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O futebol em abraço armilar

por Samuel de Paiva Pires, em 15.07.18

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 (fotografia daqui.)

 

Parece que muita gente terá descoberto, com um espanto inusitado, após a final do Mundial de futebol, que em tempos a França foi um império colonial. Ora, boa parte do país da “liberdade, igualdade e fraternidade” cultiva a concepção subjectiva de nação, que tem raízes em Ernest Renan, para quem a nação não assentava em critérios como a raça, o território, a língua ou a religião, sendo, na realidade, “uma alma, um princípio espiritual,” no qual os indivíduos concretizam “o desejo de viver em conjunto, a vontade de continuar a fazer valer a herança que se recebeu indivisa.” Mas um certo nacionalismo assente na concepção objectiva, tributária de diversos autores franceses, alemães e britânicos e com especial relevo na cultura germânica, ignorando que a história humana difere da zoologia, parece assistir a uns quantos que se esquecem do que foi e do que ainda hoje é Portugal, cuja Selecção nacional de futebol tem jogadores originários de vários países da CPLP. Por mim, subscrevendo aquele Fernando Pessoa para quem a pátria era a língua portuguesa, preferia cumprir o abraço armilar no futebol e ter num Mundial uma equipa da lusofonia. Já que noutros domínios o triângulo estratégico Lisboa-Luanda-Brasília parece funcionar mal, talvez ajudasse a causa da lusofonia ter na mesma equipa Ronaldo e Neymar, Casemiro e William, Marcelo e Pepe, Gelson e Philippe Coutinho, Danilo e Fernandinho.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 22:45

A bandeira de Porto Rico, plagiada pelos independentistas catalães.

 

Para se ser bom português, há que odiar espanhóis. Não vem ao mundo em Portugal quem não saiba que de Espanha, nem bom vento nem bom casamento.
De facto, nas últimas semanas o lusito exaltou com a intentona independentista catalã, pois crê piamente que inimigos dos inimigos seus amigos são.
Antes, porém, se um português visse um catalão, não o distinguiria de um basco, galego ou de um andaluz, mas as redes sociais dos últimos meses mostram-nos um lusitano culto, com conhecimentos acima da média. Deixou a bola por alguns dias e estudou a História da Catalunha concluindo que desde a Pré-História aquela região reclama pela liberdade subjugada por esses malditos espanhóis.
Desconhece as tentativas de D. Manuel I para reinar na Península Ibérica (Catalunha incluída) ou que a coroa espanhola foi no séc. XIX ofertada a D. Fernando, consorte de D. Maria II, mas garante que Afonso Henriques foi uma espécie de Puigdemont que também realizou um referendo, rasgando à frente da sua mãe, D. Teresa de Leão, a Constituição Espanhola!
Até Miguel Esteves Cardoso embarcou nesta lide romântica, primeiro com um clikbait, usando a ironia para rebaixar o maligno império espanhol, depois para (ainda que monárquico confesso, diz) insultar o rei de Espanha e apoiar o arrimo catalão.
Do português que milita nas redes sociais não espero muito, pois a sua má gramática representa-o. Mas de MEC esperava bom senso, pelo menos no tempo em que era escritor sério e não o actual mau crítico de gastronomia pago por restaurantes de duvidosa confiança. 
MEC tem todo o direito a apoiar qualquer grupo terrorista, em qualquer parte do mundo. Mas convenhamos, basta estudar a sério (e não vale recorrer à Wikipédia) para que perceber que o movimento independentista catalão não é nem nunca foi espontâneo, consensual e orgânico. Um eleitorado urbano de Esquerda, Republicano e Revolucionário constrói, desde o século XIX, a ideia de uma consciência barcelonesa, com que valencianos, habitantes de Navarra, Aragão e franceses não se identificam.
É claro que estamos perante a primeira revolução separatista feita pelas redes sociais. Sem as estratégias violentas da ETA ou do IRA, os separatistas catalães utilizam a manipulação social e mediática. Não há maior arma do que a palavra. Basta analisar o perfil social e político desta gente, como o fez Jorge Almeida Fernandes: «[o independentismo catalão] tem também mais êxito entre pessoas com estudos universitários ou pós-graduações, que é um indicador de classe e indicia rendimentos altos».
Não existem, porém, hoje, Simões Bolivares ou Garibaldis, montados a cavalo e lutando por ideais oitocentistas. O melhor representante da Catalunha é um ex-jornalista, que foge num avião, encena um exílio, transforma-se em mártir de um velho medo imperialista e acena com o odioso franquismo, tão útil às Esquerdas espanholas para justificar toda e qualquer oposição.

Numa coisa MEC tem razão. A apropriação da Península Ibéria pela Hispânia que sempre absorveu o velho reino, hoje república portuguesa, diluiu-nos numa geografia fatal. Mas se pensarmos na ideia da jangada de pedra inventada por Saramago, aquele bocado do calhau que quer separar-se é sinal de naufrágio.
E depois não teremos só espanhóis para odiar. Odiaremos nós os galegos e os andaluzes? Os catalães e os bascos? 
É que orgulhosamente sós nesta jangada estamos nós há mais de 800 anos.
#catalunha #catalonya #puigdemont

publicado às 12:18

PCP patrocina carolino

por John Wolf, em 14.10.17

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O Partido Comunista Português, no próprio dia em que o cão já pode entrar na brasserie, patrocina carolino. Melhor dizendo, patrocina o arroz Carolino (não confundir com Carolina Patrocínio que gasta pouco de isso). O camarada Jerónimo coloca os cotovelos em cima da mesa e chafurda a açorda toda - então e o Bacalhau? Aquele da Noruega, já não conta? Ou será que o seu nacionalismo de Seara Verde apenas se restringe ao arroz Basmati? Pois. Mas há mais na rede. O carapau e o pescado, pescados em águas livres, são de onde? De onde vêm? Quantas léguas marítimas terão feito e será que viram Moby´s Dick? Como podemos ver pela ementa marxista, o gourmand português agora terá de seguir um regime alimentar de índole ideológica. Se a produção agrícola e os custos alimentares é o que está em causa, proponho a bolota e uns bifes de seitan. Mas há mais disparates decorrentes da seca extrema que tomou conta do território continental. Que eu saiba, seja qual for o tipo de arroz, trata-se uma cultura que requer quantidades avassaladoras de água. Enfim. Na sua bandeira de teimosia ostentam a foice e o martelo, mas não percebem nem de uma coisa nem de outra. São comunistas de salão, apreciadores do cante, e quiçá de Kant, mas não pescam nada do cajado. Ou algo quejando.

publicado às 16:36

Make me normal again

por John Wolf, em 21.01.17

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Não é preciso ser cidadão norte-americano para sentir os efeitos de uma presidência nos EUA. Mas é preciso ser cidadão norte-americano (como eu) para sentir os EUA. Por mais que opinem e produzam statements a propósito da eleição de Donald Trump, há vários estereótipos que devem ser rejeitados. A ideia de que eventuais desvios aos princípios que se encontram na fundação da federação americana, e que consubstanciam o genuíno espírito da nação, serão tolerados, sem agravo ou consequência, por largos espectros da população, pela inteligência académica ou pelas grandes corporações de Wall Street. Estamos apreensivos em relação à inauguração de uma nova modalidade, porque nada disto é inédito, mas também não é exclusivo. Se realizarem a sobreposição de slides, verão, sem grandes equívocos, que Theresa May não é uma versão de Donald Trump. May, declama a sua pauta, uma palavra similar embora com variantes de discurso. Em todo o caso, trata-se de um slogan nacionalista e patriota, carregado de sentimento anti-imigração - Make Britain great again. O que está em causa essencialmente é um quadro mental de previsibilidade a que estávamos habituados. Fomos doutrinados durante tantos mandatos políticos que existe uma convenção estável, imutável. Fomos treinados a viver na sombra das consternações que seriam tratadas pelos lideres e representantes partidários. Recebemos em troca amostras de grandes promessas que se esfumaram em metas por alcançar. Aqui e agora, here and now, registamos o inverso. O juramento totalitário à partida, à cabeça. Um conjunto de absolutismos de tudo ou nada, sim ou não, you´re in or get the hell out. Há muito que vinha observando a patologia civil dos EUA - a ideia de autosuficiência intelectual. A ideia de que os outros são dispensáveis. O isolacionismo, implícito na narrativa, é apenas uma extensão natural da genética política, económica e social, construída no país que é a maior amálgama de nações extraviadas do mundo. Agora imaginem o sentimento de indefinição que se atravessa no meu ser. Para todos os efeitos, bons e maus, eu sou um cidadão dos EUA.

publicado às 11:41

E tudo o Web Summit levou...

por John Wolf, em 03.11.16

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Portugal regozija-se por ser a capital mundial de start-ups durante uns dias de Novembro. Mas não passará disso. Alguém que me responda à seguinte pergunta que poderia ser colocada por um sovina-capitalista-empreendedor-americano": digam-me os nomes de empreendedores estrangeiros e respectivas empresas que existam ou tenham vingado em Portugal? Não conheço. Em plena época de graves dúvidas trumpianas, os Estados Unidos da América continua a ser o porto seguro para uma arraia alargada de inventores, génios e empreendedores norte-americanos, mas nascidos "lá fora". Portugal é a antitese dessa realidade. E porquê? Porque a dimensão anónima não existe. Voltámos à mesma questão. É preciso conhecer gente dentro do aparelho. É preciso fazer parte da estrutura de poder. É preciso alavancar o esforço com prémios, estímulos e fotocópias. Faço-me entender? Como descendente de imigrantes alemães que chegaram aos States em 1848, sei do que falo quando refiro o elemento dinâmico da criação e do empreendedorismo. Não houve facilidades, mas também não houve dificuldades acrescidas resultantes da não pertença à textura "nativa". A influência faz-se pelo mérito das ideias, da força dos projectos. Enquanto Portugal não entender esse movimento pendular, de nada serve receber 50.000 empreendedores. Isso não será suficiente para realizar a ignição ou mudar a mentalidade local que não está muito receptiva a incursões excêntricas. A não ser que sejam mercearias de indianos que sempre dão muito jeito quando faltam bananas lá em casa. Não sei se me faço entender. Os mais bem sucedidos de Portugal até poderiam ter nascido em Madagascar ao lado de uma colónia de macacos. Web Summit? Muito bonito. Para inglês ver.

 

(O link inserido no post é 1000 vezes mais importante do que o meu texto. A ler...)

publicado às 12:36

Multi-culturalismo suiço

por John Wolf, em 11.02.14

Aqui está uma sociedade multi-cultural composta por trabalhadores de origem diversa.

 

publicado às 09:26

Colado a cuspo nos CTT

por John Wolf, em 12.12.13

Cada vez que lamber um selo para o colar na carta, pensará que está a realizar fellatio ao Goldman Sachs e ao Deutsche Bank. O facto de estas duas instituições deterem respectivamente 5 e 2% dos CTT, significa que a empresa é apetecível. O contrário seria uma lástima - ninguém os desejar. Portanto, os patriotas do controlo corporativo ou os apologistas de "O que é nacional é bom", não entendem o que está em causa. Diria mais; não percebem que a economia do mundo é um campo aberto com fogo cruzado de interesses económicos. A Portugal Telecom não se expandiu para além de Badajoz, assumindo posições accionistas importantes em telcoms do Botswana e do Brasil? Pois é. E não haverá outras empresas internacionais onde Portugal pode meter a colher? Essa é precisamente a lógica que esteve por detrás dos Descobrimentos dos séculos XIV e XV. O mundo deve ser redescoberto - economicamente e financeiramente, mas de um modo criterioso. Este preconceito sintetizado na adulteração da frase histórica " the russians, germans, chinese or americans are coming" - deve ser rapidamente substituída por outro chip. Que eu saiba Portugal não tem um fundo soberano, gerido com inteligência, para assumir posições em empresas de interesse e alcance global - mas deveria tê-lo, como por exemplo tem a Noruega. As economias e os sistemas financeiros dos países do mundo estão intensamente interdependentes e o conceito de vantagem competitiva já foi abalroado pela noção que podemos participar no sucesso dos outros. Ainda bem que existem pelo menos duas instituições de vulto que analisaram em detalhe as operações dos CTT e chegaram à conclusão de que se trata de uma empresa com grande valor intrínseco. O oposto seria uma miséria. Os governantes e os simples cidadãos devem afastar do seu espectro essa ideia de controlo. Afinal, a maioria das empresas do Estado português foram geridas com controlo monopolista e veja-se o descalabro que foi. São falências operacionais atrás de bancarrotas. Escândalos de swaps e alavancagem. Primos e enteados nas direcções. Reformas obscenas e não sei que mais. Se existe a possibilidade de haver mais stakeholders que sejam detentores de uma parte das empresas portuguesas, significa que estas estarão sujeitas ao escrutínio e ao controlo dos supervisores presentes nas reuniões do conselho de administração. Devemos olhar para este processo dos CTT como um modo de internacionalização sem sair de casa, uma entrega ao domicílio de importantes meios para suprir as faltas sentidas localmente.  Quanto aos selos propriamente ditos, esses podem continuar a ser colados a cuspo. Desse facto não advirá grande mal.

publicado às 10:31

O burro e democrata mirandês

por John Wolf, em 30.11.13

Os portugueses andam com os nervos à flor da pele - e justificadamente. O país encontra-se numa situação de desastre económico-social e, por essa razão, não devem perder tempo com ninharias, burrices. O artigo publicado na versão internacional do New York Times foi arrastado para a arena do sensacionalismo nacionalista como se fosse um ataque à dignidade, ao orgulho e à honra de um país. Os leitores portugueses não apreciam a ironia e denotam alguma dificuldade em lidar com a língua inglesa, mas acima de tudo, ler por entre as linhas, perceber outras mensagens importantes que passam. O artigo sobre o burro mirandês fez mais por Portugal do que se julga - colocou o país no mapa das emergências. Servindo-se da imagem da "burra nas couves" chamou a atenção para o drama nacional. Poderia ter sido a sardinha ou a cortiça da rolha, mas não, foi mesmo o asno - que fala mais alto que os outros. Não devemos esquecer a importância do burro na política. Os democratas americanos são burros, mas os burros não são um exclusivo do sistema político dos EUA. Encontramo-los um pouco por todo o mundo, nos governos nacionais, nos parlamentos e nas juntas de freguesia. Julgo que devemos apenas olhar para a questão de um modo positivo. Seja qual for o veículo (de cavalo para burro), a verdade é que Portugal ganhou exposição mediática com este artigo de opinião asinino, e isso ajuda a alertar consciências para os problemas nacionais. Ou seja, o burro mirandês tornou-se arma de arremesso político, carrega também o fardo da luta contra a Austeridade. Alguém perguntou ao burro mirandês o que ele pensa sobre o assunto? Acho que tem direito de resposta. Uma coisa é certa - já não anda apenas à nora. Tornou-se uma estrela internacional, a capa de um jornal de grande tiragem. O galo de Barcelos que se cuide que este animal não anda a brincar.

publicado às 08:40

Röpke e a Economia Humana

por Samuel de Paiva Pires, em 24.03.13

Roger Scruton, "The Journey Home - Wilhelm Röpke & the Humane Economy":

 

«The Eurocrats tolds us, when John Major weakly agreed to the Maastricht Treaty, that it was all OK, that national sovereignty would not be sacrificed, that the principle of subsidiarity applied, and that all decisions pertaining to the nation and its specific interests would be taken at the national level, by elected Parliaments. But then comes the catch: it is the European Commission, not the national parliament, which decides that a given issue pertains to the specific interests of a given nation state. National sovereignty is therefore delegated from above, by an unelected Commission which is in the hands of its permanent staff of bureaucrats rather than in those of the sheepish politicians who have been shunted there from parliaments where they are no longer wanted. The principle of ‘subsidiarity,’ which purports to grant powers to local and national bodies, in fact takes them away, ensuring that powers that were once exercised by right are now exercised on sufferance. ‘Subsidiarity’ confiscates sovereignty in the same way that ‘social justice’ confiscates justice, and the ‘social market’ confiscates the market.

So what is the alternative? What was Röpke getting at, and how should we respond to the problems that he wished to address—the problems of social fragmentation and the loss of community feeling, in a world where the market is left to itself? There are those—Milton Friedman, for example, or Murray Rothbard—who have powerfully argued that a genuinely free market will ensure the good government of human communities, through the self-restraining impulse that comes naturally to us. But their arguments, however sophisticated, are addressed to Americans, who live among abundant resources, free from external threat, surrounded by opportunities and in communities where the volunteer spirit survives. And they do not confront the central question, which is how communities renew themselves, and how fundamental flaws in the human constitution, such as resentment, envy and sexual predation, are to be overcome by something so abstract and neutral as consumer sovereignty and free economic choice.

Röpke’s own idea, if I understand him rightly, was that society is nurtured and perpetuated at the local level, through motives that are quite distinct from the pursuit of rational self interest. There is the motive of charitable giving, the motives of love and friendship, and the motive of piety. All these grow naturally, and cause us to provide for each other and to shape our environment into a common home. The true oikos is not a cell shut off from the world, in which a solitary individualist enjoys his sovereignty as a consumer. The true oikos is a place of charity and gift, of love, affection and prayer. Its doors are open to the neighbours, with whom its occupants join in acts of worship, in festivals and ceremonies, in weddings and funerals. Its occupants are not consumers, except obliquely, and by way of replenishing their supplies. They are members of society, and membership is a mutual relation, which cannot be captured in terms of the ‘enlightened self interest’ that is the subject matter of economic theory. For extreme individualists of the Rothbard kind life in society is simply one species of the 'coordination problem,' as the game theorists describe it—one area in which my rational self-interest needs to be harmonized with yours. And the market is the only reliable way that we humans know, or could know, of coordinating our goal-directed activities, not only with friends and neighbours, but with all the myriad strangers on whom we depend for the contents of our shopping bags. Membership, if it comes about, is simply another form of quasi-contractual agreement, whereby we freely bind ourselves to mutual rights and duties.


Who is right in this? Well, the position that I have attributed to Röpke is to me transparently obvious, whereas that which I have attributed (for the sake of argument) to Rothbard is to me profoundly mistaken. (...)
»

publicado às 19:24

Pseudo-nacionalistas portugueses e lições de História

por Samuel de Paiva Pires, em 04.04.11

Já há uns tempos publiquei aqui este vídeo. Fica novamente à consideração dos preclaros leitores. Um dos momentos mais lúcidos de Marcelo Rebelo de Sousa. De resto, se a alguém aprouver, também há uns tempos publiquei aqui umas breves notas sobre os conceitos de nação, nacionalismo e estado

 

 

publicado às 01:04

Os luxemburgueses, têm a sorte de poder contar com um Chefe de Estado que não representa qualquer partido ou grupo de amigos com interesses obscuros. Esta é uma realidade que os portugueses, habituados a noticiários exótico-presidenciais, desconhecem por completo. País onde existe uma grande comunidade portuguesa, o Luxemburgo tem vivido os seus dias de uma crise que embora bastante incipiente, tem assustado alguns sectores da classe média. O facto é habilmente aproveitado pelos descerebrados National Bewegong, desejosos de poderem proceder à expulsão dos "estrangeiros que apenas poluem o país"(sic). Na mira estão os imigrantes portugueses - a grande maioria -, franceses e jugoslavos. Conhecendo-se as áreas profissionais ocupadas por esses imigrantes, a pouco iluminada gente do National Bewegong, bem poderá esperar a substituição dos europeus por outro tipo de estrangeiros, mais precisamente aqueles de que a França, países escandinavos, Espanha, Bélgica e Alemanha se queixam.

 

Tal como o seu tio Alberto II dos belgas e o seu primo Hans-Adam II do Liechtenstein, o Grão-Duque Henri é várias vezes descendente da Casa de Bragança e decerto sentir-se-á insultado pelo atrevimento de alguns dos seus conterrâneos. Umas poucas palavras seriam bastante oportunas e suficientes para o restabelecimento do equilíbrio e bom senso.

 

É lógico dizer-se que os maiores inimigos dos nacionalistas portugueses, são os nacionalistas dos outros países. Para que conste.

publicado às 18:01

Nacionalismo e liberdade económica

por P.F., em 10.01.10

Numa versão livre de degenerações datadas e localizáveis, o Nacionalismo é o ideário que melhor protege a propriedade e a iniciativa privada. Apenas um Estado forte na sua autoridade e no prestígio e seriedade que transmite pode pôr cobro ao nepotismo da banca, de monopólios e de outros grupos de pressão, tais como as diversas máfias, que coarctam a iniciativa privada e viciam e manipulam o mercado livre. A propriedade privada não existe sem autoridade do Estado, isto é a entidade que garantirá o cumprimento de uma Constituição que salvaguarde princípios e valores na defesa de Portugal e dos Portugueses, para lá de qualquer carga ideológica ou classista, assim como de um corpo de leis que lhe sejam de feição.

A tradição nacionalista portuguesa, antes de as neologias anticristãs surgirem nos anos 80, caracterizada pela observância dos princípios históricos do municipalismo e do ecumenismo católico, não vai ao encontro de um Estado centralizador e macrocéfalo, típicos do socialismo, do fascismo e de outros ismos tais, nem tampouco de regionalismos artificiais, mas sim do princípio do autogoverno local.

De resto, a História pode ensinar aos mais livres de preconceitos que a temperança a partir da qual, e apenas da qual,  florescem as economias nacionais, a paz social e uma classe intelectual instruída e interveniente provém de governos que tiveram como prioridade principal a defesa da soberania e  como guia de orientação os valores dos seus países e da tradição cristã que lhes era subjacente.

publicado às 02:09

(Paper elaborado no âmbito da disciplina de Agenda do Pensamento Contemporâneo, leccionada pelo Professor José Adelino Maltez ao 1.º ano do Mestrado em Antropologia, frequentada pela minha pessoa como disciplina opcional do Mestrado em Ciência Política)

Como praticamente todos os ismos que concretizam conceitos postulados pela teoria política, também sobre o conceito de nacionalismo se pode encontrar abundante bibliografia. Aliás, outra coisa não seria de esperar, se partirmos do pressuposto que o nacionalismo é, à semelhança do nazismo, comunismo e jacobinismo, um fenómeno moderno[1].

Sendo um fenómeno político, social e cultural associado ao que comummente designamos por Modernidade, não pode deixar de ser paradoxal a sua aparente e até ilusória relação com uma pretensa ideia de Antiguidade, associada a uma suposta consciência nacional, que nos remete para a origem da nação. Para se entender o conceito de nacionalismo, é necessário colocá-lo em perspectiva como concretização prática, romântica e ideológica da ideia de nação.

A nação, que no século XXI é a mais universal forma de vida política em comum – não admira, portanto, que frequentemente se escreva que “failed states need to enhance their nation building” -, é sempre perspectivada como encontrando justificação num passado longínquo. No entanto, a palavra nação só muito recentemente foi introduzida no vocabulário e na terminologia política, pelo que, naturalmente, “national claims to seamless antiquity can be relied on to be false”[2] 

Quando os conceitos se desprendem da teoria, ganhando vida e aplicação na realidade e, consequentemente, corpo histórico, acabam por surgir em seu torno ideias falsas, como é o caso. E não só ideias falsas, que à academia e à ciência cabe desconstruir e clarificar, mas também entendimentos diversos. Importa, por isso, relembrar que “na ciência política não há afirmações indiscutivelmente verdadeiras, primeiros princípios, verdades eternas, mas apenas afirmações prováveis, susceptíveis de discussão e de adequação às realidades”[3]. 

Como tal, e a título de exemplo das acepções diversas e da falta de consenso acerca dos conceitos em análise, para Ernest Renan “A existência de uma nação é, perdoem-me esta metáfora, um plebiscito de todos os dias, como que a existência de um indivíduo, é uma afirmação perpétua de vida”, enquanto para Théodore Delos “A nação surge quando se dá a passagem da comunidade de consciência à consciência de se formar uma comunidade”[4]. Mas desta comunidade, por mais pequena que seja, segundo Benedict Anderson, não conseguiremos conhecer todos os membros, embora no nosso imaginário vivamos em comunhão[5]. Desta forma, a nação seria apenas uma comunidade imaginada, em que o sentimento de pertença e os laços que nos unem, não são mais do que fabricações construídas por processos de socialização e formação da personalidade.

A nação, poderia assim ser colocada como produto de um efeito Torre de Babel, se pensarmos que genericamente a uma nação corresponde uma cultura, língua, história e eventualmente, embora não necessariamente, uma etnia – o que não é verdadeiro, como veremos, mas ajuda a perceber o ponto de vista do efeito Torre de Babel, ou seja, a divisão dos povos em diversas línguas e raças, para não se entenderem. E se uma nação, de acordo com Joseph von Görres, é “tudo o que é estrangeiro”, se nos definimos ou somos definidos como nação por oposição ao que não somos, torna-se evidente o efeito Torre de Babel produzido como resposta ao projecto Iluminista e à Kantiana ideia de comunidade universal. Não deixa de ser irónico que, procurando o Iluminismo, por via da Razão, combater a Religião, a nação se tenha tornado a laicização desta última, por via de um efeito Torre de Babel, pelo menos na Europa continental, servindo como pressuposto do moderno Estado-nação. Isto é, quando no final do século XVIII e início do século XIX, Napoleão Bonaparte pretendeu construir um novo Império na Europa, talvez não tivesse a percepção que viria a provocar uma transformação nas relações internacionais, em que a ideia de nação criaria as mais profundas divisões entre povos que provavelmente nunca antes tiveram consciência nacional, apesar de já se encontrarem enquadrados politicamente por um Estado.

Tendo ganho relevo a partir da Revolução Francesa, a ideia de nação tornou-se em larga escala um substituto dos valores de comunhão e comunidade da Religião, passando a ser o foco de tensão principal entre os povos, originando acepções colectivistas derivadas do nacionalismo (o racismo, por exemplo), que inspiraram movimentos totalitários e autoritários, como o fascismo, o nazismo ou o comunismo. Provavelmente, em toda a História da Humanidade, nenhuma outra ideia esteve na origem de tão devastadora destruição, ao criar um sentimento de fraternidade que, de acordo com Benedict Anderson, tornou possível “over the past two centuries, for so many millions of people, not so much to kill, as willingly to die for such limited imaginings”[6].

Mas o que é, afinal, a nação e o nacionalismo? Etimologicamente, nação vem do latim natio, que significa nascimento, raça, espécie, tipo, tribo[7], pelo que, genericamente, quando surgiu no século XVIII, “Nation meant, very roughly, what we sometimes mean by a people, when we are thinking of them as distinct from others, particularly in terms of birth or descent. It was thus applied most easily to strangers and, for this and other reasons, was readily used to refer to the Jewish people”[8]. 

O elemento determinante na origem do conceito foi, como já referimos, a Revolução Francesa, que substituindo um rei absoluto por um povo absoluto, procurou manter a soberania através do conceito de nação, que, de acordo com José Adelino Maltez, “sendo invocado como elemento de contrapoder, no sentido de sociedade natural contra o Estado, logo se foi transfigurando ora em povo revolucionário, ora em corpo político[9]. A este se apôs o entendimento germânico, que aproveitou o facto de ter uma nação dispersa por diversos Estados e territórios para gerar um “conceito de nação de povo orgânico, procurando justificar a passagem de uma Kulturnation para uma Staatsnation”[10].

Estes dois entendimentos correspondem, grosso modo, à distinção entre nação entendida de forma subjectiva e de forma objectiva. A concepção objectiva é tributária de diversos autores alemães, franceses e britânicos, não apenas da concepção racial germânica, como sejam Gobineau, Otto Amon, Vacher de Lapouge, Augustin Thierry e H. Stewart Chamberlain. A componente germânica não deixa de ganhar particular relevo, definindo-se nação “por um conjunto de características objectivas, exteriores e hereditárias que se impõem aos indivíduos”, nomeadamente, “a raça ou etnia, a língua, depois o território, os costumes e a religião”, que se constituem como critérios definidores de uma nação, “facto que alheia o nível de consciencialização e qualquer atitude voluntária por parte das populações em questão”. Conclui António de Sousa Lara que, desta forma, “a nação é algo que acontece às pessoas. A pertença ou não pertença a dada nação, pode assim verificar-se, mas não se pode discutir”[11].

Por outro lado, a concepção subjectiva, tem como grande precursor o já referido Ernest Renan, autor que desde logo aponta factos que obstam à concretização da nação assente em noções de raça, território, língua ou religião. Nem a Alemanha escapa à mistura de sangue, até porque a história humana difere da zoologia; os Estados Unidos e a Inglaterra, a América espanhola e Espanha, Portugal e o Brasil, são apenas exemplos de diferentes nações que falam a mesma língua, ao passo que a nação suíça alberga várias línguas; a religião tornou-se, em grande parte, um assunto do foro individual, em que cada um crê e pratica o que quer; e, por último, em relação ao território, acreditar que os limites de uma nação advêm da geografia, é apenas uma arbitrária justificação para a violência[12]. Definindo-a primeiramente de forma negativa, i.e., em relação ao que não é, Renan conceptualiza positivamente a nação como “uma alma, um princípio espiritual. Duas coisas que, a bem dizer, são apenas uma, este princípio espiritual. Uma está no passado, outra no presente. Uma é a posse em comum de um rico legado de recordações; a outra é o consentimento actual de, o desejo de viver em conjunto, a vontade de continuar a fazer valer a herança que se recebeu indivisa. O homem não se improvisa. A nação, como o indivíduo, é o resultado de um longo passado de esforços, sacrifício e dedicação”[13].  A este respeito, diz-nos António de Sousa Lara que a nação entendida de forma subjectiva é “uma atitude quase contratual do indivíduo que aceita ou recusa pertencer a dada experiência histórica com todas as consequências que essa atitude possa envolver no presente e no futuro, quer para ele, quer para a experiência em questão. A charneira da definição está, assim, situada ao nível da vontade e dos sentimentos íntimos dos indivíduos”[14].

É um erro tentar que uma das acepções predomine sobre a outra. Na realidade, cada nação forma-se de acordo com uma narrativa histórica única e irrepetível, em que estão presentes componentes de ambas as correntes, complementando-se e não excluindo-se, embora o grau de influência de cada uma varie de caso para caso. Assim, “a Suíça e o Brasil são exemplos da predominância do vector subjectivista, enquanto para as grandes tribos negro-africanas e para a Nação judaica e para a árabe, por exemplo, tenha sido predominante o vector objectivista[15].

No que concerne ao nacionalismo, importa realçar que o vocábulo e adjectivação de nacionalista, surge pejorativamente como qualificação dos aristocratas franceses em relação e reacção aos revolucionários jacobinos, e foi o “Abade Augustin Barruel que, numas Mémoires pour Servir à l’Histoire du Jacobinisme, em 1797, pela primeira vez, utilizou o ismo: o nacionalismo ocupou o lugar do amor geral (…) Foi assim permitido desprezar os estrangeiros, enganá-los e ofendê-los. Esta virtude foi chamada patriotismo”. Efectivamente, partindo dos ensinamentos de Rousseau, confundem-se os conceitos de nação com a vontade e o interesse geral, como narrativa justificativa do ódio aos étrangers à la nation - como foram qualificados os membros da nobreza e do clero, cerca de meio milhão de pessoas -, ao ponto de um conhecido autor e teorizador sobre a democracia totalitária, Jacob Leib Talmon, ter assinalado que “a partir do jacobinismo, o conceito de nação restringe-se naturalmente àqueles que se identificam com a vontade e o interesse geral: os outros não pertencem efectivamente à nação: são alienígenas[16]. Também para Eric Hobsbawm, o nacionalismo, “by definition excludes from its purview all who do not belong to its own nation, i.e., the vast majority of human race[17].

Não deixa de ser irónico que tendo o conceito de nação surgido à esquerda, com os jacobinos, tornando-se a nação uma categoria meramente utilitária, inventada por activistas políticos para alcançar determinados objectivos políticos, se venha a verificar também uma difusão do conceito à direita, através da “ideologia do Estado burocrático e centralizado”[18].

É assim que, a partir do século XIX, se geram duas perspectivas de nação, que inicialmente contradizendo-se, acabaram por originar a mesma “tirania racional e o consequente terrorismo de Estado[19]. Como assinala José Adelino Maltez, “O nacionalismo francês, de matriz jacobina, republicanista e democratista, gerou um novo iluminismo cidadanista que, em nome do Estado, destruiu os direitos naturais e originários. Deste modo, eis como um cidadanismo massificado acabou por sufocar o libertacionismo individualista, quando transformou o indivíduo, portador de direitos naturais e originais, num cidadão dotado de direitos civis concedidos pelo Estado. Por se lado, o objectivismo, que teve como matriz o culturalismo germânico, apontou para uma nação linguística e étnica, tendo como consequência, o nacionalismo zoológico do racismo hitleriano. O primeiro, gerou a centralização política, administrativa e cultural, promovida pela burocracia, pelo exército de conscrição e pela escola pública obrigatória, com os seus livros únicos. O segundo levou às teorias do espaço vital, a teoria dos grandes espaços com Estado-director, com as anexações e as conquistas”[20].

Embora tenha origem num processo revolucionário que se pretendeu racionalista, é com a ascensão da corrente literária do romantismo que, ao longo do século XIX, o nacionalismo se torna uma “explosão sentimental, contrariando deste modo, o classicismo, considerado por Camus como o domínio sobre as paixões, mesmo as paixões colectivas, bem como a confiança nas palavras, utilizadas com prudência”[21].

Importa, no entanto, destrinçar uma certa confusão entre nacionalismo e patriotismo. Paul Gilbert realça desde logo a concepção de Harold Nicholson, de que o patriotismo inglês não é nacionalista, já que "English pride is not the complacency and self-satisfaction about the countrv that fosters them”[22]. Embora seja frequente a sugestão de que o nacionalismo é um tipo de sentimento de lealdade à nação, pode tão facilmente ser equacionado em conjunto com o patriotismo como em contraste com este. Mas, na realidade, o nacionalismo não é um sentimento, ao contrário do patriotismo. O nacionalismo poderá, quanto muito, originar sentimentos patrióticos. O patriotismo, por seu lado, não necessita do nacionalismo para ser criado, já que é o amor por um país, seja ele considerado em termos nacionalistas ou não. Como assinala Gilbert, “nationalism (…) involves, among other things, a belief about the proper object of patriotism – namely, one’s nation. Putting this belief together with someone’s belief as to what his nation is will naturally lead him to patriotism. It may be natural, therefore, to confuse the sentiment of patriotism to which nationalism gives rise with the belief that it consists in, but such a view would be mistaken. And similarly mistaken would be the view that nationalism is a sentiment of the same order as patriotism, but to be contrasted with it because it is the wrong sort of feeling or the right sort of feeling directed at the wrong sort of object”[23].

Acresce que, estando a nação ligada à concepção moderna de Estado, não tardou muito que, a partir de um romantismo exacerbado e sentimental se passasse ao juridicismo do princípio das nacionalidades, “segundo o qual cada nação tem direito a constituir um Estado soberano”, dando corpo à proclamação de Jospeh Delos de que “a nação personaliza-se estatizando-se”[24]. Vai-se assistir a um conflito entre duas entidades distintas, Estado e nação, com nações repartidas por diferentes Estados a buscarem a unificação, e outras a buscarem a independentização face a Estados de que já faziam parte. Tendo-se gerado diversos modelos de nacionalismo (supranacionalismo, colonialismo, separatismo, regionalismo, anticolonialismo e autodeterminação), não deixa de se verificar na realidade que continua a existir uma dissonância entre Estado e nação, persistindo um paradoxo constituído por “separatismos centrífugos e unificações centrípetas: porque há povos repartidos por vários Estados (veja-se o caso dos curdos); porque há povos que procuram constituir-se em Estados (v.g. o caso da nação palestiniana); porque há povos que pretendem reivindicar o estatuto de minoria nacional institucionalizada dentro de um determinado Estado (v.g. os catalães); porque há Estados que incluem vários povos e nações (v.g. o Estado espanhol); porque há Estados que procuram construir nações (v.g. o caso de grande parte dos Estados afro-asiáticos, com fronteiras traçadas na era colonial)”[25].

Por tudo isto, o nacionalismo para além da devastação provocada com a ascensão dos totalitarismos que tentaram colocar utopias perfeccionistas em prática, esquecendo-se que os homens são imperfeitos por natureza, até porque, como afirmava Fernando Pessoa, uma “cousa perfeita deixa sempre suspeitas de não-existência”[26], nos nossos dias, de acordo com José Adelino Maltez, continua a ser a principal origem das tensões conflituais: “O conflito permanece (…) com inúmeros nacionalismos que em nome de nações pretendem alterar a configuração dos Estados existentes pela desintegração, unificação, expansionismo ou integração”[27].  

Muito fica por dizer, especialmente se consideramos, como assinalámos no início, a abundante bibliografia e a falta de consenso que está na base dos mais diversos entendimentos deste que é um dos fenómenos mais prementes da Modernidade. Por isso, em jeito de conclusão, importa realçar que o “conceito de nação varia conforme o tempo, o espaço e a unidade política que o pretende invocar”, sendo cada nacionalismo “marcado pelos mais variados paradigmas, conforme as circunstâncias”. Mas, todos eles “tendem para o futuro e todos tentam acreditar numa idade de ouro passada, procurando restaurar uns quaisquer anos de glória que teriam, outrora, acontecido”. No fundo, o nacionalismo “tanto pode invocar o passado, o regresso às origens com o respectivo culto pela tradição, como provocar um construtivismo progressista e reformador. Tanto pode iluminar conservadores como revolucionários; tanto pode ser liberal como autoritarista; tanto pode pugnar pelo centralismo como pela descentralização. Os fins da unidade nacional justificam, com efeito, todos os meios e instrumentos ideológicos, pelo que, neste sentido, o romantismo nacionalista também é, paradoxalmente, maquiavélico”[28].

Porém, se o nacionalismo inspirou praticamente todas as transformações políticas desde o século XIX, tendo sido instrumentalizado para os mais diversos fins, já “o conceito de nação situa-se, com efeito, na zona de fronteira entre a história e a poesia”[29], havendo “tantos conceitos de nação quantos os sonhos desses diversos povos nacionais”[30]. “Cada nação é sempre um grupo humano mais a sua circunstância, que tanto encara mitologicamente o respectivo nascimento e crescimento, como visiona poeticamente o seu futuro. Logo, torna-se absolutamente impossível capturar racionalmente um conceito geral e abstracto de nação”, como é apanágio das diversas tentativas de ensaios jurídicos, politológicos e filosóficos que “tentam aprisionar o conceito”[31].

Nada melhor do que finalizar com o reconhecimento da nossa ignorância, como ensinavam Hayek e Popper, reconhecendo os limites da razão e relembrando a observação de Harold Laski de que “o nacionalismo é uma concepção subjectiva que escapa a qualquer definição concebida em termos científicos”[32].

 

Referências Bibliográficas

Bosworth, R. J. B., Nationalism, Harlow,Pearson Education Limited, 2007.

Gilbert, Paul, The Philosophy of Nationalism, Boulder, Westview Press, 1998.

Gray, John, A Morte da Utopia, Lisboa, Guerra e Paz, 2008.

Lara, António de Sousa, Ciência Política – Estudo da Ordem e da Subversão, Lisboa, ISCSP, 2005.

Maltez, José Adelino, Princípios de Ciência Política – Introdução à Teoria Política, 2.ª Edição, Lisboa, ISCSP, 1996.

Maltez, José Adelino, “Nação”. Disponível em http://maltez.info/aaanetnovabiografia/Conceitos/Nacao.htm. Consultado em 21/11/09.

 

 

Notas 

[1] Cfr. John Gray, A Morte da Utopia, Lisboa, Guerra e Paz, 2008, p. 124.

[2] Cfr. R. J. B. Bosworth, Nationalism, Harlow,Pearson Education Limited, 2007, p. 1.

[3] Cfr. José Adelino Maltez, Princípios de Ciência Política – Introdução à Teoria Política, 2.ª Edição, Lisboa, ISCSP, 1996, p. 24.

[4] Cfr. José Adelino Maltez, “Nação”. Disponível em http://maltez.info/aaanetnovabiografia/Conceitos/Nacao.htm. Consultado em 21/11/09.

[5] Cfr. R. J. B. Bosworth, ob. cit.,  p. 5.

[6] Cfr. Idem, ibidem, p. 5.

[7] Cfr. António de Sousa Lara, Ciência Política – Estudo da Ordem e da Subversão, Lisboa, ISCSP, 2005, p. 239.

[8] Cfr. Paul Gilbert, The Philosophy of Nationalism, Boulder, Westview Press, 1998, p. 8.

[9] Cfr. José Adelino Maltez, Princípios de Ciência Política – Introdução à Teoria Política, ob cit., p. 392.

[10] Cfr. Idem, ibidem, p. 392.

[11] Cfr. António de Sousa Lara, ob. cit., pp. 240-241.

[12] Cfr. Idem, ibidem, pp. 242-243.

[13] Cfr. Idem, ibidem, pp. 243-244.

[14] Cfr. Idem, ibidem, p. 244.

[15] Cfr. Idem, ibidem, p. 246.

[16] Cfr. José Adelino Maltez, ob cit., p. 396.

[17] Cfr. R. J. B. Bosworth, ob. cit.,  p. 33.

[18] Cfr. José Adelino Maltez, ob cit., p. 397.

[19] Cfr. Idem, ibidem, p. 438.

[20] Cfr. Idem, ibidem, p. 438.

[21] Cfr. Idem, ibidem, pp. 392-393.

[22] Cfr. Paul Gilbert, ob. cit., p. 4.

[23] Cfr. Idem, ibidem, ob. cit., p. 5.

[24] Cfr. José Adelino Maltez, ob. cit., p. 399.

[25] Cfr. Idem, ibidem, p. 399.

[26] Cfr. Idem, ibidem, p. 24.

[27] Cfr. Idem, ibidem, pp. 399-400.

[28] Cfr. Idem, ibidem, p. 441.

[29] Cfr. Idem, ibidem, p. 441.

[30] Cfr. Idem, ibidem, p. 443.

[31] Cfr. Idem, ibidem, p. 443.

[32] Cfr. Idem, ibidem, p. 443. 

publicado às 11:43

Um dos momentos mais lúcidos de Marcelo Rebelo de Sousa

por Samuel de Paiva Pires, em 23.03.09

Em menos de um minuto explica acertadamente o que não é ser de direita e nacionalista em Portugal. Se Salazar fosse vivo, imagino o quanto não ficaria assustado com muita gente que, infelizmente, se apropria do seu nome e ensinamentos, tal e qual como os comunistas que se dizem marxistas sem nunca terem lido Marx. Afinal, os extremos estão sempre mais perto do que à primeira vista se possa pensar. E como costumo dizer, em vez de verem novelas ou futebol (desporto que também em Portugal é cada vez mais uma novela, só assim se explica esta idiotice do Prós e Contras de hoje), "vão ler livros"!

 

publicado às 23:21






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