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De malware a pior

por John Wolf, em 15.05.17

What-is-Malware.jpeg

 

Sou da geração que leu Alvin Toffler, que assistiu ao advento da Macintosh e que viu nascer a internet. Sou da geração que ainda chegou a enviar telegramas e que achava o FAX uma maravilha tecnológica ímpar. E ainda sou de uma geração que enviava postais e colava o selo com cuspo a partir de um destino de férias. A digitalização do nosso mundo, na maior parte dos casos, não se limitou a limar o presente e a forjar o futuro. Não. As tecnologias de informação foram ao passado exterminar processos arcaicos, físicos. Há inúmeros métodos tradicionais que pura e simplesmente deixaram de existir. A Suécia, considerada a madrinha do modelo de organização social, foi ainda mais longe na senda dessa extravagância modernista e aproxima-se a passos largos da visão utópica - já é quase uma cashless society. As APPs é que estão a dar As notas monetárias e as moedas já se encontram nesse país nos cuidados intensivos, à beira da morte, em estado comatoso. Os malfeitores deste mundo, as organizações criminosas, apenas tiveram de esperar para ver onde se encontravam as fissuras informáticas dos sistemas de administração de organizações públicas ou entidades empresariais para fazerem provar do seu veneno. Os governos puseram-se a jeito. Os media que dão cobertura à epidemia de Malware e Ransomware, apenas recebem migalhas de informação respeitante aos pagamentos efectuados por administrações públicas a redes criminosas. O ataque cibernético da semana passada denominado Wannacry pôs de joelhos o NHS (National Health Service) do Reino Unido e impediu a realização de sessões de quimioterapia ou intervenções cirúrgicas, mas os media disseram que foi coisa pequena que envolveu pagamentos de apenas duas dezenas de milhar de libras. É este o estado em que nos encontramos. Estas sofisticadas organizações informáticas criminosas têm um plano meticuloso de assalto. Será apenas uma questão de tempo até que as revoluções políticas ocorram por asfixia operacional. Se uma qualquer Autoridade Tributária deste mundo for algemada por processos de Ransomware, a única coisa que têm a fazer é pagar. Se não o fizerem as receitas do Estado ficarão comprometidas. Tudo isto tem a configuração de um Matrix invertido ou de Marxismo revertido a favor de máfias planetárias intensamente capitalistas. Mas foi o que as sociedades quiseram, foi o que a cultura determinou. Embora rebuscado, arrancar as vinhas também contribuiu para este estado de arte de riqueza virtual, de meios de subsistência clean, sem terra debaixo das unhas para não envergonhar a geração seguinte formada na universidade e com diploma avançado em sofisticação. A modernidade que rebentou com a mercearia da Tia Alice e destronou o Alfredo dos biscates é a grande culpada. Corremos todos atrás da grande moda monetária, do Simplex. Mas o mal não reside no progresso. Os perigos residem na eliminação dos costumes monetários de troca directa, de pagamento em espécie, e  no valor de geometria variável que nos reduz todos a plástico. Não é só na música que faz falta o sentimento. Em tudo o resto fazem falta doses imensas de bom-senso.

publicado às 12:07

A desquadra natalícia

por John Wolf, em 15.12.13

É um lugar comum afirmar que é bom ver tanta gente na rua. Que ruas apinhadas é sinónimo de felicidade e de esperança. Quem ontem deambulasse pela Baixa lisboeta veria com os seus próprios olhos o caudal de pessoas que inundava os passeios. Foram ver as montras e as decorações de Natal para afogar as mágoas. Foram ver com os próprios olhos o enfeite luminoso para não perder pitada do entusiasmo natalício. Os políticos e os defensores dos direitos afectivos do homem dirão que faz bem à sociedade e ao país encontrar os concidadãos na rua, mas eu tenho uma visão mais cínica, pessimista. Os transeuntes da quadra natalícia transbordam os passeios, mas não passam de window shoppers. Sonham com o dia em que poderão entrar nas lojas e levar sem pestanejar a máquina fotográfica para captar com precisão os melhores momentos - a ascensão e a queda da sua condição dependente do estatuto social, o seu semblante espiritualmente descaído e culturalmente deplorável. As pessoas nada melhor têm para fazer do que desejar a materialidade que parece ter escapado por entre os dedos, por entre a censura da austeridade e os devaneios do neo-liberalismo. E não é apenas na grande superficie ou na loja de bairro onde esta lógica impera. Nos outros locais de culto, do LX Factory ao Mercado de Campo de Ourique, a humanidade também se faz ver nessa triste constrição da sociedade de consumo. Uns dirão que a malha forjada em forma de cachecol é artesanal e por isso produto de uma Esquerda esclarecida pela lã. Outros afirmarão que o televisor LED, embora construído por trabalhadores oprimidos na República Popular da China, estará a contribuir para o crescimento económico e social daquele país, a fazer crescer a média classe a um ritmo nunca antes visto. Ou seja, o Natal serve para todos os embrulhos ideológicos e conceptuais. Permite a oferta de todo o género de justificações e não parece ser arma de arremesso do espectro político na sua integridade total. Neste caso, bizarro e paradoxal, a concordância é plena. O redentor para todos os males chama-se Jesus - mas não passa de um menino.

publicado às 10:27

Blatter, Portugal, Europa, Mundo

por joshua, em 30.10.13

Ao longo dos anos, FC Porto, outras equipas nacionais, e Mourinho têm tido manifestas razões de queixa da UEFA. Ronaldo começa a ter razões de queixa grossas da FIFA, com o último deslize tresloucado e parcial de Blatter, que certamente não foi por acaso, mas corresponde a uma cultura ociosa e satírica de cúpula.

 

Há, notoriamente, um lóbi anti-português nesses dois organismos pela simples razão da inveja e da escala. Para efeitos europeus, a escala portuguesa parece desprezível e fazem-nos o desfavor de no-lo darem bastas vezes a entender, e muito mais nestes tempos de egoísmo e salve-se-quem-puderismo europeu.

 

No entanto, para efeitos do grande balanço histórico e da grande inveja entre as nações europeias relativamente a Portugal por causa da sua influência linguística, cultural e mesmo por causa da nossa expressão demográfica, não no rectângulo, mas no resto do mundo, Portugal e o enorme continente de afectos português têm um peso cada vez mais não desprezível nos espaços materiais e imateriais do Planeta, coisa que a França não tem, a Bélgica não tem, a Alemanha não tem, e muitos outros países europeus poderosos e ricos, manifestamente não têm nem terão. Isso e um legado secular fora da Europa, no Oriente, em África, na América, na Oceania, ou seja, virtualmente em todo o lado porque estar em todo o lado sempre foi e continua a ser eminentemente português.

 

Era preciso que tais países tivessem sido e feito, nos séculos passados, o que Portugal, Espanha e Reino Unido fizeram de ímpar no Planeta, sobretudo Portugal, atendendo às suas dimensões, e nenhum outro Povo pôde ou soube.

 

Posto isto, que a UEFA, a FIFA e todos os invejosos e desprezivos de Portugal se fodam e façam bom proveito.

publicado às 19:16

Política e batatas quentes

por John Wolf, em 12.06.13

Numa visão de longo prazo - a la Fernand Braudel -, a grande crise económica e social que assola a Europa, a Primavera Árabe que agora se prolonga na Turquia, o défice de Democracia que parece ter atingido o coração dos fiéis dos Estados Unidos (com a implementação de vigilância apertada às comunicações)a austeridade aplicada pelos governos nacionais, a guerra na Síria ou a abstinência de Cavaco Silva, serão meras migalhas na confecção do conceito de civilização, do paradigma existente ou futuro. Os padrões existenciais a que nos habituámos e que deixámos de questionar, terão de ser avaliados de um modo intenso. Os pressupostos que definimos enquanto intocáveis estão justificadamente a ser abalados. Construímos sociedades funcionais, mas que colidem com uma certa ordem natural de proximidade, de alcance do corpo e do espírito. Faz sentido alimentarmo-nos de batatas plantadas a milhares de quilómetros de distância? Faz sentido trabalhar nove horas por dia para pagar a outrém para educar os nossos filhos? Faz sentido perder 3 horas no trânsito para sustentar a deslocação? É isto que está em causa. O modelo existencial que resultou de um processo desenfreado de aquisição, de adição, enquanto a genuína qualidade de vida foi sendo tolhida, sem se dar por isso, mas pagando um preço muito elevado. As estruturas da nossa vida quotidiana estão a ser postas em causa, obrigando os corpos sociais a reorganizar as suas células. Os governos que são a extensão da vontade humana, são responsáveis pela consolidação desse modelo fracturante, mas a representatividade que lhes conferimos não nos iliba da consciência dos factos, da nossa culpa. Em todo o caso, enquanto os governantes insistirem na mesma malha económica e social, nunca seremos testemunhas da efectiva transformação, algo distinto de um devir oportunista anunciado por prospectivos lideres que querem tomar o poder fazendo uso de argumentos que pouco valem passados alguns dias. Lamentavelmente, estamos à mercê de funcionários incapazes de pensar as grandes considerações humanas. A falência a que assistimos deve-se em grande parte a esse divórcio entre a filosofia clássica e o quotidiano. Norbert Elias que dedicou grande parte da sua reflexão àquilo que ele definiu enquanto processos civilizacionais reveladores de atitudes sociais, revelou o calcanhar de Aquiles da condição humana - a sua obsessão pela fenomenologia de massas. No estádio em que nos encontramos, tornou-se obrigatório proceder à análise anatómica das prioridades individuais. O homem tem de ser tratado individualmente. E esse exercício de procura de um sentido existencial deve ser levado a cabo por cada um de nós, independentemente do subsídio de pensamento. Os governantes a que estamos obrigados por decreto, padecem de um grande défice de entendimento, de cultura e de humanidade. Elenquemo-los um a um e veremos que não preenchem os requisítos de inteligência emocional ou social que urgentemente necessitamos. Refiro-me, sem rodeios, a todas as nações subjugadas pela mediocridade. Nessa lista incompleta de incapazes teremos sem dúvida, Cavaco Silva, Passos Coelho, António José Seguro, Francois Hollande, George W. Bush ou Angela Merkel (para mencionar apenas alguns). Serão estes os filósofos dotados para repensar o mundo? Seremos nós próprios inteligentes quanto baste para evitar colidir com a nossa diminuta estatura? No fundo os políticos nunca terão o poder de transformar profundamente as nossas sociedades porque operam na superficie que mal conseguem descascar. E de falência em falência, no jogo de estafeta que faz das pessoas armas de arremesso, entretêm-se a passar a batata quente ao próximo incompetente. Acham que fará alguma diferença o senhor que se segue?

publicado às 08:58

Uma vaga ideia da crise

por John Wolf, em 02.05.13

 

Em 1980, Alvin Toffler publicava o livro A Terceira Vaga, o segundo volume de uma saga iniciada em 1970 com Future Shock, a que se seguiram outros títulos, e mais recentemente Revolutionary Wealth (2006), considerado uma continuação da Terceira Vaga. Em 1980 tinha apenas 10 anos de  idade e tive de esperar 5 anos para pegar no livro com olhos de semi-adulto e tentar entender algumas das suas ideias. À época recordo-me que o livro espelhava já um brave new world, a emergência gradual da sociedade de informação que hoje vivemos em pleno, com todas as contradições tecnológica-existenciais que conhecemos. Naqueles tempos da aurora digital, Toffler tinha tido a capacidade de ser ousado no desenho que fez das futuras etapas do desenvolvimento humano. Apenas em 2006 voltei a estabelecer contacto com Toffler, mas nesse período que percorri, deambulei por diferentes autores que avançavam com aquilo que designamos por Grandes Teorias das sociedades humanas. No fundo, são quadros que tendem a simplificar o caos e estabelecer uma ordem conceptual. Outros autores, como Francis Fukuyama e a sua obra  O Fim da História e o Último Homem (1992)  ou Samuel Huntington e o Choque de Civilizações (1993) oferecem também distintas arquitecturas de explicação do mundo. E eis que chegamos a 2013, a um mundo em convulsão real, um palco intensamente contraditório, que confirma a ineficiência de modelos de execução, pensados academicamente, mas distantes do corpo social onde os impactos se fazem sentir. Nem sequer entro em detalhe sobre a falência dos modelos económicos que ambicionaram a exactidão das ciências, quando deveriam se ter dedicado a outra arte, como procurar entender o homem na sua acepção mais complexa que transcende a riqueza ou o estatuto. As prerrogativas económicas tomaram a dianteira sem olhar para trás, mas sabemos agora que foi um engano, que algo deveria ter contrariado esse fenómeno de esvaziamento. E que algo deve ser feito para redesenhar o quadro conceptual subjacente à construção das nossas sociedades. Para esse efeito, gostaria de chamar à liça Paul Feyerabend (1924-1994), um filosófio Austríaco, que quase paradoxalmente conviveu com os advogados da Escola Austríaca de economia. Uma das suas ideias centrais tem a ver precisamente com as contrariedades do método científico, a sua alegada consistência argumentativa. A forma como a solução nova valida a anterior, mesmo que esta seja deficiente, numa expressão questionável da revolução de paradigmas, explicada, embora de outro modo, por Kuhn. Deixo à consideração dos leitores a investigação que considerem adequada para que formem o vosso próprio juízo. Não é o meu intento leccionar cadeiras sem o vosso assento. Não estou habilitado para tal. O que me traz aqui hoje, neste encadeado de ideias sobre Grandes Teorias, tem a ver com a inevitável aparição de uma panóplia de aplicações cuja soma não perfaz um modelo estável - um simplificador de angústias, um paradigma no sentido clássico em que o definimos há largos anos. Vivemos o momento histórico da desmontagem de premissas, da desconstrução dolorosa de certezas. Estamos a meio do exame que sublinha a vermelho frases inteiras de cadernos ideológicos e doutrinários. Receitas  para a existência em sociedade, que formataram o nosso modo de ver o mundo, e a nossa teimosia na oferta das mesmas soluções. Iremos assistir, na minha confusa opinião, a um caldeirão de pertinências, a uma amálgama de resquícios de doutrinas neo-liberais e amostras de receitas marxistas. Todos os termos operativos que cuspimos sobre as mesas redondas, deixaram de significar. Tornáram-se obtusos, quadrados. A simbologia que empregamos já não tem nexo, não conhece a paternidade da sua alma fundadora. A plataforma de mediação, designada por consenso político, nada mais será do que um processo de repetições de tiques de demandas e raras cedências. A clivagem que opõe a riqueza à miséria, não encontrará resposta na Social-Democracia ou na Esquerda tal como as entendemos. Será algo de novo que irá emergir. E é aí que nos encontramos. No núcleo efervescente de lava política, que vai expelindo consternações e pequenas curas. A residência estável de uma grande teoria não acontece de um modo célere. Temos de aprender a viver no dia a dia. Com os restos de considerações ideológicas que se encontram por aí em marés de esperança e depressão. Tem tudo a ver com vagas. Ideias vagas.

publicado às 10:22

Tribunal arbitral de comentários

por John Wolf, em 06.04.13

Irei aproveitar a ressaca da pedrada política nacional para me dedicar a alguns assuntos pendentes. São matérias que dizem respeito ao modo como respondemos a estímulos, como se fossemos pêndulos que balançam entre a reacção a quente e a reflexão pretensamente desprovida de emoção. Torna-se difícil exercer um controlo apertado sobre esse paradoxo, a contradição que reside entre o que sentimos, o que somos incapazes de sentir, e aquilo que nos torna anfitriões de paternalismos - o direito de conceder respostas a perguntas que não foram colocadas. Ao comentarmos diariamente a nossa vida e a vida dos outros, somos regidos por impulsos dominantes que residem ou não dentro da nossa razão. Nos últimos tempos, e fazendo mea culpa dos meo blogs, confesso que tenho sido instigado a verter o que me vai na alma de um modo gustativo, perto da cólera e do ânimo exaltado. Contudo, desgosta-me a raiva racionada em pequenos tomos de explicação. Toldados que estamos pelas ocorrências nefastas, sem o sabermos, somos animados pela adrenalina que colhe presas e predadores, e que extingue a paisagem. Deixamos de comentar de um modo equidistante, e afogamo-nos em sensações cutâneas. No entanto, não julguem por um instante que condeno o comportamento previsível. O ser humano tem limites que não serão aqueles que julga pisar. Nem serão aqueles impostos por outros, pelos tribunos ou parlamentares de causas dispostas à distância dos olhos. Os desígnios que elencam, não são inteiramente queridos, porque resultam do arbítrio tornado refém das nossas lamentações/limitações, um juízo sujeito a miragens e aplausos. Não solicito a vossa integridade no juízo deste desabafo, mas apenas senti o sangue aquecer, subir pela guelra alheia, e agora me faço rogado de uma missão que se encerra no seu despropósito. O estado fogoso que nos incendeia, parece ter relação com a compaixão, mas em última instância quando formos obrigados a escolher, deixaremos cair por terra o lastro, agarraremos o mastro e deslizaremos ao encontro de expectativas caducas. Um bote, um bode de salvação, teimoso, às marradas com a mesma tendência dos curros, uma porta de saída, quiça de entrada na mesma arena de dissabores.

publicado às 15:05

Efeitos secundários

por John Wolf, em 11.01.13

 

Estamos sob a égide de algo ruim. Um cocktail de conseqências nefastas, de efeitos secundários que destroem a alma, uma overdose de disparates sem antídotos. Uma sopa de dislates que intoxica, que gera náuseas. A voz concedida à farsa que nunca foi falsa - uma mala de verniz e um cão de uma fila defendido pela cólera, a coleira que nos esgana. Serão estes os efeitos secundários da sombra? A futilidade levada ao extremo de um desejo suicidário canino? O dente plantado debaixo da almofada que embala os pesadelos? Uma pobre coitada equivocada pela marca global e que deseja sorte, imensa sorte. A refutação in loco da própria demência? A defesa do último bastião da inocência? Chegamos em cima da hora, montados num burro, perto do fim que anda às voltas da nora sem acalentar esperança. Os sintomas já ocuparam as cadeiras de um auditório repleto de assentos e prejuízos. São notas avulso com escritos e números, para que alguém telefone para a emergência, para  nos levarem daqui para fora. Para nos levarem estendidos pela catadupa de mocadas. Uma benção lixada que nos engasga. E a imunidade levou para longe a madrinha, a fada do lar que vasculhou anos a fio no lixo. Ruminamos, mas já não sabemos vomitar.

publicado às 12:12

Ratzinger, a polemização necessária

por João Pinto Bastos, em 03.01.13

Não tenho por norma dissentir das postas dos meus ilustres confrades, aliás, concordo geralmente com tudo o que os escribas deste blog escrevem. Contudo, e como há sempre uma primeira vez para tudo, desta feita sou obrigado a discordar em parte do longo comentário da Regina da Cruz a propósito da Mensagem de Ano Novo, de Sua Santidade Bento XVI. Subscrevo a opinião da Regina no tocante ao erro que Bento XVI cometeu ao afirmar que o "capitalismo desregulado" é o grande responsável pela crise económica e financeira do último lustro. Erro esse, justificado pela observância imprescritível da doutrina social da igreja que não é propriamente um receituário ou uma súmula de prescrições liberais. Como podem depreender do que venho escrevendo neste blog e noutros fóruns não considero o capitalismo como o grande responsável pela crise. Sou, à semelhança da Regina, um apreciador inveterado das virtudes do capitalismo. Gosto do frémito da liberdade induzido pela criatividade que só um regime de mercado e livre concorrência consegue gerar. Liberdade e criatividade devidamente temperadas pela ética, como muito bem sublinhou a Regina. O busílis do argumento desfiado pela caríssima colega prende-se não com a apologia do capitalismo, que acompanho e suporto, mas sim com o breve libelo contra o Papa e a Igreja. A Igreja, não obstante os erros, desvios e imperfeições que qualquer instituição naturalmente possui - e, aqui, mais uma vez sigo a opinião da Regina - é uma das derradeiras formas de vida inteligente que existem neste mundo pós-moderninho. Mais, se há alguém que tem apelado à renovação espiritual do homem, esse alguém tem sido Bento XVI. Com os vitupérios do costume provindos dos artesãos do politicamente correcto. Portanto, quando a Regina fala em reabilitação dos valores humanos fundamentais deveria olhar, em primeiríssimo lugar, para a Igreja, por uma razão bastante singela: em tudo o que diga respeito à vida humana, a Igreja está e estará sempre na primeira linha de defesa do justo e do direito. Ontem, hoje e amanhã. A raiz do catolicismo bebe, justamente, nesta predisposição para a dádiva.

 

A Igreja não tem uma história impoluta? É um facto indesmentível. A Igreja deixou em vários momentos de viver a palavra de Cristo? Sim, é verdade. A Igreja favoreceu, em muitas circunstâncias, os grandes deste mundo? Infelizmente, sim. Tudo isso é verdade, porém, o que atrás foi dito não ajuda, de todo, a explicar o porquê de, ainda hoje, muitas pessoas devotarem à autoridade papal um respeito invejável. A relevância da Igreja mostra-se no dia-a-dia, nos magistérios da palavra e da acção, com o Homem como pano de fundo. As "palavras vazias" e os "rituais anacrónicos" são a razão de ser da Igreja. Sem eles nada faria sentido. Com eles a comunidade de fiéis alarga e fortalece os seus horizontes. O Governo da Igreja, tão criticado por alguns, é a prova de que a conjugação entre autoridade e liberdade é uma possibilidade bem real, testada ao longo de dois mil anos. Não são muitas, se não mesmo nenhumas, as formas políticas que podem gabar-se de combinar hierarquia com autonomia, justapondo autoridade pessoal com descentralização. O Governo da Igreja, considerado amiúde como uma antigualha bárbara, é um resguardo imprescindível em tempos de niilismo político e cultural. Bento XVI soube interpretar, como poucos, a impessoalidade do mundo contemporâneo, chamando a atenção para o relativismo que acomete todos os recantos da vida social. Impessoalidade que não brota apenas da falta de ética que perpassa os mecanismos económicos. A origem desta maleita é bem mais funda, grave e periculosa. É por isso que, por mais que eu possa discordar desta ou daquela afirmação do Santo Padre, nada me levará a dizer que a Igreja pouco ou nada faz pelo bem-estar espiritual do Homem. Faz e muito, sobretudo junto dos que mais precisam, assim como, dos que anelam por um futuro melhor. Talvez o tom seja demasiado apologético, mas a verdade é que nunca como hoje a Igreja foi tão necessária. O filisteísmo relativista só será combatido com autoridade e auctoritas. Bento XVI encarna na perfeição estes dois predicados.

publicado às 01:22

Portugal na Balança da Europa e do Mundo

por Samuel de Paiva Pires, em 17.08.11

Aqui deixo o meu primeiro texto escrito para a secção de opinião do Diário Digital, inspirado numa reflexão que já há tempos aqui havia deixado, e publicado também no blog da Real Associação de Lisboa:

 

 

Em 1830, Almeida Garrett publicava em Londres uma das suas emblemáticas obras de teor político, intitulada “Portugal na Balança da Europa – Do que tem sido e do que ora lhe convém ser na nova ordem de coisas do mundo civilizado”. Dedicando-a à Nação Portuguesa, Almeida Garrett principiou a sua obra afirmando que “É sem duvida a servidão o mais insuportável dos males e o mais abominável dos flagícios: como nascidos que somos para a liberdade, nossa própria natureza a ela repugna; a existência se nos torna indiferente, e a morte que a termina lhe deve ser preferível”.

 

Chegamos ao actual estado de coisas com a nossa liberdade cada vez mais reduzida, obrigados à submissão para que nos seja possível sobreviver, sem alternativa a uma das mais permanentes características da nossa política externa que é a gestão de dependências, e regressados ao centro de um complexo tabuleiro geopolítico como há décadas não acontecia. Inevitavelmente, surge no horizonte a interrogação sobre a nossa viabilidade financeira enquanto estado soberano, agora que voltamos a ser bons alunos e até vamos merecendo nota positiva da troika FMI/BCE/CE, enquanto a União Europeia vai navegando à vista nesta crise das dívidas soberanas, que arrisca fragmentar ou aprofundar o processo de integração europeia, em relação à qual também as palavras de Garrett continuam actuais: “Somos chegados a uma crise da Europa, de todo o mundo civilizado; uma crise que há tantos anos se prepara, que tantos sintomas anunciavam próxima; cujos resultados desfarão todos os falsos e forçados antigos equilíbrios políticos, e os estabelecerão novos e regulares”.

 

Mas, apesar dos contornos indefinidos quanto ao desfecho desta crise, ainda para mais agora que também Itália e França parecem estar à beira de sofrer cortes no rating das respectivas dívidas públicas e, consequentemente, ver aumentar os juros cobrados para que se possam financiar nos mercados, o que realmente nos deve preocupar é que a viabilidade futura de Portugal depende, em primeiro lugar, da nossa esfera política interna. O estado português carece de uma verdadeira reforma estrutural que diminua abruptamente o peso deste na economia, o que passa por extinguir milhares de organismos, institutos, fundações e privatizar ou também fechar muitas das empresas do sector empresarial estatal. O Orçamento Geral do Estado para 2012 será a prova de fogo do actual governo PSD-CDS, nesta matéria. Só isto permitirá libertar recursos e diminuir impostos, assim criando um ambiente de maior competitividade e de incentivo à iniciativa privada, o qual estamos condenados a gerar se queremos que Portugal se mantenha enquanto estado soberano durante as próximas décadas. Se não conseguirmos gerar este ambiente, as empresas não produzirão, não gerarão riqueza, poupança e investimento suficiente para nos permitir liquidar sustentadamente as dívidas que temos.

 

Contudo, na balança europeia e mundial, também a nossa política externa tem um papel essencial a desempenhar no processo de recuperação da nossa liberdade. Tendo sido completamente reorientada com o advento da III República, poderá ter chegado a hora de a reorientarmos novamente. O vector europeísta da nossa política externa está cada vez mais esgotado, e esta, que sempre serviu para que procurássemos no exterior recursos para nos desenvolvermos internamente, precisa de se virar para onde estes existem e onde, ainda por cima, os seus detentores nos são histórica e culturalmente próximos. Sinais neste sentido têm aparecido nos últimos anos, com a valorização da cooperação com o Brasil e países da CPLP. Mas estas relações têm que ser reforçadas e têm que se concretizar e reflectir materialmente, indo muito para além da retórica, por mais difícil que seja a reafectação de recursos internos no prosseguimento da nossa política externa. O Atlântico sempre foi o principal vector desta, até 1974. Talvez esteja na altura de recuperar esta orientação, para que, como escreveu Fernando Pessoa, possamos cumprir Portugal.

 

Não será fácil, mas se há algo verdadeiramente constante na nossa História são as permanentes crises económicas, sociais e políticas em frente das quais nos soubemos reinventar. Cabe-nos, reportando-me novamente às palavras de Garrett, “não nos iludir com aparências, não nos cegar com facilidades. Temos estorvos grandes que remover, obstáculos imensos que superar, grandes e perplexas e quase inextricáveis dificuldades que deslindar e desembaraçar. (…) Venceremos, mas não sem trabalho. Havemos de triunfar, mas não sem sacrifício”.

publicado às 22:40

Mais do nunca, Tolkien...

por P.F., em 09.05.10

 

Mais do que uma excelente banda sonora de Howard Shore; mais do que a brilhante adaptação cinematográfica de Peter Jackson; mais do que o notável trilogia de JRR Tolkien, com certeza um Iniciado. Claro que para quem olha e não vê nada, o universo de Lord of the Rings trata-se de entretenimento que entre outras coisas inclui batalhas de aparência medieval entre criaturas imaginárias e uma história de amor pelo meio. Estou convicto de que as mais diversas lutas e desafios que desgastam e, em simultâneo, fortalecem as estranhas personagens da trilogia cada vez fazem mais sentido e mais depressa a Terra Média se está a revelar um espelho do nosso mundo. Deixo ao critério de cada um contatar as equivalências...

publicado às 04:35

Pelo contrário...

por P.F., em 18.03.10
Vagner Love admite participação em festa de traficantes na Rocinha Atacante foi filmado chegando à favela sob escolta de bandidos A festa em uma quadra na parte alta da favela da Rocinha invade a madrugada. Mais de mil pessoas se divertem ao som dos mais variados ritmos. No meio da multidão, traficantes desfilam com suas armas, dentro e fora da quadra, que fica em uma das principais ruas da Rocinha. Os bandidos circulam livremente e aparentam tranquilidade. Exibem fuzis de vários calibres. As imagens exibidas pelo Fantástico na noite de domingo foram feitas com uma câmera escondida. Numa das noites, no mês passado, o carro importado preto chega ao baile famoso na favela. Quem está ao volante é o atacante Vagner Love, artilheiro do Flamengo no Campeonato Carioca. (...)
 
— Eu sempre frequentei, sempre fui e não vejo problema nenhum isso. Eu costumo ir a alguns lugares, tenho alguns trabalhos sociais em alguns lugares desses e por isso eu frequento, tenho afilhado, tenho amigo então nunca vou deixar de frequentar a minhas origens, minhas raízes — diz o jogador.
 
Nem sempre as "raízes" são uma justificação moral aceitável. Neste caso trata-se mesmo de algo execrável, pois o conceito é subvertido. Vagner Love não demonstra respeito algum por tais "raízes" humildes ao juntar-se àqueles que seguiram um caminho não apenas diferente do seu, como um caminho desaconselhável a todos os que partilham as ditas "raízes". A tolerância e camaradagem por quem mata inapelavelmente gente de todas as raízes, e destrói a reputação do local em causa, prejudicando assim todos os seus moradores, é o pior desrespeito que pode haver pelas raízes humildes.
Escusado e banal será dizer que quanto ao trabalho social, dar dinheiro, por descargo de consciência - sabe-se lá a quem... - não resolve nada, antes pelo contrário.

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publicado às 17:34

Isto 'tá a... arrefecer!

por P.F., em 14.12.09

   Quase todo o País vai ficar abaixo de zero

A vaga de frio vai manter-se até quarta-feira, dia em que começa a chover e a nevar com intensidade. 

 

Eh pá, os efeitos do acordo de Copenhaga já se fazem sentir!

publicado às 17:36






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