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Não sou turista inglês, nem sou turista para inglês ver. Estou cá há valentes décadas para o bem e para os males de Portugal. Não chegámos atraídos pela cerveja barata e o sol de inverno. Viemos para ficar. Viemos para infelizmente testemunhar a delapidação da identidade nacional perpetrada por actores nativos. Em nome do ganho rápido e sucessivo, uma série de embustes são servidos. Pratos gastronómicos, e outros de natureza porcelanosa, vendidos no limite explorador da falsa noção de que o cliente seguinte virá ao mesmo engano para tomar o lugar daquele que partiu e que não volta. Pois bem, assistimos aos primeiros indicadores da inversão de marcha da galinha de ovos de ouro do turismo. A medida de gin a 12 euros e o tuk-tuk da tanga a sessenta obedecem ao mesmo princípio da gula turística. O turista alemão e os britânicos brexitianos começam a abandonar as asas do desejo de Lisboa e arredores. Os eventos ad-hoc, unitários, de grande impacto, como o festival cancioneira da Eurovisão ou o Web Summit não deixam grandes marcas residentes - não são o MOMA, nem o Prado...São, à laia das especiarias e ouro dos Descobrimentos, para estoiro rápido. O operador turístico tem vistas curtas e não está a saber apostar nos horizontes largos da fidelização. Cliente enganado não torna - foge. Elege a Croácia ou vira-se para a Tunísia. Os fogos que ardem em sucessivas temporadas, aclamados como sucesso de governação e habeas corpus, também imprimem um tom derrogatório à efeméride ganhadora do turismo. Em tempos tive como interlocutor, no meu clube de Facebook, o Director do Turismo de Portugal, mas a minha conversa crítica e apaixonada por Portugal não lhe caiu no goto e, sem contemplações, comecei a ser alvo de tiradas visando a minha alegada estirpe de cowboy americano. Para evitar males maiores e dissabores retóricos, tive de bloquear o chefe. Por estas e por outras, como o que acontece na Turquia, Portugal enfrenta perigos que nem a melhor das geringonças consegue dissimular. Fiquem atentos. Agosto está mais perto do fim do que imaginam.
Somos fantásticos a organizar eventos, mas frequentemente medíocres a planear quase tudo o resto, muitas vezes até coisas básicas. É uma das razões porque muitas políticas públicas não têm a eficácia desejada, a falta de capacidade de previsão e planeamento - sem falar na execução. Há décadas que o país arde todos os anos e ainda não conseguimos criar um dispositivo altamente profissional, hierarquicamente bem estruturado e comandado, de prevenção e combate aos fogos. Estudos e mais estudos, relatórios, avisos e recomendações de especialistas vários ficam arrumados numa gaveta qualquer enquanto, ano após ano, lideranças políticas medíocres e chefias operacionais de competência duvidosa anunciam investimentos de milhões de euros e, quando as coisas correm mal, atropelam-se em falhadas tentativas de spin sobre o que é mais que evidente: o caos na organização dos meios de combate ao fogo. Pelo meio, ninguém estranha nem se indigna por os bombeiros voluntários, heróis no meio disto tudo, se verem forçados a solicitar apoio em coisas básicas, como água e comida, às populações. Junte-se a isto uma sociedade civil anémica, que nem em face da tragédia que aconteceu em Pedrógão Grande pressionou devidamente as lideranças políticas, e temos as condições para continuar a praticar a célebre máxima de Lampedusa que titula este post. Para o ano há mais, como já é habitual.

A tragédia de Pedrógão de 2017 não foi uma tragédia. Resultou inequivocamente de décadas de desgoverno da base geográfica de Portugal. Foi a matriz cultural e é a matriz cultural que impede um genuíno ordenamento do território. A ciência e o saber técnico respeitantes aos fogos e ao seu combate residem em Portugal ao mais alto nível. Tem sido o poder político o principal adversário da paz e ordem sociais. Foram sucessivos governos, formados a partir de partidos de todo o espectro ideológico, que alimentaram o sectarismo, a divisão, a promulgação de interesses parcelares contrários à defesa da integridade e sustentabilidade florestal do país. Assistimos ao descalabro administrativo, à discussão de chefias e forças de intervenção, ao caos burocrático e processual - estão todos em pânico pela putativa perda de vantagens e subvenções. Mas assistimos também à incapacidade de disciplinar as populações que desobedecem sem reservas às ordens das autoridades. Confirmamos também, este ano, à luz das perdas humanas de Pedrógão em 2017, o medo irrascível e desesperado para salvar vidas humanas, deixando o pasto e o mato à mercê do fogo. Ou seja, o cadastro intensamente negativo da perda de vidas humanas do ano passado será saneado pela possível poupança das mesmas no cenário de operações de este ano. O governo de António Costa parece ter colocado a tónica nessa dimensão para poder reclamar o grande sucesso da protecção das populações - ardeu tudo, mas ninguém foi carbonizado. Falamos da síndrome pós-traumática de Pedrógão. Testemunhamos, incredulamente, a contradição consubstanciada no avolumar de meios humanos e técnicos de combate ao fogo que de pouco tem servido para inverter a tendência de ganho do fogo - mais meios e mais homens para combater as labaredas não se traduz em vitórias certas. A noite será longa, assim como as discussões infrutíferas sobre responsabilidades a atribuir. Eucaliptos dizem uns, vento sopram outros.