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Quem é Mário Soares? É esta a pergunta que deve ser colocada para estabelecer os limites da sua actuação. O ex-primeiro-ministro do governo de Portugal e ex-presidente da República Portuguesa é, para todos os efeitos legais, um mero cidadão igual a tantos outros. Se fosse socialista ter-se-ia apercebido dessa contingência de igualdade, liberdade e fraternidade. Mas não é esse o caso, julga que é maior que os demais. Pensa que ainda manda como mandou, e mal, durante décadas. Continua na política como quem joga à sueca, à bisca. Desafia Cavaco Silva a fazer isto e aquilo. Vilipendia a Justiça em Portugal ao declarar a inocência imaculada de José Sócrates e ao lançar suspeições sobre o sistema nacional de justiça. Não existem provas contra José Sócrates? E contra si? Não vos parece estranho que tantos camaradas tenham logo acorrido a Évora para abraçar o amigo. Pois. E durante a duração do encosto dos lábios à orelha houve tempo mais que suficiente para avisar o recluso para eventualmente não envolver mais gente na confusão. Se Sócrates dispusesse de armas de arremesso que envolvessem outras forças políticas, decerto que as utilizaria. Se o caso é político, como solenemente afirma, já teria arrastado colegas de outros partidos para a mesma vitrine da prevaricação, mas o homem não tem nada na mão. E Sócrates apenas tem amigos socialistas? Não aparece lá alguém do PCP, do PSD, do BE, dos Verdes ou do CDS? Pensava que a amizade nada tinha a ver com a cor da pele, da bandeira de um partido. Acho muito bem que comecem a distribuir multas àqueles que decidem interferir nas investigações, nos trâmites legais. Soares também se está a pôr a jeito para ser autuado.
Quem se perde em especulações sobre a alegada constitucionalidade de multar quem não peça factura parece-me não perceber nada de nada do que está em causa. Infelizmente, não só nem tudo o que é legal é legítimo ou justo, como o direito já não está ao serviço da justiça. Apetece-me relembrar a frase de abertura de Teologia Política de Carl Schmitt, «Soberano é aquele que decide sobre o estado de excepção», recordar, de acordo com Walter Benjamin, que a excepção tornou-se em regra, e ainda citar Giorgio Agamben, que nos diz que «o estado de excepção tende cada vez mais a tornar-se o paradigma de governo dominante na política contemporânea. Esta transformação de uma medida provisória e excepcional em técnica de governo ameaça transformar radicalmente - e já, de facto, transformou sensivelmente - a estrutura e o sentido da distinção tradicional das formas de constituição. O estado de excepção apresenta-se, pois, nesta perspectiva, como um limiar de indeterminação entre democracia e absolutismo.» No fundo, é como assinala José Adelino Maltez: «Há sinais de regresso ao absolutismo quando aquele que faz a lei decide não cumprir o que a mesma determina e trata de emitir ainda mais leis para que nenhuma se cumpra, por causa da elefantíase...»