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Estive recentemente em Castelo Branco. Cidade do interior sobre a qual tinha vaga e longínqua impressão não muito distante da Guarda onde a presidência da república foi já por duas vezes comemorar o dia de Portugal. Fui e gostei. A mesma luz raiana das cidades da estremadura o vagaroso tempo dolente estimulado pelo clima agreste e serenado por alamadas frondosas. À parte uns arremedos progressistas, fruto da mentalidade «autarquista» que nos anos 1980-90 semeou o país de mamarrachos, rotundas e vielas asfaltadas, Castelo Branco parece uma cidade congelada na década de 1970. Dir-se-ia que à primavera marcelista não houve verão quente da urbanização. E assim, dolente como o calor que se fazia sentir, percorri as ruas de uma cidade repartida entre o traçado medieval e a expressão de um vago progresso estado novista.
Mas o que realmente me chamou a atenção em Castelo Branco, para além do facto de ser a pátria do grande Amado Lusitano, foi um par de estruturas ligadas à arte. Nâo me refiro ao recém inaugurado Centro de Cultura Contemporânea (a designação é feliz, pois farta já a denominação museu) que se impõe mais como objecto do que como edifício. De resto, este tipo de empreendimento ganharia muto mais em assumir-se como obra de arte e menos como repositório da mesma. Note-se que nem cheguei a entrar naquela inusitada estrutura por lhe não encontrar a porta de acesso. Foi melhor assim. O que primeiro me chamou a atenção foi realmente o Museu Cargaleiro.
Oculto no velho traçado medievo o conjunto de espaços ocupados pelo museu acaba por impor-se como um dos locais a não perder na cidade. Sempre me fascinou a obra de Cargaleiro pela capacidade de criar a partir da cultura portuguesa, um género artístico legível fora das nossas portas. Desde sempre me deliciei com as estações de metro de Lisboa, onde a cor, palavras e as figuras de Manuel Cargaleiro entretêm na monotonia e no ramram da viagem mecânica.
Fui a Castelo Branco, sem pensar em Cargaleiro e isso perturbou-me à medida que percorria as salas do museu. Como é possível que nós portugueses, acorramos a Amsterdão, Paris, Madrid e Londres para apreciarmos grandes nomes internacionais e não sejamos capazes de propositadamente vencermos a interioridade nacional para procurarmos a obra de Cargaleiro? Aliás, como é possível que o Museu Nacional de Arte Antiga ceda à pressão de alugar parte do protagonismo do Prado num tempo em que uma viagem low cost Porto-Madrid ou Lisboa-Madrid custa menos que um bilhete de comboio e uma entrada na exposição e que, como museu nacional, não se preocupe em promover ou descobrir novos ou velhos talentos da arte portuguesa?
Esta distância entre o que temos e o quanto dependemos dos outros não é uma questão de orçamentos de estado, empréstimos externos ou servilismo partidário. É hábito.
E quando se fala na necessidade de criar riqueza, geralmente esquece-se que estamos a matar a galinha dos ovos de ouro: a criatividade. Não é por acaso que criar e criatividade têm a mesma raíz. Continuamos a recursar a capacidade de nos renovamos criativamente com o que temos, como o fizeram e fazem António Nobre, Forjaz Sampaio, António Variações, Carlos Paião, Agostinho da Silva, Paula Rêgo, João César Monteiro, João Botelho e outros tantos a quem o destino (fado) português rejeitou no imediato.
Renovar-se e recriar-se não é o mesmo que pintar galos de barcelos com os tons do arco-íris ou fazer esculturas com tachos de alumínio ou rendas de croché - isso não é recriação, nem talento, tão-só e apenas laivos de imaginação e oportunismo.
Reinventar a cultura portuguesa, para o que de resto já contribui em parte da nossa geração modernista é, em primeiro lugar, entendê-la, depois absorvê-la e finalmente apresentá-la numa leitura universal que nunca pode ser a-histórica. O nosso presente é o nosso passado e é impossível fugir-lhe.
Quando aprendermos a gostar de nós, pode ser que o novo Brasil ou esteja em Castelo Branco. Sem grandes discursos ou comendas. Infelizmente para isso não é só regime que precisa de mudar, são os homens que o gerem.
P.S. Terão reparado com certeza que tendo referido um par de estruturas, apenas me referi a uma, o Museu Cargaleiro. A outra é o belíssimo jardim do Paço Episcopal, sinal de tempos em que Portugal não tinha interior, nem litoral. Apenas centros culturais de gente com bom gosto e visão.