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Sei que o Natal se aproxima e a simpatia já parece pairar no ar, mas não sei se os mais recentes números respeitantes à diminuição da taxa de desemprego foram fornecidos pelo INE ou pelo INEM. Seja qual for o caso, o trabalhador português encontra-se nas urgências, em muito mau estado - com prognóstico reservado. O recuo do desemprego para os 15,6% tem de ser lido na presença de todos os outros participantes no concurso económico e social. Ou seja, de nada serve a consagração do campeão, se os adversários foram eliminados ainda antes da competição ter terminado. Esse número respeitante ao desemprego compara-se a si, alinha anos homólogos, mas nada diz sobre as vagas de emigração, os desistentes dos centros de empregos ou os trabalhadores que laboram por conta própria. O desemprego olha-se ao espelho e afirma ser o mais belo de todos, mas não partilhou a imagem com as verrugas que mancham a vitrine. O emprego, que joga na outra equipa, continua lesionado com uma ruptura de contratações - não há meio de se tornar titular, de conseguir um contrato de longa duração. E acresce a esta amostra vaidosa de números um facto que pode parecer não ter ligação directa com a empregabilidade. A decisão do Banco Central europeu em baixar a taxa de juro para os 0,25% terá efeitos na perda de poder de compra do Euro. Em termos monetários sabemos que o aumento de liquidez (operado por esta via) tem um efeito inflacionário, e revela que os políticos europeus temem uma espiral deflacionária. Em última instância, aqueles que ainda têm trabalho, embora possam beneficiar com a baixa da taxa de juro (por exemplo, a prestação mensal da casa será afectada positivamente), no médio e longo prazo, a "injecção" de liquidez irá condicionar o poder de compra do euro. São tantos factores de relevo que estão em jogo. São múltiplas dinâmicas internas e externas que se cruzam num magistério que não cumpre a agenda da vontade política exclusiva. Os alegados bons números do desemprego ou das equações estimativas do orçamento de Estado de 2014, poderão ainda ser acorrentados pelos valores da dívida e pelo espírito da lei interpretado pelo tribunal constitucional. Para além disso tudo, Portugal tem de contar com um factor interno de peso - a recusa contínua do PS e de António José Seguro em participar num consenso. E essa intransigência irá acelerar o processo de austeridade, embora insistam continuamente no oposto. O memorando de entendimento parece ter sido branqueado pelos socialistas. Enquanto Seguro discute ninharias como a descida da taxa do IRC, o essencial não se altera - o agravamento da situação económica e social do país. O grande problema que enferma todos os cálculos e resultados que apresentam, tem a ver com a contínua negação da realidade. E essa condição é patológica - não tem cura. Nem sequer tem nome. Chamem-lhe desemprego homónimo ou uma imagem refractada pela distorção política.
Tendo passado pela fase de aceitar o mistério, encontrei a resposta. A certas pessoas, não lhes causa estranheza a existência de um Estado titânico (com todos os trocadilhos possíveis) nem a realidade, presente ou consequente, lhes parece o mesmo que a outras pessoas, por uma simples razão: elas próprias conduzem a sua vida e o seu relacionamento com os restantes como se encarnassem em si esse modelo estatizante de tudo avaliar, reger, referenciar e em última análise controlar. Assim, não percebem, e isto dito no sentido biológico e na mais larga acepção, como é diferente o Mundo pelos nossos olhos.
Entretanto a execução orçamental, como era esperado por alguns de nós, ab origine tidos por loucos, ora vindicados, é o mais arrepiante indício daquilo que vai aterrar, inexorável, sobre as cabeças dos paisanos. E isto com ou sem o despertar tardio do CDS, com ou sem QREN estancado ou stunts diversos de liana em liana. Quem já semeou milho conhece bem as subtilezas da colheita.
O mais engraçado é que muita gente avisou. O Pedro Braz Teixeira, o Luciano Amaral, eu coitado de mim que só cheguei há uns meses, o João Caetano Dias...
Como foi possível fazerem isto ao país?
O vento não sopra. Diz que vem frio. Ontem vi uma pessoa de havaianas. As pessoas estão primeiro. Ainda bem porque assim demora menos a fazer efeito.
Ricardo Lima, Os Portugueses não são números:
«A quadrilha tecnocrata que a academia pariu, embriagada nos títulos que a pompa, a circunstância e a graça do financiamento público garante, erra. E não erra por se enamorar da matemática, fiel amiga do saber. Erra quando por ela se obceca, esquecendo outras prendadas garotas cujos cantares são fulcrais ao feliz entendimento de uma nação, do seu povo e das suas efemérides.
(...)
A pretensão de salvar o país com modelos matemáticos saídos de empurrão de umas tantas cubatas cimentadas a que os mais visionários resolveram apelidar, quiçá por simpatia, de Universidades e Institutos é o mesmo que pretender salvar o Casamento com rosas, bombons e travessias de ferry a Marrocos. Ao início parece que tudo vai correr bem, a quem está de fora o cenário é positivo, até se deparar com um mancebo magrebino no próprio leito. Ora, no pós-operatório desta road-trip literária, retorno ao início. Da muitas sodomizações ao latim que a esquerda-caviar do rojão e do favaios promove, “os portugueses não são números” é dos poucos chavões cujo conteúdo foge ao desnível comum.
(...)
Querer fazer política rejeitando não só os modos de ser, as tradições, a cultura e os valores de cada um e das comunidades em que este se projecta não é apenas imoral e imprudente. É, sobretudo, a receita certa para uma barracada de proporções astronómicas.»