, a presenciar seu vetusto cerimonial e a ver como atuam – porque não deixaram nunca de ser atuais os mais velhos e mágicos utensílios de sua história, a coroa e o cetro que entre nós regem apenas a sorte do baralho. O inglês faz empenho de nos fazer constar que seu passado, precisamente porque passou, porque lhe passou, continua existindo para ele. Desde um futuro ao qual não chegamos mostra-nos a vigência louçã de seu pretérito (24), Este povo circula por todo o seu tempo, é verdadeiramente senhor de seus séculos, que conserva em ativa posse. E isso é ser um povo de homens: poder hoje continuar no seu ontem sem por isso deixar de viver para o futuro, poder existir no verdadeiro presente, já que o presente é só a presença do passado e do porvir, o lugar onde pretérito e futuro efetivamente existem.
Com as festas simbólicas da coroação, a Inglaterra opôs, mais uma vez, ao método revolucionário o método da continuidade, o único que pode evitar na marcha das coisas humanas esse aspecto patológico que faz da história uma luta ilustre e perene entre os paralíticos e os epiléticos.