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(artigo originalmente publicado no Pacta Sunt Servanda, Jornal do Núcleo de Relações Internacionais do ISCSP, edição especial das XVIII Jornadas de Relações Internacionais)
O multilateralismo será provavelmente a face mais visível das Relações Internacionais, em especial da diplomacia e das práticas diplomáticas, na actualidade. Comecemos no entanto por contextualizar brevemente a diplomacia e o bilateralismo para podermos entender o que é o multilateralismo.
Tradicionalmente a diplomacia pode ser considerada, de acordo com Calvet de Magalhães, como “um instrumento da política externa, para o estabelecimento e desenvolvimento dos contactos pacíficos entre os governos de diferentes Estados, pelo emprego de intermediários, mutuamente reconhecidos pelas respectivas partes". Embora algo restrita, esta definição é particularmente útil para considerarmos o conceito de bilateralismo, enquanto forma tradicional de condução das relações estado a estado, isto é, entre apenas dois estados, cuja importância na actualidade é menor do que no passado mas que continua a representar a mais tradicional prática diplomática.
Poderemos então definir simplisticamente o multilateralismo como uma forma de condução de relações entre três ou mais estados. Mas do ponto de vista teórico, o multilateralismo é, num contexto mais alargado, uma forma de cooperação entre vários estados para dar resposta a problemáticas específicas que, historicamente, encontra aplicação prática primeiramente no processo negocial da Paz de Westphalia, alcançada sob o inovador sistema de diplomacia colectiva, multilateral ou de conferência. A mais importante aplicação prática dos Tratados de Munster e Osnabruck de 1648 seria o sistema de multilateral de equilíbrio por via da, ainda por consagrar, balança de poderes, como forma de inviabilizar qualquer eventual poder hegemónico europeu.
Posteriormente, após a Revolução Francesa e a epopeia protagonizada por Napoleão Bonaparte, os estados europeus viram-se na eminência de refundar e reforçar o sistema internacional vigente. Reunidas as principais potências europeias no Congresso de Viena, o principal objectivo era o garantir um sistema de gestão do equilibro de poderes, alcançado pela consagração da chamada balança de poderes. Através do Concerto Europeu instituiu-se uma forma de consulta entre as diversas potências, e através da Santa Aliança, isto é, um sistema de segurança colectiva constituído pela Prússia, Rússia, Áustria, Grã-Bretanha e França, evitava-se que qualquer poder hegemónico surgisse, intervindo-se militarmente em caso de ameaça à ordem estabelecida.
As Conferências de Haia de 1899 e 1907 sobre a solução pacífica de conflitos internacionais, prenunciam a instituição de uma série de mecanismos que viriam a ser consagrados no Direito Internacional Público como a mediação, conciliação ou arbitragem, e marcam o último grande momento da diplomacia multilateral antes da I Guerra Mundial, conflito originado em certa parte em virtude de uma engrenagem complexa proporcionada pela diplomacia secreta, especialmente no que concerne a tratados de aliança, o que Woodrow Wilson aponta nos famosos “14 Pontos de Wilson”.
Após a I Guerra Mundial, com o Tratado de Versailles institui-se a Sociedade das Nações, cujo Pacto, em conjunto com a posterior Carta das Nações Unidas e os diversos mecanismos de resolução pacífica dos conflitos, consagram, de acordo com o Professor Victor Marques dos Santos, a diplomacia multilateral como “instrumento permanente do relacionamento político”.
No pós-II Guerra Mundial, a Ordem de Ialta institui uma nova lógica de Santa Aliança, desta feita sob a égide do Conselho de Segurança das Nações Unidas, relegado para segundo plano durante a Guerra Fria, período em que os dois pólos do sistema se materializaram em alianças político-militares, a NATO e o Pacto de Varsóvia.
Com a Queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética, a segurança deixa paulatinamente de ser o tema central da agenda internacional, que, de então a esta parte, tem sido perpassada por uma enorme diversificação das temáticas e problemáticas cujas respostas são exigidas aos actores estatais. Por outro lado, a tendência acentuada do fenómeno da globalização provocou uma fragmentação das economias nacionais que tem vindo a obrigar a um reagrupamento dos estados sob espaços e fenómenos de governação que encontram aplicação prática nos conceitos de cooperação, regionalismo e integração, as três formas mais comuns de multilateralismo na actualidade.
Para finalizar, de tudo o acima exposto podemos concluir que o multilateralismo é um fenómeno inevitável na lógica de condução das relações entre estados no sistema internacional actual, fruto de um processo histórico que gradualmente acentuou a falta de capacidade dos estados para individualmente dar resposta a problemáticas diversas, impelindo-os a cooperar com vista a dar respostas colectivas a essas problemáticas comuns, o que, na prática, se reflecte na instituição de diversas organizações e fora internacionais nos mais diversos âmbitos e na instituição e adopção de políticas e instrumentos comuns.