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1983

por Nuno Castelo-Branco, em 14.10.16

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 Estávamos em 1983, na fase final da Guerra Fria. Não costumo falar das minhas experiências, mas neste caso abrirei uma excepção. Fui convidado pelo então deputado Borges de Carvalho, para participar num seminário da NATO a realizar-se em Pont-à-Mousson, nas cercanias de Nancy, numa abadia magnífica e adaptada para este tipo de encontros. Um serviço onde a gastronomia e civilidade francesa era acompanhada por um horário de trabalho intenso com professores e militares provenientes de alguns dos países-membro da coligação ocidental. Como colegas portugueses tive um sobrinho do presidente da A.R. de então e o actual primeiro-ministro António Costa. 


Naquele momento a NATO encontrava-se sob esmagadora pressão militar, política e mediática após uma fase de refluxo da presença do ocidente em todo o mundo, perda de influência à qual não foi estranha a derrota americana no Vietname e mais importante ainda, como então sublinhei a quem pacientemente quis ouvir-me, a catastrófica perda de todas as possessões de um dos países fundadores da Aliança Atlântica, deixando assim oaqueles que deveriam ter sido os interesses euro-americanos perigosamente fragilizados nas vias de acesso do grande comércio internacional marítimo, para além da evidente segurança militar que a existência de portos, costas e ilhas amigas representavam. Abertamente o afirmei a quem do outro lado do Atlântico ali chegou para um misto de doutrinação, aulas e talvez prospecção de futuros quadros de confiança. Nunca mais fui convidado para coisa alguma e muitos anos mais tarde percebi o porquê, mea culpa,  quando os outros dois portugueses, então muito mais parcos nas palavras, bem depressa chegaram aos lugares que pretenderam. Nestas reuniões aparentemente procuravam alguns yes, Sir! e a minha personalidade não lhes pareceu cumprir este requisito. 

O que lhes terei dito que tenha soado tão mal aos seus ouvidos? 

Começando por criticar rispidamente toda a política norte-americana quanto ao seu relacionamento institucional com um aliado formal como era, sempre foi e é Portugal, foi em silêncio que escutaram a minha longa lista de protestos plenamente justificados com números e factos e sempre em termos comparativos com as outras prioridades internacionais das administrações que teoricamente se sucederam na Casa Branca. A posição dos EUA na Indochina, os erros crassos, quando não abusos descarados, na relação americana com todos os países da zona, confirmando o fetiche soviético pelo dominó; o disparatado boicote do esforço de guerra português na guerra em África, precisamente em três frentes onde o ocidente poderia ter feito a diferença; o estranho caso da quase gratuita Base das Lajes, sempre em comparação com o despejar de biliões de dólares para sempre irremediavelmente perdidos em Subic Bay e Cam Rahn; a total falta de informações relevantes, obrigatoriamente no âmbito da aliança a fornecer a Portugal e bem pelo contrário, a passagem delas para o campo adversário por intermediários vizinhos dos portugueses. 

Em algumas conversas fora das salas, dois dos militares então presentes concordaram com praticamente tudo o que lhes dissera e encolhendo os ombros - não encontro imagem mais apropriada - disseram-me que não podiam corrigir o mal já feito e ultrapassado em quase uma década. O pior é que estes reconhecidos erros terão durado o tempo suficiente para serem corrigidos ou minorados, atendendo à evolução claramente negativa do conflito na Indochina e a duas consecutivas guerras no Médio Oriente, onde Israel em 1973 seria salvo in extremis, mercê de uma massiva ponte aérea na qual os Açores jogaram uma parte muito relevante, sem que por isso Washington sequer aconselhasse o seu preferencial aliado a moderar a retórica anti-portuguesa nas Nações Unidas. Retorquiu um deles que para o Pentágono, Portugal apenas era uma landing beach a saturar com bombas e mísseis antes do desembarque dos G.I. Assim mesmo, a seco e um tanto ou quanto já sem paciência para a repetição do reconhecimento dos apontados erros. 

Neste período cheio de incertezas, a Base das Lajes vai sendo notícia de forma discreta, não procurando - e bem - as autoridades de Lisboa agitar oceanos que apenas poderão muito prejudicar o nosso país no seu todo territorial. Tem alguém a mais pequena dúvida disso? A viagem de Costa à China não serviu apenas para o estreitamento de relações comerciais luso-chinesas, disso deveremos estar tão certos como o Sol despontar a leste todos os dias.

Existe um facto incontornável que pela sua perenidade de imediato deverá estar sempre presente a quem, seja quem for o partido que domine o poder em Lisboa, se encontre em qualquer tipo de negociações em relação à preciosa possessão portuguesa situada em pleno Atlântico norte: mesmo que os EUA retirem todo o pessoal que tem povoado a Base das Lajes, decerto Washington ali manterá um corneteiro e um soldado que ali diariamente hasteie a bandeira estrelada. Os símbolos conformam toda a importância que têm e neste caso, a Base é de facto um local privilegiado no preciso momento em que o alargamento do Canal do Panamá promete intensificar ainda mais as ligações marítimas do resto do mundo com a até hoje abastada Europa, agora, apesar da censura dos media, sob um ataque total proveniente do exterior. Poderão argumentar os portugueses e os seus hipotéticos convidados, venham eles de onde vierem, com  intenções meramente científicas ou comerciais, mas deverão sempre ter em conta que os americanos jamais admitirão um único corneteiro, para além do seu, naquelas ilhas. Muito menos ainda, aviões, navios, blindados, mísseis, soldados ou técnicos militares que sequer de longe possam representar uma passagem de testemunho. Esta é a realpolitik com que temos de nos conformar e se são totalmente desejáveis e imprescindíveis as novas relações de comércio e troca de conhecimentos entre Portugal, a China, a Índia, a Rússia, o Brasil e até outros países europeus que connosco ainda participam na bastante incerta U.E., a questão da posse militar do arquipélago açoriano é um escolho imenso, intransponível. Para além da praticamente segura perda dos Açores, o nosso país não pode ser um alvo de qualquer tipo de campanha hate ou ter Lisboa a servir de alvo como foi Belgrado. 

Hoje a NATO tal como existe é questionável, urge mesmo a sua rápida reforma após as colossais decepções decorrentes da queda do comunismo soviético. Há que avisar todos os nossos aliados acerca desta urgência incontornável e de preferência, numa reunião magna, diante do mundo.

Previa-se a anexação do território da zona soviética da Alemanha e a neutralização ao estilo finlandês dos países do Pacto de Varsóvia, outrora servos de Moscovo. Não foi isso o que aconteceu, para grande desilusão russa, preparada como estava para aceitar a retirada do território da RDA, mas que hoje vê com legítima inquietação a grotesca, aberrante tentativa de incluir a Ucrânia numa aliança que parece cada vez mais tentacular e devemos dizê-lo sem rebuços, unilateral e capa de desculpa para acções que apenas a um dos seus membros interessam. Muito legitimamente, os russos sentem-se ameaçados directamente e para isso bastará passarmos nós, os aliados ocidentais, as nossas vistas sobre a lista de bases ocidentais espalhadas de ocidente a leste e a sul da Rússia. Em política, a psique funciona e nalguns casos é mesmo um factor determinante.

A NATO surgiu com propósitos defensivos, até de garantia de progresso material e liberdade numa Europa destruída pela guerra e ódios seculares. Cumpriu plenamente o seu papel e obteve, graças à persistência e claras insuficiências e contradições internas do sistema soviético, uma vitória certamente esperada. Nos anos de 1989, 1990 e 1991 bateram-se palmas de alegria, cantaram-se hinos, unificou-se uma nação dividida arbitrariamente e num ápice desapareceram os Estados totalitários que oprimiam os próprios povos, mantendo-os numa abjecta sujeição a um suserano externo, fatalmente incompetente no que interessava - o conforto material, a liberdade de expressão e circulação -  e brutalmente impiedoso. 

Hoje começamos a ouvir ao longe o inconfundível rufar dos tambores da guerra. Num momento em que os russos nunca viajaram tanto, num momento em que os russos livremente lêem e escrevem tudo o que entendem, num momento em que os russos são uma sociedade de consumo muito exigente e valiosa para o conjunto europeu, num momento em que os russos investem, compram e viajam na Europa, estamos perante aquilo que durante os anos de chumbo que foi a Guerra Fria jamais sucedeu: a iminência de um conflito militar de larga escala, onde, queiram ou não queiram os mais optimistas, as armas nucleares serão usadas, mesmo que pontualmente. Não serão apenas utilizadas na Europa, mas também além Atlântico, ...precisamente onde mais lhes dói, segundo o dizer de um conhecido russo.  A Síria será então um pretexto tão ínfimo como o Caso Gleiwitz. 

Em 1939, o governo então presidido por Salazar encontrou-se perante o dilema de se situar entre a potência tutelar, o então enfraquecido Reino Unido que connosco fazia fronteiras na África e na Ásia e uma Alemanha plena de vigor e espírito expansionista. Salazar sabia que não podia quebrar com os ingleses como sempre prepotentes na chantagem sobre o nosso império e em simultâneo, também tinha a plena consciência do que poderia advir para Portugal ao antagonizar-se com o Reich.

Declarada a guerra a 3 de Setembro, o Presidente do Conselho foi à Assembleia Nacional e ali manifestou a fidelidade portuguesa à Velha Aliança e em simultâneo declarou a neutralidade. Pois é disso mesmo que os nossos aliados têm a imperiosa necessidade de recordar e que o então meu colega de três semanas, António Costa, hoje primeiro ministro, deverá, em caso de inopinada e impensável necessidade,  integralmente copiar. Mesmo morrendo, salvaremos a face em relação aos poucos que ficarem para contar a história. 




publicado às 22:11

Incirlik

por Nuno Castelo-Branco, em 20.07.16

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 Que Israel possui uma enorme e ilegal quantidade de armamento nuclear, esse é um segredo tão bem guardado como a inclinação da Torre de Pisa. Nas imediações não existe qualquer outra potência nuclear a não ser o Paquistão, muito mais a leste e que perigosamenteas obteve graças ao beneplácito do nosso aliado americano. Seguir-se-á o Irão, disso já não existe a menor dúvida.  


O que era praticamente ignorado pela grande maioria da opinião pública europeia, é a já muito antiga presença de armas nucleares na base americana de Incirlik, ponto essencial de apoio a operações naquela parte do mundo, sejam elas para manter uma vigilância apertada sobre Tartus - uma das três bases com denominadas task forces que os russos mantêm fora das suas fronteiras -, seja para o cada vez mais disparatado apoio a "forças combatentes" no teatro de operações sírio, inclusivamente alguns movimentos que como a Frente al-Nusra são declaradamente anti-ocidentais e muito retintamente suspeitos de parcerias com um Estado Islâmico misteriosamente equipado com armamento alegadamente capturado no Iraque. Nada é por acaso.

Quando da resolução da Crise dos Mísseis de Cuba, Kennedy terá concedido a Kruschev a retirada dos correspondentes americanos plantados na Turquia, no então flanco sul da União Soviética. Foi este um acordo informal e jamais cumprido, uma concessão que salvou a face dos dirigentes do Kremlin, uma troca-por-troca que as superpotências perante o resto do mundo assumiram até à implosão da URSS. Caído o regime comunista vitimado pela sua própria prepotência - nesta se incluindo a desastrosa intervenção no Afeganistão -, vertiginoso despesismo militar, miséria material extensiva a toda a população que não era membro do Partido, procedeu-se a um refluxo das fronteiras controladas pelos russos: saída da Polónia, Checoslováquia, Roménia, Hungria, Bulgária e extinta RDA do Pacto de Varsóvia, ditando o fim do mesmo.

A Rússia regressou aos tempos em que a sua presença territorial se limitava grosso modo ao traçado anterior ao reinado de Catarina II, a Grande, a alemã Sofia de Anhal-Zerbst que tomou a maior parte da Ucrânia, toda a Bielorrússia, a Lituânia e mais uns tantos territórios no Cáucaso. Permaneceu em actividade  a Base de Tartus (Síria) e como apoio logístico a Base de Cam Ranh que já servira a marinha americana no Vietname. As restantes, todas elas situadas em territórios outrora componentes da União Soviética, contam-se pelos dedos  de duas mãos e mesmo estas são de vários tipos: as que se encontram na Arménia, Geórgia e Moldávia, contam com forças de intervenção de dimensão apreciável, enquanto as outras contêm essencialmente centros de comunicações e radar. Sebastopol é um caso diferente, pois regressou ao controlo directo de Moscovo e o ocidente deveria estar preparado para reconhecê-lo. 

O que sucedeu após o fim do regime soviético? Não só foi o território da RDA incluído no dispositivo militar da NATO - e a Alemanha, procurando dissipar os naturais receios russos, procedeu a um rápido e infeliz desarmamento -, como rapidamente se verificou que os antigos componentes do Pacto de Varsóvia, incluindo os Países Bálticos, foram admitidos um após outro na Aliança Atlântica. Os russos talvez esperassem a criação de uma zona tampão que fosse de Narva a Odessa, mas as expectativas saíram-lhes goradas pelos factos. Um gratutito insulto acompanhado pelo ostensivo desprezo pela psicose de cerco que o Kremlin experimenta uma vez mais. Isto teve claras implicações na forma como as autoridades russas passaram a olhar para ocidente - melhor dizendo, para os EUA -, situação ainda mais premente quando este procedeu a uma política de massive basing nas imediações da Rússia. Neste âmbito, a Turquia era uma peça anterior ao colapso da URSS e por isso, a situação não era para o Kremlin novidade alguma. A Ucrânia é, queiramos ou não, um terreno vedado à NATO. 

Algo se passou desde 1991 e não valerá a pena desfiarmos o trágico rosário que é bem conhecido pelos crentes de qualquer missa televisionada até à exaustão. Todos fomos regular e insistentemente enganados nas expectativas e isso causou o ultraje nas mentes de uma imensidão de partidários da Aliança Atlântica. Há humilhações que não se esquecem ou perdoam e esta é uma delas.

Sem sequer considerarmos a hipótese de uma miraculosa conversão russa aos genéricos padrões que vigoram na Europa ocidental ou nos EUA, o massive basing acompanhado pelas catastróficas intervenções no Iraque, Líbia e mais actualmente na Síria, provocaram o gradual aumento da tensão desde o Báltico até ao Golfo Pérsico. O factor determinante que diferencia a liderança russa? Goste-se ou não da personalidade, esta chama-se Putin.

As comicamente denominadas primaveras árabes que de Tunes a Bagdade derrotaram todos os autoritários regimes laicos que tinham nascido após a descolonização, conduziram a Europa a um beco em que ainda hoje se encontra, ainda por cima agravado pela clara subversão interna, esta muito diferente de outras ocorridas nos anos sessenta e setenta, de cariz meramente político. O islamismo definitivamente passou a radical bandeira política eivada de messianismo, esta é a realidade que deveremos em definitivo entender. As responsabilidades são várias e devem ser partilhadas. Do que ninguém tem necessidade, é do acirrar de qualquer situação que possa provocar outros casos de escalada de violência militar na qual a Europa será o alvo que agora se encontra totalmente indefeso. Os países europeus estão mercê daqueles que internamente provocam os tumultos com dizeres "politicamente correctos" e mediaticamente da moda e por outros factores externos e totalmente incontroláveis por Paris, Londres e Berlim: despejar em descarado suborno, montões de dinheiro em mãos tão ou ainda mais corruptas como as dos doadores, é má política. Péssima! 

A ser verdade - e é mesmo -, o que ainda estão dezenas de perigosas armas nucleares a fazer na Turquia? Com que fim se justifica a sua presença naquele país que, há que dizê-lo sem rebuços, não é de mínima confiança relativamente àquilo que julgamos ser o padrão político, social e militar ocidental? Este exército turco que na distraída opinião pública europeia passa no teste porque parece ser alegadamente laico, é sem dúvida corruptíssimo e as acusações de roubo, nepotismo, auxílio a terroristas do E.I. que genericamente são feitas a Erdogan e ao seu partido, apenas são possíveis devido à colaboração das autoridades militares que com mão de ferro controlam as fronteiras turcas. É um exército oriental, muçulmano, com isso carregando toda a tralha que a gloriosa história lhe confere. No actual contexto, essas armas nucleares não estão seguras, encontrando-se à mercê de um qualquer golpe de mão.

Quem autorizou os nossos aliados - supondo-se que a Base de Incirlik pertence ao dispositivo da NATO - a ali manter armamento daquele tipo?  

publicado às 10:50

Novas realidades, as velhas certezas

por Nuno Castelo-Branco, em 27.01.15

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Contrariamente ao que muitos pretendiam, o caso ucraniano  parece ter passado para um plano muito secundário nas preocupações da imensa maioria dos europeus. Sem de forma alguma questionar-se a independência da Ucrânia, a situação tem evoluído para um estado de ponto morto sem grandes avanços ou recuos por parte de qualquer um dos contendores.  Esta é a situação que agora mais interessa ao Kremlin, para já assoberbado com problemas económicos e pressões das facções que se digladiam em torno de V. Putin.

No ocidente, poucos quiseram entender quais os limites que deveríamos impor à nossa Aliança no superior interesse da paz na Europa e na evidente necessidade de podermos contar com a colaboração russa noutras áreas geográficas que constituem a vizinhança próxima e ameaçadoramente instável, ou seja, todo o Magrebe, a zona do Suez e o Médio Oriente. De nada serviram as advertências passíveis de retirar de qualquer manual básico de história, fazendo-se pouco ou nenhum caso de eventos que para o bem e para o mal, continuam muito presentes na psique russa. A natural sugestão de uma finlandização da Ucrânia - ou seja, a progressiva adopção de uma economia e de um tipo de organização política do Estado - que a aproximasse da UE, em simultaneidade com uma certa neutralização que tranquilizaria Moscovo, foi loucamente ignorada no quadro dos principais decisores na Aliança Atlântica. Cometeram-se flagrantes erros, concederam-se demasiados incentivos ou informais garantias a responsáveis políticos como Sikorski - e inacreditável audiência à sua sempre enervada cônjuge em ambicionado tirocínio para a Secretaria de Estado -, num plano tal, que muitos apontaram de imediato um recôndito desejo de revisionismo de fronteiras. Tal será possível, mas apenas com o recurso ao desencadear de uma guerra muito diferente daquela que temos em Donetsk e Lugansk. É impossível encontrar qualquer consenso europeu para uma catástrofe desta dimensão.

A ninguém passa despercebida a evocação do período imediato a 1919, com tudo o que isso significa em termos de reordenamento territorial e demarcação de áreas de influência, quando não de reservada e ainda não ostensivamente declarada reivindicação de novas fronteiras. Parece ser avisado o recurso à tentativa de uma visão mais alargada deste problema artificialmente criado logo após a liquidação da aventura soviética, quando as fronteiras foram delineadas segundo o risco arbitrariamente imposto pelo caído regime de Lenine, Trotsky, Estaline, Kruschev e Brezhnev. Ficções que serviram para formalmente garantirem uma aparência de realidades nacionais nas Nações Unidas, foram herdadas por novos Estados internamente pouco coerentes e com situações económicas agravadas pela implosão daquilo que foi o frágil mercado interno soviético. O episódio da Crimeia, já consumado e sem retorno, é apenas o exemplo mais flagrante, podendo lobrigar-se outros na zona do Cáucaso ou nas imediações da fronteira romena. O cerne de toda a questão pode resumir-se ao alinhamento da vasta região que se chama Ucrânia - não se esquecendo a Moldávia - num dos potenciais blocos em presença, ou seja, a UE e apêndice NATO, ou o regresso à esfera de influência russa. Sabe-se que o Kremlin condescenderia com uma finlandização que até proporcionaria claras vantagens políticas e económicas, afastada que estaria a ameaça militar e a ofensa a patrióticos brios desde sempre cultivados pelos russos, seja qual for o regime vigente. 

 

Na Europa, há quem tenha entendido serem os EUA o essencial elo - tem sido esta a realidade - que pode manter a pressão sobre Moscovo, conhecendo-se também a cada vez maior relutância de algumas potencias continentais - França, Alemanha e agora, ainda num plano secundário, a Polónia - no enveredar de uma declarada política de confronto directo que de antemão significa graves prejuízos para os interesses económicos e de segurança geral. Ao longo dos últimos vinte anos, os americanos têm-se paulatinamente distanciado dos assuntos europeus, apenas intervindo na ilusória esperança de poderem manter a omnipresença saída de 1945, com o recurso a avanços pontuais na criação ou resolução de crises na Europa balcânica e de leste.  Apenas um exemplo? A crise jugoslava que se desenrolaria ao longo de anos e culminaria no Kosovo. Todos já percebemos serem outras as prioridades que a ascensão da China impõe, embora a zona de segurança próxima da Europa - Cáucaso e Médio Oriente - signifique algo mais que perímetros defensivos de índole meramente militar. A verdade é outra, verdade esta que não escapa a regra económica e o reordenamento do (des)equilíbriio de forças na região onde a Turquia e o Irão passaram a ser agentes activos e muito interessados. O reconhecimento disto? Após a catastrófica queda do regime do Xá Reza Pahlavi e o resvalar do Irão para a colecção de inimigos sagrados, temos a progressiva abertura da administração Obama a um relacionamento com Teerão, ao abjecto regime dos aiatolás, logo se seguindo outras aproximações entre as quais a de Portugal - um Estado naturalmente satélite de Washington - é apenas um, entre outros exemplos. 

A crise do Euro e das dívidas soberanas, fez estremecer a já aparentemente consolidada relação de forças na Europa, com o bastante perceptível volver das atenções alemãs para leste, para a sua tradicional zona de influência forçosamente a partilhar com a Rússia fornecedora de matérias primas e de um mercado continental que ultrapassa a Sibéria e chega ao Mar do Sul da China. Apesar do patético e inútil alarido tablóide contra Merkel - imaginemos então o que seria, se em vez de Merkel tivéssemos um dirigente da categoria de Schmidt, por exemplo -, os alemães vão tentando manter a construção europeia que herdaram do período anterior à queda do Muro. Por muito que isto desagrade aos garimpeiros da mina da culpabilidade real ou imaginada, esta é a verdade. Contudo, os apressados alargamentos que consumaram a agora periclitante União, não foram de molde a conceder mais consistência ao mercado e muito menos ainda, à moeda única outrora insistentemente exigida por uma França aterrada pela reunificação da Alemanha. Atrás dos alemães que agora praticamente desarmados, não podem ser acusados de belicismo, estão praticamente todos os países da Europa central, do norte e do leste, todos eles interessados na tranquilidade e satus quo das fronteiras, ciosos pelo cuidar da economia e não descurando o fornecimento de matérias-primas onde a energia tem a parte de leão. A perspectiva de bons negócios para o longo prazo, dita a progressiva alteração das políticas daqueles Estados pertencentes a uma UE aparentemente em rápido processo de disfunção, sendo cada vez mais evidentes os interesses divergentes entre o norte e o sul, assim como entre o leste e o oeste. 

 

O regime de Putin é avesso às conhecidas realidades  políticas e sociais para cá do Óder? É, mas agora, pela primeira vez desde há cem anos, nunca os russos compraram e consumiram tanto, viajaram, leram, livremente viram e fizeram tanto teatro e cinema sem "licença do Partido". Sobretudo, estes russos investiram de tal forma, que dissiparam muitos dos receios quanto a invasões protagonizadas por tanques ou Spetsnaz caídos do céu. Putin obteve assim alguma condescendência na zona do Danúbio e talvez, nas margens do Egeu onde decerto poderá envidar  esforços para um aumentar da sua influência em países onde a ortodoxia - no laicizado ocidente europeu, o factor religioso é escassamente considerado, um tremendo erro de cálculo dos decisores políticos - consiste num factor muito importante. Além de tudo isto, os europeus estão extremamente receosos daquilo que ocorre no norte de África e no Levante, conscientes do que hoje significam as importantes comunidades muçulmanas que sem qualquer dúvida, mantêm-se bastante silenciosas ou discretas quanto à condenação das barbaridades que quotidianamente nos chegam pelos noticiários. Se se trata de receio pela pressão moral e física de minorias activistas, ou de um resignado contentamento por aquilo que pode ser considerado como um certo revanchismo relativo ao bem patente naufrágio civilizacional do islão ao longo dos últimos seis séculos, isso não podemos garantir.

Putin apresenta-se a muitos como um aliado natural, tal como outrora o autocrata Nicolau II foi ansiosamente aguardado como o salvador militar - o mito do Rolo Compressor russo - da laica e republicana França de Poincaré, Clemenceau e Ribot. Sabe-se que o sucesso no Marne em boa parte se deveu à invasão da Prússia Oriental no verão de 1914, tal como o resultado de Verdun teve muito a ver com as operações russas na Galícia austríaca. Mais tarde, Estaline apresentar-se-ia a leste, como o mais plausível aliado das ultra-capitalistas potências anglo-saxónicas muito lestas no apagar das memórias sangrentas da implantação do regime soviético, das fomes induzidas e massacres conducentes ao Holodomor, das Grandes Purgas e do Pacto de 31 de Agosto de 1939. A lealdade ocidental para com a Polónia, não impediu o ocultar da conhecida verdade - desde 1943-44 - acerca de Katyn, um pequeno pormenor no vasto panorama oferecido pela gestão de interesses contraditórios entre as potências aliadas e o poderoso José Estaline.

 

Chegou ao fim, o já longo período de transição pós-Queda do Muro. 

 

Pelos vistos, nesta Europa do início do século XXI, mais que nunca ameaçada interna e externamente, os russos bem depressa passarão a ser encarados como incontornáveis - desejados ou não desejados - parceiros. Aqui está o primeiro dado, aquele que sendo tão evidente, relevante e para alguns desagradável, parece contudo invisível para quem pretende manter a equação impossível: manter a hegemonia na Europa, dela se retirando e estabelecendo-se noutras paragens. O caso da Base das Lajes é neste contexto, apenas mais um entre inúmeros exemplos.  

publicado às 14:35

Equívocos na Atlântida

por Nuno Castelo-Branco, em 19.01.15

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O presidente do governo regional açoriano quis jogar forte na audiência televisiva, sugerindo uma renegociação do acordo celebrado entre os Estados Unidos da América e Portugal -  é esta, a  ordem de apresentação do mesmo, há que dizê-lo -  quanto à Base das Lajes. Contabilizemos então os equívocos do potentado regional:

 

1. Portugal não cedeu as facilidades de bom grado. Salazar era um estadista sempre desconfiado das intenções americanas quanto à Europa. Desconfiava da própria essência da organização interna e  internacional que dava e dá pelo nome de EUA, assim como da sua génese e progressivo alargamento, talvez ainda tendo presente a Guerra de Cuba que aos espanhóis arrebatara a ilha caribenha, Porto Rico e as Filipinas. Desconfiava da forma como Washington via a posição da Europa no mundo. Desconfiava das intenções americanas quanto à soberania que potências europeias - Grã-Bretanha, França, Portugal e Países Baixos - exerciam na África, Ásia, Insulíndia e América. 

Durante o período crítico em que decorria a Batalha pelo Atlântico, os Estados Maiores americano e britânico pressionavam os decisores políticos no sentido de eliminar-se aquilo que designavam de buraco do Atlântico, ou seja, aquela parte que correspondia à situação que a neutralidade portuguesa criava no vital centro de passagem dos comboios de reabastecimento que da América do Norte - EUA e Canadá - saíam em direcção às Ilhas Britânicas e União Soviética. Winston Churchill detestava Salazar, nele vendo alguém que ao contrário daquilo que já era consuetudinário na política do Foreign Office, não se deixava facilmente tutelar, principalmente quando desde o rescaldo da I Guerra Mundial, o Reino Unido passara para um indisfarçável segundo plano. Esta era uma situação que contrariava aquilo que Oliveira Salazar considerava desejável, pois no seu íntimo, a Grã-Bretanha significava não apenas um mal menor, mas também a estabilidade no inevitavelmente citado equilíbrio do poder na Europa e sobretudo, a segurança do património imperial português. Isto não significava a aceitação incondicional daquilo que durante séculos fora uma tutela internacionalmente reconhecida. Na Declaração de Guerra de 1916, o governo imperial alemão escrevera isso mesmo, ou seja, Portugal era um vassalo da Inglaterra e agira em conformidade no caso do apresamento dos navios alemães surtos nos nossos portos.

A evolução da situação na Europa alterara-se profundamente após o crash de 1929. A Itália afastou-se do núcleo forte dos Aliados vencedores, enquanto a ascensão de Hitler significara um exponencial aumento do poderio alemão no centro do continente. A consequente anexação da Áustria, dos Sudetas, a subordinação da Boémia-Morávia e a retrocessão de Memel, significaram uma clara alteração do mapa e o progressivo resvalar de toda a Europa central e de uma boa parte dos Balcãs para a órbita de Berlim. A isto, poderemos ainda acrescentar a vitória de Franco na guerra civil espanhola. 

Estiveram previstas várias expedições que num golpe de mão se apoderassem dos arquipélagos portugueses dos Açores, Madeira e Cabo Vede, consolidando não apenas a presença anglo-saxónica no Atlântico Norte que garantia as comunicações com a Grã-Bretanha e a URSS, como a segurança de Gibraltar, Malta e toda a zona envolvente do Canal de Suez. Salazar resistiu até ao limite, talvez sendo informado do avolumar das pressões que a partir de 7 de Dezembro de 1941, também tiveram a decisiva contribuição da administração de Roosevelt. Aí estava o perigo maior que se avizinhava, aliás agravado com os ainda recentes acontecimentos em Timor, onde a uma ocupação australiana, rapidamente se sucedera a japonesa. Todos conhecemos qual o argumento de troca que Lisboa apresentou para a voluntária concessão da base: a devolução de Timor após a derrota do Japão. 

As condições foram aceites - no início pareceram limitar-se à presença britânica, logo alargada à americana - e o pós-guerra não alteraria a situação. Por vários motivos bem conhecidos, ao regime interessou a rápida inclusão portuguesa na esfera de defesa liderada pelos americanos e assim foi Portugal convidado a ser um dos países fundadores da OTAN.  A Base das Lajes passou então a teoricamente obedecer a um esquema defensivo mais vasto, quiçá solidário para com todos os restantes países componentes da Aliança. Este é o pressuposto da letra do tratado, quando de facto, as profundas alterações verificadas no Médio Oriente, criaram outras situações que totalmente escapariam ao controlo por parte do governo português, mesmo que este alguma vez fosse contactado para a tomada de qualquer decisão vital para o posicionamento nacional na própria ONU. Ao longo de trinta anos, a Base das Lajes valiosamente contribuiu para segurança e sobrevivência de Israel. Não será necessário contabilizarmos a intensa e decisiva ponte aérea durante a Guerra do Yom Kippur, para chegarmos a esta conclusão que não escapava aos decisores do Pentágono e aos seus adversários do Kremlin. Se Portugal obteve algumas vantagens pela carta branca forçosamente concedida aos EUA, essa é uma outra discussão possível, na qual também poderão desfiar-se os infortúnios ditados por boicotes, proibição da utilização de armas "da OTAN" - pertencentes na realidade a Portugal - nas frentes africanas, a quebra da solidariedade no próprio Atlântico Norte - guerra na Guiné e inclusão de Cabo Verde nas pretensões do PAIGCV, por exemplo -, além do inegável financiamento dos inimigos de Portugal, etc. Nada disto é contestável, corresponde a uma realidade apenas confirmada após os acontecimentos de Abril de 1974, quando sabemos que a invasão indonésia de Timor, apenas foi possível com o pleno acordo de Kissinger e G. Ford. Esta é a realpolitik a reconhecer, gostemos ou não gostemos do termo. 

Concluindo este primeiro ponto, o governo regional açoriano deveria avaliar concretamente qual o verdadeiro poder soberano exercido por Lisboa sobre o arquipélago e em reflexo, quais as reais possibilidades de decisão do executivo de Ponta Delgada. 

 

2. O presidente do governo regional aponta a necessidade de revisão do Acordo das Lajes. Mas em que termos? Questões do reequipamento das Forças Armadas, quando os tanques, blindados sobre rodas, navios da Armada e artilharia são provenientes de outros parceiros europeus? Em princípio, estamos todos de acordo, pois as profundas alterações na situação internacional verificadas com o fim da URSS, legitimam a pretensão. Outros exemplos também poderiam servir de argumento, como os autênticos caudais de gigantescos auxílios prestados pelos EUA às Filipinas - muita dessa ajuda volatilizada pela corrupção e indevida apropriação da mesma por conhecidas oligarquias -, compensando a utilização de Subic Bay, algo que jamais teve uma correspondência, por muito ténue que fosse, quando comparamos aquela realidade com as Lajes. 

O problema volta a ser, aquele acima apontado, incontornável, e que se prende com o estatuto do nosso exercício da soberania.

 

Portugal exerce uma soberania limitada, há que reconhecê-lo e mesmo que neste caso contasse com a unânime solidariedade europeia, tal coisa não modificaria a específica situação dos Açores. Assim sendo, os americanos poderão até chegar ao ponto de deixarem nas Lajes um único representante que se limite ao quotidiano hastear e arrear da sua bandeira, sem que isso signifique uma substancial alteração do estatuto das ilhas, ou melhor,  da Base. 

3. A concessão das facilidades a outras potências.

Esta é uma ilusão oratória que apenas satisfaz aqueles que no confronto político à cata da popularidade fácil, não atendem à realidade tal como ela se apresenta. O valor das Lajes consiste única, exclusivamente, na sua capacidade de assistir militarmente quem desta base se sirva. O presidente regional acena com a hipótese chinesa, como se tal argumento fosse plausível para quem, no Pentágono, avalia constantemente as possibilidades de defesa e o poder exercido sobre aliados que sem dúvida, são muito secundários quanto à tomada de decisões, mesmo que esses aliados sejam potências como o Reino Unido, a França, a Alemanha ou a Espanha.

Uma estação comercial chinesa nos Açores? Como e porque razão tal se alvitra, sabendo-se do que representará para o comércio marítimo o alargamento do Canal do Panamá e a abertura de outra via similar nas suas imediações? Até Sines será um argumento mais credível para os ansiosos do mundo dos negócios. Que artifícios noticiosos encontrarão para o contentar da opinião pública? Uma estação meteorológica? É risível tal sugestão, pois sabemos que os EUA jamais permitirão uma utilização das Lajes por terceiras potências, mesmo aquelas que pertencendo à UE, nem por isso deixam de ser as acima apontadas parceiras muito secundárias no esquema mais vasto da defesa dos interesses americanos. A Europa é meramente instrumental, a evolução nos últimos vinte anos assim o confirma. 

Embora fiquemos muito contrariados nos pátrios brios, é duvidoso vislumbrar-se outra situação nos Açores, senão o progressivo definhar daquela outrora essencial base. A verdade é que não temos qualquer força para podemos conceder facilidades a outros, pois aqueles que dela se serviram, jamais tal coisa adimitirão. Mesmo se fosse possível confirmar-se o valor de um entreposto comercial da zona, um acordo luso-chinês seria imediatamente vetado. Pior ainda, o potencial económico de toda a zona marítima envolvente, poderá significar um ainda maior controlo da nossa soberania que é, tal como acima se disse, bastante limitada.

Mesmo que por milagre conheça a sempre informalmente invocável Doutrina de Monroe no seu sentido mais lato, o presidente do governo regional açoriano sempre poderá dizer o que bem entender. Quanto ao fazer ou não fazer, essa já é outra história, decerto detestável, humilhante. Mesmo que o pretendessem, nem ele, Sr. vasco Cordeiro, nem Cavaco Silva, Soares, Sampaio, Durão Barroso, Passos Coelho, trezentos Guterres ou qualquer outro, poderão acalentar quaisquer veleidades quanto a este assunto.  É este, o beco em que o nosso país há muito se encontra. 

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Adenda: às 16.55h, saíu de Belém o Sr. Vasco Cordeiro, não sem antes ter falado à imprensa. Ou ainda não entendeu bem quais os limites dos poderes de decisão daquilo a que chama República Portuguesa, ou todas as suas palavras têm como destinatário o mediático fast-food do consumo interno. Estupefacto pela "forma como Portugal tem sido tratado neste caso", talvez pudesse consolar-se recorrendo à memória da história. A não ser assim, tudo o que possa dizer não passará de inconsequente  wishful thinking

publicado às 08:16

Na fronteira da estepe

por Nuno Castelo-Branco, em 20.11.14

 

1. Um ataque preventivo?

Foi com surpresa que nos primeiros dias da invasão de Junho de 1941, o Alto Comando da Wehrmacht foi recebendo relatórios da frente de combate, interessando-se especialmente pela quantidade de material destruído ou capturado ao Exército Vermelho. Centenas de milhar de homens aprisionados ou postos fora de combate, milhares de aviões abatidos ou pregados ao solo dos aeródromos militares, a inacreditável quantidade de peças de artilharia com que os alemães depararam e sobretudo, uma contabilidade final de perto de 17.000 veículos blindados que se amontoavam nas imediações da linha de demarcação estabelecida em Setembro de 1939, após a ocupação da Polónia por exércitos alemães e soviéticos.

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Dispositivo dos exércitos alemães e soviéticos em 22 de Junho de 1941 


A tradicional doutrina militar russa tem como norma a defesa em profundidade e desde os tempos de Pedro o Grande,  esta foi uma constante repetida ao longo de mais de dois séculos. A campanha napoleónica conheceu o calcinante pó que em turbilhões fustigava os seus regimentos durante a longa e penosa caminhada em direcção a Moscovo, para logo depois ser essa poeira substituída por outros torvelinhos, desta vez gelados, mortíferos. Durante a Guerra da Crimeia os Aliados não fizeram grande figura, tendo os russos conseguido empastelar uma invasão em grande escala. Décadas depois, os exércitos do Czar Nicolau II, apesar da clara inferioridade material, puderam ceder todo o território que hoje pertence à Polónia, aos Países Bálticos e uma boa parte da Ucrânia, sem que isso significasse o colapso da essencial segunda frente que queiram ou não queiram reconhecer os Aliados ocidentais, foi determinante para o resultado final da guerra. 

 

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A frente sudeste em 21 de Junho de 1941 

O que estaria então Estaline a preparar naquele distante ano de 1941? A concentração de efectivos de toda a ordem indiciava algo muito diferente de um dispositivo meramente defensivo, apesar de alguns poderem argumentar com a desorganização causada pelas Grandes Purgas que quase eliminaram a cúpula e o poder combativo do Exército Vermelho.  Acreditar na inocência daquela gigantesca concentração de meios, seria cultivar o sonolento prazer de imaginarmos o Alto Comando soviético ter infantilmente errado no gizar do seu dispositivo guarda-fronteiras. Parece uma impossibilidade, verificados os acontecimentos no início do verão de 1941.

A história foi e ainda é naturalmente contada pelos vencedores da IIGM, mas não será absurdo considerar a hipótese de Estaline ter apenas sido ultrapassado pela belicosidade do Führer. De facto, a comoção pela fulminante queda da França e a rápida passagem de todo o espaço balcânico para o controlo do Eixo - não esquecendo o realinhamento da Hungria, Roménia e Bulgária com a Alemanha -, levou Estaline a considerar a guerra como inevitável e a concentração de meios nas fronteiras é o melhor indício da intenção de uma guerra preventiva, somando-se às suas declarações nos conciliábulos do governo soviético e nos discursos proferidos no abrigado secretismo do Comité Central do PCUS. A verdade é que Hitler surpreendeu o seu parceiro do Pacto de 23 de Agosto de 1941, enquanto o Vozd  aguardava a consolidação do seu dispositivo ofensivo para o início das hostilidades. Pouco tempo antes, os oficiais soviéticos de visita ao Reich, com desagrado comentavam o equipamento blindado que os seus congéneres alemães apresentavam para vistoria, declarando estarem os oficiais do Panzer Amt a esconder os modelos mais recentes. Quando as fábricas russas já  produziam grandes quantidades de blindados KV e T-34, a visão dos Panzer III e IV suscitavam a incredulidade, dada a notória inferioridade em relação ao equipamento que a URSS produzia em segredo. Para o oficialato russo, os seus congéneres alemães estavam a ser desleais. ocultando o que de mais valioso e moderno estavam a construir e a fornecer aos depósitos militares da Wehrmacht. Aquilo que os soviéticos tão bem sabiam fazer, claramente julgavam recíproco do outro lado da fronteira política e ideológica. Deste modo, muitos são os elementos que indiciam uma decisão soviética para um  desencadear do conflito para um momento daquele mesmo ano de 41. A posição estratégica era de facto muito favorável, pois à posse da Ucrânia ocidental e de parte da Rússia Branca arrebatadas à Polónia, somava-se a clara vantagem obtida com a anexação dos três Países Bálticos, não podendo nós esquecer a Moldávia, anexada após um violento Ultimatum entregue em Bucareste. Se é hoje difícil imaginar-se o que teria resultado de um antecipado ataque russo a ocidente, não será abusivo considerarmos as dificuldades que teria causado  aos alemães. 

 

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20-11-2014, Putin inaugura no Kremlin, a estátua homenageando Alexandre I. A mensagem é clara.

 

2. Uma fronteira de segurança?

Não existe hoje qualquer concentração militar que seja comparável à existente em 1941. Os meios e doutrinas militares são muito distintos, a tecnologia é outra e a situação política é, apesar dos recentes acontecimentos, de paz europeia. Serve este longo intróito para abordar o problema que para os militares e políticos russos é uma fronteira que consideram desadequada aos seus esquemas defensivos em profundidade. Se atendermos às realidades que as cartas geográficas agora comprovam, a Rússia encontra-se grosso modo, na situação em que o Tratado de Brest-Litovsk a deixou após a rendição bolchevista de 1918, com a agravante de agora ter no seu flanco sul, ameaças que seriam impensáveis há cem anos, às quais se acresce a poderosa China - actualmente um aliado de circunstância - e a miríade de países que de tão instáveis, são um elemento a considerar. Inevitavelmente, a Rússia consiste num claro objectivo do expansionismo doe extremismo islamita, ou por outras palavras, um assunto que a toda a Europa interessa.

É muito difícil imaginarmos hoje, uma concentração militar russa  tão vasta e potente como aquela conseguida por Estaline na Primavera de 1941, ou a outra, por nós bem conhecida e que na Europa central se manteve até ao início dos anos 90 do século XX. É bem notório o estado de impreparação do exército russo para qualquer aventura de largo espectro, encontrando-se nestes dias numa fase de reorganização e reequipamento. Exército, marinha e força aérea são incomparavelmente inferiores aos correspondentes dos seus possíveis adversários norte-americanos e não sendo este um aspecto desconhecido ou desconsiderado pelos nossos aliados, talvez possa servir de justificação para muitas das atitudes que se têm sucedido nos últimos anos. É certa a suposição de na última década ter a Rússia investido muito na defesa anti-aérea, colocando em campo novos e sofisticados sistemas de mísseis que aparentemente poderiam contrabalançar a supremacia das forças aéreas da NATO, ou mais propriamente, a USAF.  Isto não significa uma suficiente força dissuasora de um ataque vindo do ocidente. Não é descabida a ilusão perigosa de um conflito clássico sem a utilização de armas nucleares tácticas, sendo este um puro  exercício de wishful thinking. As armas existem e serão utilizadas, mesmo que de forma limitada, num caso de desespero. Daí à escalada - mesmo que também limitada a alguns secundários alvos além-Atlântico - vai um passo que dependerá de qualquer imponderável. Qualquer diplomata russo declara-o sem qualquer pejo e não podemos contar com qualquer alegação de bluff, pois este é o pior cenário possível de apresentar aos países componentes da Aliança Atlântica. Por outro lado, o subir da parada ocidental vem assegurar indefinidamente a sobrevivência do governo de Putin, estando hoje todos os russos colocados perante a quase intimação de um Unconditional  Surrender sem guerra, quase um émulo daquele outro saído da Conferência de Casablanca e que tão nefastos efeitos provocou no seio da oposição interna alemã. Má política, ignorância crassa, ignóbil arrogância e sobretudo, péssima propaganda engendrada e difundida urbi et orbi pelo nosso próprio campo.

As colossais e desastrosas derrotas em Minsk, Brest, Smolensk, Kiev/Briansk-Viazma e a certeza dos Panzer a pouco mais de 30Km de Moscovo, eis o inesquecível legado daqueles meses de 1941. É esta uma obsessão dos militares e políticos russos. Se a independência dos Países Bálticos pode para muitos russos ter sido considerada como inevitável e até aceitável, a perda da Ucrânia e de metade do Cáucaso consistiu num desastre que apenas poderia ser limitado, se aqueles territórios fossem pelo menos neutralizados. Parece ser esta última, a posição que um antigo secretário de Estado da dimensão de Kissinger, queria apontar como apropriada a uma política ditada pela consideração das realidades. A psicologia também deverá ser indissociável da condução dos negócios públicos e nisto os russos não fogem à regra. Tem sido clara a apresentação de argumentos tendentes a confirmar a suposição de insegurançarussa , nisto copiando-se num arremedo de interpretação a própria da Doutrina de Monroe, algo que há mais de um século os nossos aliados correctamente têm apresentado em relação ao chamado hemisfério ocidental. Um caso? O dos Mísseis de Cuba, ao qual e com alguma boa vontade poderemos juntar Granada e a Nicarágua-Contras. Se a isto somarmos o orgulho ferido de uma superpotência que jamais o deixou de ser - nem que pelo argumento da sua dimensão, posição geográfica, amontoado de recursos económicos e poder militar -, temos então um quadro bastante completo que na sua complexidade, deverá ser cuidadosamente  encarado pelos potenciais adversários. Ao longo de décadas, o ocidente tem fornecido aos russos todos os argumentos que hoje prodigamente utilizam em benefício da sua aparentemente errática política externa. Não é errática, é intencional e mais a ocidente, a Alemanha sabe-o. Pior ainda, a nossa própria actividade em certas áreas do globo, parece contradizer os interesses ocidentais quando considerados a longo prazo. Isto é tão válido para o âmbito europeu, como para as zonas mais próximas dos países integrantes da NATO, como o Médio Oriente, o Mediterrâneo Oriental e o norte de África. Avoluma-se a suspeita da intenção de um indefinido alastrar da Aliança Atlântica que hoje em dia, consultando os seus componentes, deixou de justificar o nome com que foi baptizada em 1949. A certeza que fica, é a de um expansionismo ilimitado sob a condução dos EUA. Mesmo que esta seja uma falácia que com algum esforço poderá ser eliminada com argumentos mais ou menos poderosos, a sensação geral é mesmo essa, servindo os aliados europeus como simples  instrumentos justificativos do claro unilateralismo que do outro lado, Putin aproveita para denunciar. Os ostensiva e deliberadamente mal armados alemães, outrora firmes aliados dos EUA, parecem cada vez menos dispostos a consentir numa política geral que lhes parece perigosamente irreflectida, principalmente quando é dada uma crescente e demasiadamente audível voz a países ainda bastante traumatizados pela ocupação e controlo soviético decorrente da divisão do mundo - aliás consentida, quando não claramente patrocinada pelos EUA em Teerão, Ialta e Potsdam -  consagrada em 1945. Assim, Berlim tem-nos servido aquilo que mais lhe convém, ou seja, um sistemático duche escocês em que no final, o frio tenderá a preponderar. Digam o que entenderem dizer os especialistas nestas matérias, os haushoferianos continuam bem activos e há que contar com eles.  A situação na Hungria - onde previsivelmente ocorrerão aquele tipo de espontaneidades que já vimos em Kiev -, na Bulgária e na claramente pró-russa Sérvia, demonstram claras fissuras na Europa central e oriental. Como será então possível colmatá-las, essa é uma questão que carece de resposta. Bem feitas as contas e chegada a hora H, talvez poucos estarão dispostos a alinhar numa aventura com as consequências que antevemos. Talvez restem a Polónia, os Bálticos e o por enquanto indefectível Reino Unido. A tradicionalmente cínica e calculista política externa norte-americana, tem perfeitas correspondentes nas suas homologas europeias, sobejamente treinadas por muitos séculos onde as rivalidades entre os estados engendravam alianças que logo se desfaziam consoante a oportunidade de cada momento. Em matéria de cinismo, estamos então entre iguais, quanto a isso não cultivem os nossos aliados e os nossos potenciais adversários, qualquer tipo de ilusões. 

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3. Até onde poderemos expandir a NATO?

Será hoje a NATO a mesma organização que desde o seu nascimento em 1949, passou quatro longas e penosas décadas de progressiva consolidação, para logo depois se expandir em direcção ao subitamente escalavrado núcleo do seu temível adversário do leste? Não, não é. O  interesse de segurança de países tão diferentes como o Reino Unido, a França, a Alemanha ou mesmo Portugal, não corresponderá por estes dias, exactamente àquele existente durante o prolongado período do pós-guerra. Liquidado o sovietismo e afastadas as dezenas de milhar de tanques russos concentrados entre o Báltico e os Sudetas, a percepção dos perigos é outra e as mais facilmente identificáveis ameaças situam-se noutro âmbito geográfico, fora da Europa. 

Acreditem ou não os observadores ocidentais, os russos de 2014 são incomparavelmente mais livres do que aquela massa bisonha e amorfa dos anos de decadência do concentracionário e despótico regime de Brezhnev e dos seus ineptos sucessores. Os russos lêem, viajam, compram, organizam-se e contestam como (ainda) podem. Parece  bastante evidente a aprovação em larga medida, da política do Kremlin que à maioria se apresenta como de segurança nacional. O apelo de Putin é hoje tão válido como o discurso de Nicolau II em 1914, ou a evocação de Suvorov e Kutuzov que  no Outono de 1941, o desesperado José Estaline ousou fazer do alto do Mausoléu de Lenine. Não será um disparate considerarmos a veracidade dos números que indicam um claro apoio conferido à autoridade de Putin, pois apesar do desagrado pela omnipotência da oligarquia e pelas evidentes disparidades verificadas na sociedade, o sentimento popular relativo aos grandes interesses da Rússia imperial, permanecem tão sólidos como aqueles existentes precisamente há cem anos, quando a expensas da segurança do seu trono e das dilatadas fronteiras do seu império, o Czar rapidamente se decidiu pela Entente.  Se os norte-americanos e os seus incondicionais não conseguem entender os factos, então a situação poderá tornar-se extremamente perigosa e isto mesmo os porta-vozes do Kremlin não se coíbem de afirmar, sem sequer um pestanejar que denuncie hesitação. O valetudinário Kissinger dos grandes erros e abusos dos anos setenta - o golpe chinês é uma outra história -, parece estar muito lúcido, intelectualmente amesquinhando aqueles que nas chancelarias dos negócios estrangeiros ocidentais, teimam em permanecer em negação perante todas as evidências. 

Até onde pretenderão estender a NATO? À Finlândia sobranceira a S. Petersburgo? Às teimosamente neutrais Suécia, Áustria e Suíça? À Arménia e Geórgia? Ao Chipre, Israel e Jordânia? Com muito mais propriedade, porque não a Marrocos, um país porta de entrada no Mediterrâneo, no Atlântico Norte e fundamental para segurança do flanco sul?

Em suma, ao ocidente poderia convir um final delinear dos limites securitários a que se propõe - precisamente aquilo que também se exige a Putin, ou melhor, à Rússia -, talvez não fugindo ao traçado ocidental das antigas fronteiras europeias da URSS de 1938 - ou o chamado Cordão Sanitário do período de entre-as-guerras -, neste âmbito podendo-se até incluir uma Ucrânia neutralizada. Contudo, para profundo descontentamento dos russos e de cada vez mais europeus preocupados com aventureirismos e jactâncias sem sentido, não é esta a nossa politica geral, insistindo-se no querermos mais, mais e cada vez mais. 

Pagaremos bem cara a irreflexão, pois inevitavelmente abrir-se-ão insanáveis brechas na sempre desejável Aliança Atlântica. A quem atribuir então a responsabilidade? A resposta parece bastante óbvia. 

 

 

publicado às 17:20

Na Normancaparica

por Nuno Castelo-Branco, em 05.11.14

 

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Alerta geral. Uma colossal frota russa aproximou-se da costa portuguesa em modo stealth e de surpresa desembarcou um reduzido Corpo Expedicionário com o nome C.E. Marechal Pavel Karlovich von Rennenkampf, composto por 6 divisões de infantaria, tropas Spetsnaz, 50 baterias de sistemas de mísseis AA, 10 sistemas nucleares SS-27 Topol, 4 divisões de blindados pesados T-90, 70 sistemas de lançadores de foguetes Katyusha, 1500 peças de artilharia de varios calibres e múltiplas funções e 250 caças VSTOL. Foram acolhidos pelos autarcas CDU de Almada, Barreiro e Setúbal, acompanhados por uma deputação do PNR e pelos embaixadores do Irão, Coreia do Norte, China, Venezuela, Brasil, Bolívia, Cuba, Síria e pelo autoproclamado e exilado governo do IV Reich. As baterias Krupp da Fonte da Telha prontamente entregaram as instalações ao Corpo Expedicionário Marechal Pavel Karlovich von Rennenkampf, recebendo-o os visitantes com todas as honras correspondentes e tiros de salva. 

Os pescadores da Costa de Caparica também deram as boas-vindas servindo refeições rápidas de chaputa e sardinha assada com pimentos verdes, copiosamente regadas com carrascão da zona de Palmela. Não há notícia de os russos terem deparado com qualquer turista fazendo ostensivo e ofensivo nudismo em termos pussy riot. 

No fim do repasto, foi inaugurada uma grandiosa estátua equestre de Catarina II a Grande na rotunda da vila da Costa de Caparica. Ao contrário da de D. José I no Terreiro do Paço, este bronze é folheado a ouro. 

publicado às 21:05

Basam Dambu ao ataque!

por Nuno Castelo-Branco, em 01.11.14

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Soam as sirenes de alarme, os bombardeiros que parecem saídos do Segredo do Espadão andam em patrulha ao largo da costa portuguesa. Nada de novo, pois este tipo de cruzeiros nas alturas são algo de bastante habitual por parte das forças aéreas da Rússia e dos Estados Unidos da América. Os mais receosos apontam a capacidade de transporte de bombas atómicas nos porões dos Tupolev-95 Bear. É como se receássemos hoje uma patrulha de dois B-29 dos tempos do Enola Gay. Alguns poderão justificar o medo com o argumento daquela solitária Fortaleza Voadora que em 1945 despejou a sua carga sobre Hiroxima. Ora, com um punhado de F-16 já um tanto ou quanto ultrapassados, mesmo o depauperadíssimo Portugal parece melhor apetrechado do que o Império do Japão estava em Agosto daquele já longínquo ano, garantindo que nem mesmo uma enorme frota de obsoletos Bear poderiam alguma vez semear cogumelos nucleares na nossa paisagem. 

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Partamos então do princípio de os aflitos comentadores da NATO ainda adormecerem com a leitura das aventuras de Blake e Mortimer, transfigurando em Putin, o bicho-papão Basam Dambu que pelo menos, era um imperador com bombardeiros aparentemente mais modernos.  É mesmo, aproveitemos então para enviar uma declaração de guerra aos russos!

publicado às 19:22

É suficiente?

por Nuno Castelo-Branco, em 26.09.14

 

Bem verificados os calamitosos precedentes, parece legítima alguma suspeita quanto à intervenção dos EUA na Síria. Apresentando-a como o único recurso para a destruição dos terroristas do pretenso "Estado Islâmico", os nossos aliados poderão de facto tentar servir-se deste móbil para conseguirem aquilo que há muito querem: o derrube de Assad e a sua substituição pela incógnita que tememos. Municiaram e generosamente subsidiaram - ajudados por sauditas e alguns emiratos - boa parte daqueles que agora surgem como a mais directa ameaça à Europa, não nos podendo esquecer dos crimes cometidos pelo "ISIS" nas comunidades locais - cristãs e outras - que este grupo de bandidos considera como elimináveis. 

Estamos então perante a possibilidade de uma guerra em duas frentes. Quando aqui se diz estamos, isso deve-se à inevitável situação que a nossa pertença à NATO implica, apesar da fortíssima suspeita que leva a crer estar a imensa maioria dos europeus contra a aventura de uma guerra no leste. Apesar de paulatinamente vender-se  a  ilusória possibilidade de um conflito localizado, a verdade  implica o reconhecimento desta suposição como totalmente falaciosa. Um conflito que implique a entrada directa da Polónia e de outros países limítrofes da Rússia em operações militares no âmbito do contencioso russo-ucraniano, conduzirá inevitavelmente a uma escalada. São tragicamente risíveis, os sonhos quanto a uma residual utilização táctica de armas nucleares, ousando alguns menosprezar esta evidência. A acontecer o desastre, esperam circunscrevê-lo ao campo de batalha europeu, acreditando serem os russos incapazes de caírem na tentação de uma resposta num alvo além-Atlântico.  Seria aconselhável uma conscienciosa avaliação da situação, estudando-se  alguns precedentes históricos que indicam sem sofismas, qual o modus operandi russo quando em situações de desespero. 

Estamos no plano das hipóteses e é impossível prever o alastrar ou não do conflito a outras áreas do globo, onde regimes como o norte-coreano poderão tomar iniciativas de âmbito regional. Muitas interrogações ficam sem resposta, sendo a posição da China, aquela que mais pesadamente apresentará consequências até no delinear de uma nova ordem territorial. Não existe qualquer espaço para alegadas traições ou cobardias, mas tão só o ponderado considerar dos interesses de uma Europa demasiadamente sacrificada ao longo de mais de cem anos de constante declínio. Qualquer intencional projecto ocidental de conflagração no leste europeu, poderá significar danos letais na aliança que desde 1949 tem garantido a paz, prosperidade e solidariedade no amplo espaço euro-atlântico. Putin poderá estar a contar com este factor. Conhecendo-se a aversão alemã a mais desastres que a teriam como alvo primordial, também pouco se espera quanto a um alinhar francês numa nova campanha da Rússia. A estes dois países juntar-se-ão todos os países próximos da Alemanha do pós-1990, talvez sobrando para a constituição de uma frente de incondicionais, a Polónia, os Estados Bálticos e com escassa, dir-se-ia mesmo nenhuma certeza, a Roménia. É pouco, para não dizermos mais. Ninguém decerto esperará entusiasmos italianos, espanhóis, nórdicos e até, pasme-se, portugueses, pois todos sabemos que a verdadeira guerra a ser urgentemente ser travada, é outra

Quanto à aventurosa  campanha ucraniana, fala Helmut Schmidt, apresentando algumas similitudes entre a actual situação e a Crise dos Mísseis de Cuba:

"Devido a estes mísseis ameaçarem a segurança dos Estados Unidos, isto colocou o mundo inteiro à beira de uma terceira guerra mundial (...) nem B. Obama ou Putin querem uma guerra, os europeus não querem qualquer guerra (...) A solução para a crise dos mísseis de Cuba tornou-se possível, porque ambos os lados estiveram cientes das suas responsabilidades. Este ensinamento deveria servir os diplomatas para o futuro (...) a anexação da Crimeia é um facto consumado, sem possibilidade de retorno".

Schmidt tem razão, querendo apenas referir-se a uma situação que tal como a presente, parecia insolúvel a não ser pelo recurso ao confronto armado. Embora não o diga, o antigo Chanceler decerto pensa na insistência americana em incluir a Ucrânia na NATO, algo que alguns militares aliados consideravam como uma séria possibilidade, quando exibiam Sebastopol como uma necessária base para a USN. Não parece estar em causa - por enquanto - a colocação de mísseis nucleares americanos nas proximidades da fronteira russa, embora os progressos tecnológicos conseguidos nos últimos quarenta anos, sejam suficientes para colocar a situação estratégica num patamar muito diferente daquele existente no início da década de setenta. Seria uma comparação anacrónica, descartável. Trata-se antes de tudo, de uma questão de delimitação de áreas de influência e da óbvia vontade russa de afastar o mais possível da proximidade do seu centro administrativo, qualquer presença militar ocidental. Funciona como sempre, o complexo adquirido após a esmagadora derrota  de Briansk-Viazma, a sempre presente lição que paira nos espíritos dos responsáveis políticos e militares russos, em perfeito paralelo com os ensinamentos dados pela doutrina da defesa elástica concebida pelo marechal Von Manstein, cuidadosamente estudada pelos Aliados ocidentais.

 

Tal como a França dos anos vinte gizou o chamado Cordão Sanitário - Polónia, Checoslováquia, Roménia e Jugoslávia - que conteria a possibilidade de um revanchismo alemão, hoje estamos perante o ensejo russo de pelo menos garantir a neutralização da Ucrânia, servindo-se Moscovo das  minorias nacionais russas, como uma arma de pressão para conseguir os seus fins. A não-finlandização militar da Ucrânia, poderá significar a pesada contrapartida do eternizar do conflito naquele país, assim como a já quase certa perda ucraniana de importantes territórios limítrofes do Mar de Azov e Mar Negro. O assunto é desagradável para nós, os ocidentais, mas nem por isso deixará de ser colocado desta forma. 

 

Outro caso a considerar é a posição da Alemanha. Potência sem um real peso militar - airosamente beneficia das bem implícitas exigências aliadas como compensação pela reunificação -, não aparenta querer  aderir sem condições, à continuidade da sua pertença cheque em branco, à Aliança Atlântica tal como ela existiu ao longo de décadas. A Europa é hoje muito diferente daquela existente em 1988 e as mais directas ameaças à segurança geral apresentam-se noutros possíveis teatros de operações. Em suma, com ou sem exército que se veja, sem a Alemanha não é possível qualquer tipo de frente coerente. Se os outros europeus e os norte-americanos aceitam esta realidade, essa é a grande incógnita. 

 

Em referência às conclusões tiradas após Estalinegrado, o general Francisco Franco declarava a Sir Samuel Hoare - um conhecido appeaser que paradoxalmente bastante contribuiria para manter os espanhóis fora do Eixo - , embaixador britânico em Madrid: "se o curso da guerra não se transformar de maneira decisiva, os exércitos russos penetrarão profundamente no território da Alemanha (...) existirá na Europa central, um bricabraque de raças e nações desunidas (...) uma potência capaz de se opôr eficazmente às ambições de Estaline?  É esta a pergunta que a mim próprio faço. Não, não existe (...) se a Alemanha não existisse, nós deveríamos criá-la. É ridículo acreditar que uma federação de letões, de polacos, de checos e de romenos poderia substituí-la. Semelhante liga de Estados cairia rapidamente sob o poder dos russos. (Guderian, Heinz: Memórias Dum Soldado, Paris, Plon, 1954, pág. 288)


Recorrendo ou não ao informal "pacto de Visegrado", amalgamando melhor ou pior todos os países Bálticos, a Polónia e a Roménia, será isto suficiente para alguém falar ou até agir em nome da NATO? Não é, até porque para disfarçar-se uma acção unilateral com uma aliança, podem os interessados recorrer à boa vontade de Andorra, S. Marino e Mónaco. 

publicado às 18:05

Talvez como contrapartida à sua passagem pela FLAD, o Sr. Rui Machete presta um favor aos mais interessados neste frete e declara apoiar a entrada da Turquia na U.E. Sabendo-se que apesar das oportunas alegações do Sr. Erdogan quanto à "herança do Império Romano do Oriente", a realidade turca aponta precisamente para o legado da destruição daquele que foi um dos esteios da Europa. A afirmação do ministro português nada mais é senão um fait-divers, um estalido de boca que desta vez terá de passar pelo crivo de um referendo à escala europeia. 


*Em praticamente todas as línguas dos países que compõem a NATO: Talvez desta forma o Sr. Ministro entenda. 

publicado às 18:14

No, Sir!

por Nuno Castelo-Branco, em 13.09.14

 

Andamos todos amnésicos de uma história que a maioria dos actualmente vivos não conheceu, mas sem dúvida bastante documentada e à disposição da sua descoberta por quem nela se interessar. Se o pós-II Guerra Mundial foi registado por milhares de documentários para sempre testemunhando a miséria e o sofrimento, imaginemos então o que seríamos forçados a passar, no caso de sobrevivermos, após um conflito entre os EUA e a Rússia. 

 

Nestas danças da chuva que em tan-tans e círculos anuncia a mobilização, há que recorrer a expressões em inglês, pois consiste numa boa forma de vincarmos bem  a urgência da situação. Por muito que tentemos resistir ao patético sacrifício, este é o mundo em que vivemos.

Ninguém conhece concretamente quais os objectivos russos, pois a queda da União Soviética implicou a rápida desagregação do império construído pelos Romanov e ciosamente conservado pelos seus sucessores do PCUS. O estabelecimento da Comunidade de Estados Independentes, poderá ter parecido como um anúncio de uma correspondente russa da Doutrina de Monroe, mas a realidade da volátil política internacional nos anos noventa, bem depressa implicou o total ignorar dessa clara delimitação de uma esfera de interessas. Logo foram surgindo bases aliadas em territórios outrora integrantes do império russo-soviético, assim como convites endereçados a alguns dos novos Estados - algo até agora sem efeito -,  fazendo-os crer nas inegáveis vantagens de pertença à NATO. Conhecem-se bem as dificuldades vividas na Rússia pós-comunista, também não sendo estranhas as notícias acerca da crescente frustração local perante o ostensivo desprezar dos seus interesses, por parte de um ocidente que inicialmente se apresentava como um horizonte de esperança. Não valerá a pena repetirmos a longa lista de eventos que progressivamente foram separando os parceiros do desanuviamento, hoje em quase aberta hostilidade.

 

No verão de 1939, o ministro Ciano visitou o seu homólogo alemão. Ribbentrop recebeu-o em casa e numa conversa no jardim, o italiano, confundido pelas evasivas e manobras de diversão do seu colega, perguntou-lhe frontalmente:

- Mas afinal o que querem vocês? O Corredor? Dantzig?

 

Olhando-o friamente, Ribbentrop foi lapidar:

- Wir wollen den Krieg!

 

O governo do Reich queria a guerra e não se contentaria com qualquer reedição de Munique. Um ano antes, Mussolini tinha impedido Hitler de atacar a Checoslováquia e tal contratempo não se repetiria.

 

A quem se aplica hoje a expressarão Wir wollen den Krieg? A John Kerry, a Sergei Lavrov ou a ambos? Se esta suposição poderá ser abusiva e anacronicamente transportada para os nossos dias, ficamos tão confundidos como o ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália, não sabendo apontar o dedo a quem verdadeiramente pretenderá despoletar um conflito. Os sinais parecem de difícil destrinça e o subir da parada uma constante, aplicando-se tanto a americanos como aos russos. Além de serem conhecidas as dificuldades internas que Putin parece estar a enfrentar - cercado por falcões ao estilo de Jirinovski e correspondentes relíquias do infelizmente mal-soterrado passado comunista -, também teremos então de atender ao democrático rufar de tambores cujo eco nos chega do lado de lá do Atlântico. Passando sobre o grotesco de certas pretensões que visavam transformar Sebastopol numa espécie de Subic Bay do Mar Negro, a verdade é que ainda poucos de nós entenderam até onde os nossos aliados pretendem chegar, quando anunciam a colocação de forças militares num possível cenário de conflito, a tal deterrence force da salvação. Ninguém acredita na eficácia da criação de um dispositivo militar na Polónia, um dos países da NATO, pois tal exercício de segurança seria naturalmente encarado pelo possível contendor. Algo de muito diferente será a presença de forças militares da Aliança dentro do próprio território ucraniano, seja essa presença devida a um súbito impulso justificado por garantias a caridosamente concedermos - sim, somos aliados na NATO -, seja ela decorrente de um daqueles habituais pedidos de assistência hipoteticamente enviados a partir de Kiev.  Se querem a guerra, então esta é a melhor forma de a obterem: coloquem tanques, soldados, canhões, mísseis e aviões na Ucrânia e de preferência, utilizem-nos nos combates contra os rebeldes.

 

Há quem pense poder iniciar um conflito de forma controlada, nem por isso temendo o epíteto de warmonger. É praticamente inevitável o rápido descambar para uma escalada envolvendo armamente táctico nuclear, relegando as trocas de granadas entre os Abrahms e os T-90, para a condição de algo bastante irrisório, previsível e rotineiro. Mesmo sendo esta uma infeliz eventualidade talvez já considerada pela gente do Pentágono e do correspondente edifício ministerial russo, há sempre que contarmos com a esperança do lamentável incidente se circunscrever ao espaço europeu, deixando a parte mais importante da aliança fora do raio de acção retaliatório. Por muito pueril que tal coisa nos possa parecer, é mesmo um wishful thinking despreocupadamente cultivado. Aparentemente, a Sra. Palin pode hoje ser considerada como uma genial visionária digna de todos os encómios. Dadas as circunstâncias, a dita personagem  poderia mesmo ser a directa candidata a sucessora republicana de Obama. Para os mais entusiastas pelo início de uma Operação Barbarossa 2, o actual mapa proporciona-lhes o ponto de partida numa frente tal como ela surgia nos inícios de 1943. Dali a Kursk, é apenas um salto. 

 

Não é necessário ou desejável qualquer mútuo appeasement, mas tão só o conhecimento de quais os limites pretendidos por russos e americanos. Quem hoje poderá indicá-los de forma concreta e credível? Ninguém. Quanto aos europeus que aparentemente beneficiaram do estiolar dos seus deveres de auto-defesa, russos e americanos arriscam-se seriamente a não encontrarem simpatizantes ou alinhados numa Europa sumamente preocupada consigo própria e por aquilo que vai acontecendo a sul.

 

Já não estamos nos tempos do "Yes, Sir!"

 

publicado às 14:37

Califas, NATO e Remember the Maine

por Nuno Castelo-Branco, em 04.09.14

 

O anúncio da ordem de trabalhos da Cimeira da NATO, parece privilegiar os casos afegão e ucraniano, ambos passíveis de rápida secundarização quando comparados com o problema maior para o Ocidente, precisamente aquele que nos chega às portas de casa, no  Médio Oriente. Ontem foi a vez do regime de Putin ser directamente visado, enquanto a ameaça dirige-se também, via Zawahiri, à Índia. Provavelmente iludidos pelo inebriar da omnipresença na abertura dos noticiários, os radicais estão a erigir uma até agora imprevista coligação internacional que num ápice poderia congraçar potências desavindas. O inestimável serviço prestado ao Ocidente - para eles a Rússia também faz parte do inimigo -, é talvez fruto das grandes esperanças depositadas nos até agora  condescendentes sistemas jurídicos europeus, sempre lestos nas garantias conducentes ao laissez-faire e à impunidade de meliantes dos mais variados tipos.

Cameron disse algo que decerto será contestado nas instâncias que vigiam o Estado de Direito, como se este não se encontrasse em causa pela intervenção despudorada daqueles que nele se resguardam. O primeiro-ministro britânico deveria ser obrigatoriamente secundado por todos os seus pares da Aliança Atlântica, numa clara manifestação de solidariedade que sirva de mensagem enviada urbi et orbi. É mesmo este o dilema em que nos encontramos e que para Al Qaeda - o ""califado" não passa de um elo da mesma cadeia - consiste num trunfo que não hesita em manobrar a seu bel prazer. Conta para isso com os prestimosos serviços de uma boa parte da esquerda europeia ferozmente anti-ocidental, precisamente aquele pendor suicidário que encontra no Cavalo de Tróia o eterno exemplo por todos facilmente identificável. Embora seja este um tema passível de apressadas interpretações conducentes às ladainhas da discriminação, os dirigentes da subversão contam ainda com a chantagem emocional exercida sobre as comunidades formalmente muçulmanas existentes em numerosos países europeus. Num misto de despeito histórico pelos há séculos extintos fulgores de Bagdade e de Córdova, os rancores decorrentes do passado colonial e a progressiva ruptura das políticas de integração - aliás rejeitadas por amplos sectores daqueles que deveriam ser os principais interessados nas mesmas -, estas comunidades poderão a breve prazo assistir ao desencadear de um processo de intensa propaganda veiculada pelos radicais, na própria Europa designando um terreno arável pela jihad


Deveria ser este o assunto principal a tratar pelos parceiros da NATO, desde já aproveitando-se a oportunidade de estender o diálogo ao Kremlin, à Ucrânia e porque não?, aos agora directamente ameaçados indianos. Por muito pueris que possam parecer estas inciativas, não deixariam, contudo, de significar o início de algo que preencheria o vazio, ou pior ainda, o atoleiro em que o Ocidente se encontra.

 

O "outro lado" tem um longo historial de mentiras, abusos, negação ou incumprimento de tratados e reserva mental? É verdade, não se trata de uma suposição ou de mera propaganda alardeada pelo negregado imperialismo. No entanto, uma mais moderada recíprocidade existe, desde os tempos em que alegámos a existência de armas de destruição maciça - nunca encontradas, mas decerto transportadas para jamais vislumbradas grutas da Ali Babá -, até ao engenhoso encontrar de inimigos perversos pelos Pulitzer e Hearst do nosso mundo, os capazes de tudo para a obtenção não se sabe de qual fim.

A mensagem deve ser nítida, sem a menor possibilidade de duvidosas interpretações. Não poderá ficar a impressão de um mero regresso ao bandoleirismo internacional um dia enunciado por Theodore Roosevel: "dou as boas-vindas a qualquer guerra, porque acho que este país necessita de uma".

Não, desta vez não pode ser desta forma.

 

publicado às 09:46

Sir Neville Henderson

por Nuno Castelo-Branco, em 28.08.14

 

O caos que parece instalado na Europa oriental, consiste numa boa oportunidade para um revisitar de eventos ocorridos há mais de sete décadas e nos quais alguns procuram encontrar algumas semelhanças, agitando a necessária propaganda mediática de horário FOX/CNN. É possível traçar uma linha paralela entre os procedimentos e factos  que se acumulam com o passar das últimas semanas, mas aquela sugestão de um ponto de encontro numa diagonal política, é totalmente abusivo, porque absurdo. Na aparência semelhantes, as situações conformam adversários muito afastados daqueles actores que nos finais dos anos trinta conduziram a Europa a uma guerra. A própria posição da Rússia é hoje bem diversa daquela ocupada pela URSS de Estaline e quanto ao poderoso capítulo da informação à disposição do escrutínio das opiniões públicas, a realidade é incomparável. Quanto à hegemonia ocidental, essa terminou em 1945.

 

 

von Neurath

 

Sir Neville Henderson foi durante dois anos, o embaixador do Reino Unido em Berlim. Como seria conveniente a uma grande potência, a sua nomeação não decorreu apenas da necessidade do natural preenchimento do lugar que a sua longa carreira de diplomata impunha, mas também por ser um conhecedor não apenas da língua alemã, mas também de influentes sectores da sociedade do Reich. Ao longo da sua interessante obra "Dois anos com Hitler" *, dá-nos a conhecer as profundas dicotomias existentes entre os perenes funcionários da administração alemã que já provinham dos tempos do Império caído em 1918 e aqueles outros que alçados ao poder em Janeiro de 1933, vieram desorganizar o que há muito se considerava como regras elementares e geralmente aceites da conduta entre Estados. Deverão alguns apontar as notas de um certo snobismo de classe que o diplomata vai desfiando a propósito de figuras como Goering, von Papen, o marechal Hindenburg, os amigos von Neurath e Weizsäcker e o outro lado, o dos adventícios do regime - o bem informado Goebbels, Himmler e o incompetente Ribbentrop à cabeça dos demais - que compunham o círculo de próximos do Führer. Henderson não poupa nos epítetos, mas um dos aspectos mais surpreendentes deste seu testemunho, consistirá na evidência do texto não parecer ter sido reformulado após os acontecimentos do verão de 1939. Considerado como um appeaser, Henderson correspondia ao pulsar da imensa maioria da opinião pública ocidental, fosse ela britânica, americana, francesa, belga, italiana ou dos países nórdicos. Era comummente aceite a grave distorsão de uma paz concebida através da imposição daquilo a que oportunamente foi designado como Diktat, paz essa tão diferente de uma outra celebrada um século antes e conseguida após a derrota e queda de Bonaparte. Sir Neville concede crédito às evidentes contradições estabelecidas pelos vários textos condicionantes estabelecidos na zona da Grande Paris, genérica e erradamente designados por Tratado Versalhes: Versalhes, St. Germain, Trianon, Neully e Sévres. Nos anos vinte, as perturbações verificadas na Checoslováquia, Hungria, Polónia, Roménia e Jugoslávia - não esquecendo o desrespeito relativo à vontade austríaca, a Deutschösterreich, quanto ao seu ingresso na Alemanha -, conduziram a Europa à premente necessidade da manutenção, mesmo que provisória, de um status quo territorial que por sinal correspondia perfeitamente ao termo Armistício. A verdade é que sem qualquer negociação, a Versalhes não podia  ser atribuída a categoria de uma Paz outrora aposta aos acordos da Vestefália, Pirinéus, Amiens ou Viena. Desta forma era tacitamente aceite uma situação cujo carácter provisório apenas adiava as alterações que num período pretendidamente longínquo, inevitavelmente chegariam. 

 

 

Ribbentrop, Estaline e Molotov, 23 de Agosto de 1939

 

Quais foram então os aspectos que mais chocaram um diplomata da velha escola - afinal, a única concebível - quando chegado à Alemanha, iniciou os seus serviços no sentido da defesa dos interesses britânicos, obviamente coincidentes com os da maioria dos países vizinhos do Reich? Em primeiro lugar, o modus operandi do novo titular dos Negócios Estrangeiros que por infelicidade substituiu Neurath. Hitler lobrigava em Ribbentrop um "novo Bismarck", quando a quase todos saltava à vista a evidência de o novo ministro representar  o posto do homem de Estado que foi o Chanceler de Ferro. No dito jocoso de H. Goering, ..."Ribbentrop conhece a França através do cognac e a Grã-Bretanha pelo whisky". Sendo a Alemanha uma grande potência - e ainda hoje  aufere desse estatuto - a sua diplomacia e a correspondente acção do seu governo não podia escapar ao crivo dos procedimentos normais que garantiam a fiabilidade junto dos interlocutores, por muito desconfiados que estes estivessem desde a ascensão de Hitler à Chancelaria. A partir de 1937, Berlim enveredaria por um tipo de política impulsiva e de clara chantagem militar prontamente seguida pelos vizinhos soviéticos e em boa parte ditada por considerações ideológicas às quais o oportunismo imprimia uma tal marca que tornava impossível qualquer negociação atempada e a necessária base de confiança para a mesma. A Áustria e os Sudetas quiseram fazer parte da Alemanha do pós-Grande Guerra? Sim, não era uma suposição, tratou-se de uma vontade impedida pelos interesses regionais da França e dos belicosos novos Estados saídos de partes do império austro-húngaro, nomeadamente a Checoslováquia, a Polónia, a Roménia e a Jugoslávia. O Princípio das Nacionalidades que servira como catalisador do discurso anti-Impérios Centrais, foi assim desacreditado pelos paladinos do mesmo, oferecendo no decorrer dos dificílimos anos vinte e trinta, poderosos argumentos aos revisionistas de fronteiras, fossem eles alemães, húngaros, soviéticos, italianos ou até, os largamente beneficiados polacos. 

 

A execração do appeasement tem então início já no seu período final, precisamente aquele coincidente com o processo de anexação da Áustria e na vincada opinião de Henderson, após a Noite de Cristal. Não foi aquela absorção o móbil para o levantar de oposições nos parlamentos e imprensa dos países ocidentais - Churchill começou a ser mais escutado e seguido -, mas sim a fórmula sob a qual foi o Anschluss (1938) conseguido. Pesando as possibilidades e perante a ameaça que Schushnigg representava quanto a uma restauração dos Habsburgos - algo que poderia irreversivelmente alterar a correlação de forças em presença, dada a situação da Hungria e os problemas nacionais na Checoslováquia -, os acontecimentos foram deliberadamente precipitados. Verificada a situação desastrosa em que se encontrava económica e socialmente a Áustria, é bastante provável que a celebração de um imediato plebiscito tivesse consagrado a vitória dos integracionistas, mas a agenda de afirmação do nacional-socialismo, impeliu o governo alemão à política do tudo ou nada que fatalmente conduziria à guerra. O Ja ou o Nein a manifestar no boletim plebiscitário, foram opções após o facto consumado. Hitler pretendia tornar bem nítido o império da sua vontade, fazendo passar a mensagem de tudo lhe ser permitido, porque razoável e de direito, enroupando a política externa numa confusa Babel de racialismo e de Lebensraum. Aplicava-se então um sucedâneo da política leninista da salamização, exigindo-se sempre mais e mais, estando a informação interna cuidadosamente organizada para a identificação do inimigo de um dado momento. Mesmo os sacrossantos fundamentos nacional-socialistas de união do todo nacional alemão, ficaram destruídos com a incorporação dos checos da Boémia-Morávia, quebrando qualquer hipótese de reedição da até então imparável política de apaziguamento. 

 

 Emil Hacha e Hitler, Berlim, 14 de Março de 1939

 

Os encontros entre Hitler e Schuschigg e mais tarde, com Emil Hacha, ultrapassaram os limites do mais ténue decoro. As conferências celebradas entre o Führer e os representantes da França (Daladier) e da Grã-Bretanha (Chamberlain), também foram exemplos do advento da grosseira guerrilha psicológica à mesa das negociações diplomáticas, sendo estilhaçadas todas as normas de conduta até então vigentes. A má fé onde o capricho e o rasgar de documentos recentes parecia ser a regra, desvaneceram todas as ilusões quanto a um acordo geral que conformasse as partes e salvasse a periclitante paz do Armistício.

 

Sir Neville Henderson falhou a sua missão em Berlim. Falhou porque ao contrário dos diplomatas que vinham dos tempos do Kaiser e de Weimar, teve como interlocutor um arauto do programa do Partido que nos postulados do Mein Kampf conhecia o único rumo possível. Sabe-se que naquele momento, a rainha Isabel, mãe da actual monarca, aconselhava os políticos britânicos a lerem o livro escrito por Hitler, pois não fazê-lo consistia num tremendo erro, ignorando-se assim um detalhado programa político que estava a ser paulatinamente cumprido. Este é um daqueles aspectos  tardiamente apercebidos por Sir Neville e que no teoricamente arqui-inimigo de Hitler, o mundo soviético, encontrava perfeito correspondente quanto à submissão a imaginadas infalibilidades que à época se traduziam na acção do Komintern. Logo isto se confirmaria no pacto de 23 de Agosto de 1939, no ataque russo à Polónia (Setembro de 1939), na guerra de espoliação feita à Finlândia (1939), na invasão e anexação da Estónia, Letónia e Lituânia (1940) e no Ultimatum enviado a Bucareste, conduzindo ao forçado abandono romeno da Moldávia e da Bucovina (1940).

 

Miguel I, rei da Roménia

 

Este tipo de política alicerçada  em factos consumados, mais tarde virar-se-ia contra os próprios interessados nas mesmas e se quisermos um bom exemplo, o golpe executado pelo rei Miguel I em 23 de Agosto de 1944 - exactamente cinco anos após a assinatura do Pacto Germano-Soviético - , subtrairia ao Eixo aquele que tinha na Roménia, o seu aliado militar mais forte. O problema da continuidade de procedimentos estranhos à tradicional compostura nas relações entre Estados, verificar-se-ia como uma constante nos anos subsequentes à guerra e uma vez mais na Roménia se repetiram episódios muito próximos das ameaças e coacção moral outrora impostas ao presidente Hacha. Ainda hoje, decorridas sete décadas, Miguel I de Hohenzollern continua a mostrar aos seus convidados - Putin entre eles -, a marca deixada na secretária do palácio Elisabeta pela coronha da pistola de Groza, actuando a mando de Vichinsky. Enviado por Estaline e Molotov a Bucareste, aquele que ficara famoso durante a purga de 1936-38, conseguira assim a imediata abdicação do monarca. 

 

Chamberlain, Henderson e Hitler em Munique, 30 de Setembro de 1938

 

 O que é então possível encontrarmos nesta obra, como referências a acontecimentos que nos são temporalmente próximos? Antes das situações a comparar - ao contrário daquilo que a sra. Clinton quer fazer crer, o caso dos Sudetas não pode ser equiparável à Crimeia, a Donetsk e a Lugansk - , talvez seja prudente avaliarmos os métodos utilizados pela generalidade das chancelarias envolvidas no caso ucraniano, sejam as ocidentais, seja a de Moscovo. Todo o processo tem radicado em erros que se vão acumulando de forma aparentemente irreparável, desde aqueles cometidos aquando da implosão da União Soviética - o aceitar das artificiais fronteiras das ex-pretensas repúblicas componentes da URSS -, até à cegueira manifestada perante os interesses em campo. A nenhum ocidental deveria passar despercebida a necessidade de manutenção da sensação de segurança de um país que não deixou de ser um império, ou seja, a Rússia. Tal não foi feito, desaproveitando-se a colossal oportunidade apresentada no início da década de noventa. Liquidado o comunismo, logo surgiu uma miríade de bases militares no próprio espaço que compusera a URSS e ainda, ao contrário das expectativas dos mais pró-ocidentais agentes políticos e militares russos, alargámos a NATO aos Países Bálticos e a todos aqueles que outrora tinham pertencido ao Pacto de Varsóvia. Dada a necessidade de garantir a independência daqueles Estados existentes em 1939, poderíamos ter ficado por aqui, mas não foi esta a opção que se impunha. Tal como uma U.E. em indefinido alargamento, o mesmo ocorre com a NATO. Ainda há pouco meses, o almirante Stavridis declarava a necessidade de Sebastopol passar a pertencer ao  rosário  de bases navais ao serviço da US Navy, quando a situação da Rússia já é bem diversa daquele caos que diante de todos se apresentava há quinze, vinte anos. A desnuclearização da Ucrânia - e a sua independência - também tiveram um preço tacitamente aceite por ambos os campos, numa daquelas clássicas manobras da diplomacia da confiança que nos últimos anos foi escaqueirada em múltiplos cenários vizinhos, desde o Iraque até aos Balcãs e ao norte de África. 

 

 S. Lavrov e J. Kerry

 

Perdido parece estar o tempo em que os titulares dos negócios Estrangeiros eram internacionalmente conhecidos. Durante muitos anos era normal os ministros continuarem no cargo, servindo chefes de governo oriundos de partidos diferentes. Era este o caso Hans Dietrich Genscher que passou por vários governos do SPD e acabou servindo o democrata-cristão da reunificação alemã, o chanceler Helmut Kohl. Tudo mudou e nem sempre para melhor. Fica então, a estranha sensação de o Ocidente não saber com quem está, ou pretende fazer política na Rússia. S. Lavrov não é propriamente uma réplica dos descartáveis Kerry, Ashton ou Fabius. Mesmo que o regime russo correspondesse aos que naturalmente vigoram para aquém do Vístula, jamais a Rússia poderia deixar de ser encarada como uma entidade que  junto do seu povo, nunca perdeu a condição de superpotência. Foi, ainda é e será um império. Aqui está um dos erros, entre uma infinidade de outros, dos nossos inconscientes aprendizes de Ribbentrop -  no seguimento das mirabolantes descobertas químicas  de G. W. Bush, conhecerá o sr. Kerry este nome?  -, sabendo-se que como interlocutores têm, na melhor das hipóteses um S. Lavrov e o bastante condicionado V. Putin. Com quem pretende o Ocidente dialogar? A política do querer mais e mais, do tudo ou nada, encontra a resposta correspondente numa direcção política sob o fogo de múltiplos interesses, desde os saudosistas representados pelo fanado Partido Comunista e respectiva gerontocracia militar, até aos febris nacionalistas entre os quais V. Jirinovsky não passará de um, entre muitos. Há ainda que contar com a condicionante representada pela formação de mentalidades ao longo de décadas cultivadas pelo desaparecido hiper-nacionalista regime soviético da Grande Rússia, sob o disfarce de um edílico e jamais confirmado internacionalismo. Infelizmente, é agora óbvia a falta de interesse que para o Ocidente representaria uma Ucrânia neutral, mesmo que internamente organizada segundo o contentamento das minorias russas que também a compõem. 

 

Não existe qualquer benefício a retirar de uma política de appeasement, seja ela em benefício do bloco NATO, ou da Rússia. Há que iniciar um processo muito diferente dos procedimentos habituais, pois a segurança da Europa - e dos EUA - está em risco. Chegámos a um ponto de difícil retorno, pois nem sequer a evidência da necessidade de uma apertada cooperação da NATO com a Rússia nos cenários de conflito próximo, será suficiente para limitar os desastrosos efeitos que parecem sem remédio. É por isso mesmo aconselhável, a leitura do testemunho de Sir Neville Henderson. 

 

* Deux ans avec Hitler, Sir Neville Henderson, 1940, Flammarion, Paris

publicado às 22:00

Jihadistas "extremamente bem financiados"

por Nuno Castelo-Branco, em 22.08.14

Tem toda a razão o general norte-americano. Por aquilo que temos visto quanto ao porte de arma com licença, os assassinos têm sido extremamente bem financiados e armados por uma certa agência americana e por outros países formalmente "amigos do ocidente", ou sejam, a Arábia Saudita e alguns emiratos, precisamente aqueles que açulam todo o tipo de indecêncios bramidas por santos "xeques" repimpados na Europa.

 

A suposição da urgente necessidade de intervenção anti-jihadista, implica a extensão das operações dos aliados da NATO à própria Síria. Das duas, uma: ou Washington e satélites pretendem chegar a um urgente e desejável acordo com Assad, ou este súbito interesse pela segurança colectiva não passa de um pretexto para repetirem em 2014, aquilo que há uma década infelizmente fizemos no Iraque. 

publicado às 09:10

A ascensão das águias

por Nuno Castelo-Branco, em 24.09.13

 

É deveras surpreendente a total falta de discernimento no que respeita àquilo que é a Alemanha e qual o seu poder na Europa. Mesmo se apenas pudéssemos contar com o seu peso demográfico - o dobro da população espanhola e mais vinte e seis milhões de habitantes que a França -, este país seria o mais importante da UE. Se a isto juntarmos a sua centralidade, a economia e o enorme peso cultural que influencia profundamente toda a Europa central e do leste, estamos perante aquela sentença que um dia Franco ditou, considerando a Alemanha como essencial à ideia de Europa. Segundo o Generalíssimo, não podíamos esperar que uma coligação de estónios, lituanos, polacos e letões (?) pudesse servir de tampão às tentativas hegemónicas russas. Franco tinha razão e mesmo depois de morto continua a tê-la. 

 

Catarina II

Os laços germano-russos são antigos e determinaram a aproximação do grande país de leste à Europa. O próprio nome da antiga capital, S. Petersburgo, confirma a suposição de uma permanente influência cultural alemã que foi extensível à organização dos exércitos dos czares e ao estabelecimento de uma importante comunidade de empreendedores germânicos na Rússia. Dividida numa miríade de pequenos Estados muitas das vezes em aberto antagonismo entre si - o alinhamento com Viena ou Berlim era determinante -, a Alemanha geográfica consistiu num alfobre de potenciais alianças que fortalecessem a expansão russa para ocidente e para sudoeste, permitindo também a captação de contingentes populacionais capazes de colonizar os vastos territórios colocados à disposição dos Romanov pela conquista. Camponeses, mercadores, artífices, militares e cortesãos alemães, integraram a vida desta nova Rússia europeia que chegaria à segunda metade do século XVIII com uma soberana autocrata oriunda de um minúsculo principado da Alemanha central. Sofia de Anhalt-Zerbst, convertida em Catarina II, A Grande, trouxe definitivamente a Rússia para o concerto dos Estados da Europa e não foi pelo mero acaso de um inverno rigoroso que o sonho napoleónico soçobraria ao fim de pouco mais de uma década. A imensidão das estepes, os recursos económicos e a massa populacional, ditavam a nova ordem vigente no velho continente e a poucos terá surpreendido a visão do czar Alexandre I desfilando na Paris conquistada. A Rússia foi determinante no Congresso de Viena, como determinante seria no alvorecer das novas nacionalidades nos Balcãs e no progressivo ocaso do poder otomano na Europa. A própria unificação alemã de 1866-71, também foi possível mediante a abstenção de S. Petersburgo, coerente na sua antipatia por aquilo que a França de Napoleão III representara, enfim, aquela reminiscência dos acontecimentos de 1789-1815 que ameaçaram a ordem interna do império do leste. O entendimento com a Alemanha era natural e para os alemães, no seu período de pleno fulgor industrial e financeiro, uma promessa de tranquilidade nas suas fronteiras orientais. O caso polaco unia russos, alemães e aqueles outros alemães fora do Reich e que devido ao conglomerado dinástico que era o império austro-húngaro, justificavam a sua plena independência face a Berlim. 

 

As relações entre a Alemanha unida e a Rússia passaram por diversas fases e podemos verificar facilmente o paradoxo de duas realidades onde o poder central ainda obedecia a critérios bastante diversos daquele que o liberalismo impusera à Europa ocidental, encontrarem-se subitamente em campos opostos no desencadear da I Guerra Mundial.

Guilherme II e Francisco José I

O Dreikaiserbund sofreu os primeiros abalos aquando da investida austríaca em direcção aos eslavos do sul, numa área que a Rússia considerava como a sua natural  esfera de influência. Pior ainda, a composição heteróclita do império dos Habsburgo supunha um progressivo aproximar de checos, eslovacos, rutenos, eslovenos e croatas da influência russa, nela vendo a melhor garantia para a sua almejada autonomia face a alemães e húngaros. De facto, a necessária aliança que Berlim teve de estabelecer com Viena, acabou por envenenar o tradicional eixo há muito estabelecido com S. Petersburgo, disso se aproveitando a sempre ansiosa diplomacia francesa. A entrada de vultuosos créditos franceses nos cofres russos, destinou-se antes de tudo, à garantia do erguer de uma frente a leste que fosse susceptível de contrariar ou mitigar o esmagador peso demográfico e industrial que a Alemanha poderia apresentar numa futura guerra franco-alemã, tornada inevitável após o episódio de Sedan e da proclamação do II Reich alemão em Versalhes. As condições para essa súbita prosperidade nos negócios da industrialização, eram muito claras. A Rússia deveria aplicar todos os seus esforços nas forças armadas - exército e marinha -, na indústria pesada e como se tornou demasiadamente evidente ao Estado-Maior alemão, numa rede de caminhos de ferro conducentes às fronteiras do Reich, acelerando as possibilidades oferecidas pela maciça capacidade de mobilização do exército russo, o rolo compressor do leste. Não foi qualquer diferendo respeitante às fronteiras comuns na antiga Polónia, o rastilho conducente ao conflito que oporia Guilherme II e Nicolau II. Os alemães estavam interessados nas regiões do sudeste, naquele Médio Oriente que já era uma promessa dos recursos energéticos que marcariam todo o século XX. Simultaneamente, a conquista de mercados ultramarinos tornou-se noutra das prementes necessidades da indústria alemã, passando a ser o Reino Unido visto como o natural e mais perigoso concorrente em África, na América do Sul e na Ásia. Se a crescente influência alemã em Constantinopla - uma das velhas reivindicações territoriais russas - era de molde a preocupar os ambiciosos ministros do czar, uma Alemanha que rivalizasse com a talassocracia britânica apenas poderia beneficiar o status quo a leste, desviando o expansionismo germânico para o ultramar. O problema consistiu essencialmente na aliança que unia alemães e austríacos, pois Berlim sabia que o desmembramento do império de Francisco José significaria uma enxurrada russa na Europa central, desde Lemberg a Praga e de Cracóvia à fronteira com a Grécia. Nem a Alemanha ou a Áustria-Hungria eram autocracias que se pudessem comparar com o regime de Nicolau II, mas os dois soberanos germânicos gozavam de prerrogativas muito diferentes daquelas atribuídas aos monarcas constitucionais do ocidente. Embora existissem parlamentos eleitos - o Reichstag de Berlim e o Reichsrat de Viena -, os imperadores decisivamente intervinham em matéria de polítca externa e de defesa, assim como influenciavam poderosamente os governos que eram pelo detentor da coroa nomeados. Assim sendo, o Kaiser ainda se julgou capaz de demover o seu primo Nicolau, afastando-o da aliança francesa que naquele momento era crucial para o processo de desenvolvimento e segurança da Rússia, suposição essa confirmada aquando do episódio de Björkö (1905) e da anexação austríaca da Bósnia-Herzegovina (1908).

Guilherme II e Nicolau II

Guilherme II optou pela proximidade e lealdade a Viena e já sem grandes ilusões erradamente arriscou na abstenção russa em 1914, também sabendo que o enorme crescimento industrial e militar verificado após a derrota frente aos japoneses em Tsushima (1905), pressagiava uma Rússia muito diferente daquela que conhecera no início do seu reinado. A verdade é que a I Guerra Mundial e a Revolução impediram a aproximação russa a um modelo monárquico-constitucional e o seu afastamento  dos destinos da grande Europa que inevitavelmente surgiria no prazo de algumas décadas. Como curiosidade de rodapé, poderemos então sugerir uma circunspecta apreciação das razões pelos quais o capitalismo financeiro nova-iorquino carinhosa e generosamente ajudou Trotsky e em simultâneo se verificou um grande interesse alemão pelo rápido transporte de Lenine até à caótica S. Petersburgo de Kerensky. 

 

A fase do período de entre as guerras, colocou a Alemanha e a Rússia na desagradável e contingente posição de potências párias, sendo por isso natural uma aproximação que ocasionaria vivos debates nos países da Europa ocidental, receosos daquilo que poderia resultar da colaboração russo-alemã. Os receios confirmar-se-iam anos mais tarde, pois na Rússia encontraram os industriais e militares alemães o terreno propício à instalação de indústrias interditas pelo Tratado de Versalhes, assim como campos de experiências de armas também vedadas pelos vencedores. Mesmo a violenta animosidade verbal agravada pelo advento de Hitler à Chancelaria, não impediu a prossecução de negócios e a troca de informações técnicas entre os dois aparentemente inimigos Estados totalitários. A política de appeasement gizada por Londres e Paris, decisivamente consistiu no factor primeiro para a aproximação de Estaline a Hitler, aliás bastante auspiciosa quanto aos desígnios de expansão territorial cultivados por Moscovo: após a assinatura do Pacto de Não Agressão Germano-Soviético, os Estados Bálticos, o leste da Polónia, a Finlândia - que garantiria a sua independência aquando da Guerra de Inverno de 1939-40 - e a Bessarábia, passaram directamente para a esfera de influência russa, sendo em boa parte estes territórios anexados na primeira oportunidade que Estaline teve. 

 

Estaline e Ribbentrop (23 de Agosto de 1939)

Criado um sistema continental  que remotamente fazia recordar aquele outro outrora imposto por Napoleão à Europa, os alemães julgaram ser possível eliminar todas as ameaças que a leste poderiam surgir durante o combate que travavam com o império britânico e a médio prazo, de uma inevitável guerra com os americanos. O ataque a uma Rússia que durante dois anos enviou uma inimaginável quantidade de bens e matérias primas para o Reich, ditaria o final de um nunca completamente abandonado Drang Nach Osten, ou seja, aquele eixo essencial que sempre  conduzira a política de segurança da Alemanha unificada. O resto da história é conhecida, permanecendo  a Alemanha central ocupada e logo depois conformado-se na RDA segundo os desígnios do Politburo do PCUS, enquanto a Alemanha oriental definitivamente desaparecia dos mapas mercê uma radical limpeza étnica que beneficiaria polacos, checos e russos. 

 

No início dos anos setenta, já era perceptível o esboroar do sistema económico soviético, nele imperando a falsificação de números, os galopantes défices produtivos, a vetustez dos equipamentos industriais e a total derrota face a um ocidente onde o consumo apresentava uma maravilhosa montra  à qual as economias centralizadas não podiam ripostar.  Na aparência o poder soviético surgia como imparável, tendo já obtido uma grande vitória face à catastrófica, totalmente desnecessária e irrealista política americana no Vietname, Laos e Camboja. Sucediam-se os regimes pró-soviéticos, num processo subitamente acelerado aquando da chamada "descolonização portuguesa" que trouxe a influência de Moscovo até às margens do Atlântico, para bem perto daquele perímetro de segurança ocidental que tinha Cabo Verde como posição estratégica de incalculável valor. A Etiópia, a Somália, a Tanzânia, a Zâmbia, o Zimbabué e o Congo ex-francês, acompanharam esta tendência de consolidação da presença russa, precisamente no momento em que o espoletar do episódio afegão marcaria um rápido colapso imperial, ao qual também não foi estranho o incontrolável poder da informação.

 

A reunificação alemã aconteceu também por decisão russa, permitindo Moscovo a confirmação daquilo que muitos suspeitavam, ou seja, de ser a RDA um mero e dispensável artifício da política de blocos da Guerra Fria. Umas tantas manifestações e a abstenção do governo de Gorbachov foram suficientes para o eliminar da absurda construção decorrente da partilha da Europa em Ialta e Potsdam. Era uma época de muitas promessas de paz e eterna prosperidade num continente subitamente liberto de constrangedoras peias estabelecidas pelo equilíbrio do terror. Se excluirmos o caso romeno - a Jugoslávia consistiu noutro tipo de problema - , o colapso do bloco leste foi pacífico, quase inaudível e a ninguém estranhou aquele derradeiro arriar da bandeira vermelha que durante setenta anos ondulou sobre o Kremlin. Se é bem sabido ter sido um período de extrema dificuldade que confrontou os russos consigo próprios e fez recuar as suas fronteiras ao estipulado pelo Tratado de Brest-Litovsk, também é verdade que as duas décadas seguintes ao desaparecimento do comunismo, marcariam um progressivo regresso da Rússia como potência determinante na Europa e no mundo. Os Estados Unidos não entenderam aquelas óbvias necessidades de segurança determinantes para a forma como os russos encaram a Ucrânia, a Bielorrússia, o Cáucaso e a Ásia Central, os seus "quintais das traseiras". Um caso paralelo poderá ser a Doutrina de Monroe que os EUA ainda hoje consideram válida e sem correspondência em qualquer outro país do mundo. 

 

Angela Merkel e Vladimir Putin

A liberalização do comércio mundial, o advento do extremismo islâmico e o enfraquecimento industrial e financeiro do ocidente, pressupôs uma realidade totalmente diversa daquela a que nos habituáramos durante o século passado e há que considerar seriamente o facto de a Rússia ser hoje uma parte integrante da grande Europa, sem que isso necessariamente signifique o corte ocidental com os EUA e a NATO. Pelo contrário, parece persistir uma certa indiferença - aliás bastante consciente, deliberada - por parte dos nossos aliados norte-americanos, perante as dificuldades que se apresentam aos russos. A China é hoje erradamente vista como uma aliada táctica de Moscovo, mas as aparências iludem, pois os interesses de ambas as potências são divergentes, quando não potencialmente conflituosos. Apenas o ocidental não-reconhecimento da necessidade russa de segurança nas suas fronteiras, impede uma mais apertada colaboração leste-oeste e a  garantia de mútuos benefícios económicos e securitários. A total inabilidade com que os ocidentais lidaram com os conflitos no Cáucaso faz perigar a evolução desse relacionamento que desejavelmente deveria ser visto em bloco. Disso ter-se-ão apercebido os alemães - é a realpolitik traduzida em ostpolitik -, no preciso momento em que voluntariamente se apresentam perante o mundo como um país escassamente armado e desejoso da manutenção de um certo status quo nas relações internacionais. Mais alto falam os argumentos dos negócios, dirimindo-se diferenças entre promessas de lucros e de desenvolvimento. Tal foi o caso do controverso gasoduto Nordstream, construído apesar das exigências desmesuradas do governo dos irmãos Kaczinsky. Este foi apenas um claro sinal enviado pela mais poderosa economia europeia, a todos aqueles que demasiadamente contestam a urgência da necessidade de satisfação da demanda energética. Ao gasoduto seguir-se-ão outros negócios e empreendimentos e a explicação para esta aparente cedência alemã em toda a linha, prende-se com um factor que muitos conhecem e que decidindo-se pelo acatar do princípio do politicamente correcto, não mencionam: a segurança da Europa. Escassamente armada, sempre dependente do guarda-chuva americano, a Europa está completamente à mercê de ameaças cada vez mais próximas e que a queda dos regimes laicos outrora vigentes na África do norte, apenas confirmam. Paralelamente, há que contabilizar os terríveis danos ocasionados na Europa Social pela catástrofe demográfica que não pode ser colmatada pela súbita recepção de populações provenientes da África e da Ásia. A verdade que a muitos é difícil reconhecer, consiste na impossibilidade de a Europa se manter como Europa - social, democrática, tolerante, pacífica -, se a estrutura populacional interna de cada Estado dela componente não obedecer esmagadoramente àquilo que tradicionalmente sempre foi. O completo falhanço das sucessivas políticas de integração - vejam-se os casos belga, francês, holandês e tantos outros - que os russos decerto não desconhecerão, apenas atestam a rejeição pelos recentemente chegados, de culturas que nos consagrados direitos do homem estabelecem a essencial base civilizacional. Por muito difícil que isto seja de reconhecer, para os novos residentes de primeira, segunda ou terceira geração, todo o espólio político e cultural amontoado em países como a França, Inglaterra, a Alemanha, Portugal, Itália, Holanda, países nórdicos e outros, consiste num aspecto desprezível e a rejeitar liminarmente, apenas importando o sempre acenado Estado Social que se cinge no único e exclusivo objectivo, por muito quimérica hoje nos possa parecer essa promessa. 

 

A Alemanha parece ter desistido da política de total abdicação de consciência perante os desígnios norte-americanos, enquanto a Rússia se  apresenta uma vez mais como um profícuo campo aberto a todas as hipóteses de prosperidade e quiçá, de poder. Já descrentes num alargado projecto europeu ao qual a cidade de Lisboa deu o nome, a muitos alemães resta o regresso à sua tradicional área de influência, desta vez não tendo que temer qualquer reacção russa perante uma Alemanha militarizada. Antes pelo contrário, tal colaboração apresenta-se como cada vez mais desejável.

 

Não parece credível o total desaparecimento daquele conjunto económico, político, territorial e militar que um dia ofereceu alguma segurança à Europa. Decerto por algumas décadas manter-se-á a NATO, se atempadamente os norte-americanos se aperceberem que estão em causa outros elementos que não os da simples conquista de mercados e de fontes de matérias primas. A gente do hemisfério norte, i.e europeus - russos incluídos - canadianos e alguns norte-americanos, estão conscientes daquilo que a chamada civilização ocidental supõe e da política necessária para a preservar. Quanto a Portugal, desde sempre um país europeu que ao longo da sua história sempre acompanhou todos os períodos de transformações que marcaram o continente, não se coloca a permanência ou não numa Europa da qual não nos podemos física e culturalmente separar. No entanto, o decidido regresso ao ultramar, encarado este no sentido mais amplo e não imperial do termo, é a melhor garantia do nosso contributo para a segurança e prosperidade do conjunto europeu. Pouco valerão as impertinentes observações de um quase desconhecido Martin Schultz. Sim, Portugal deve continuar a regressar rapidamente e com a força possível a Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde, S. Tomé, Timor e todos as outras áreas do globo onde possamos servir. Só pode ser esta, a nossa pequena e insignificante resposta à política "germano-russa". 

publicado às 19:21

Os americanos são preventivos

por Nuno Castelo-Branco, em 30.06.13

 

A situação europeia é cada mais instável e a NATO nem de longe é a mesma organização que durante décadas garantiu a segurança da Europa e a resistência ao imperialismo soviético.

 

Goste-se ou não se goste da espionagem, ela existe e pode ser preventiva de grandes contratempos. Sabe-se que uma nada despicienda contribuição para a vitória sobre o Eixo, deveu-se precisamente à eficácia da espionagem:  o decifrar do Código Púrpura, a máquina Enigma, R. Sorge e a Batalha de Moscovo, o decifrar das directivas emitidas pelo Supermarina à poderosa armada italiana, a Rote Kapelle, Estalinegrado, Kursk, a Batalha do Atlântico, o Dia D, Pearl Harbour - é verdade, os americanos sabiam -  e Midway, são apenas alguns exemplos dessa contribuição dos serviços secretos.

 

Os alemães estão indignados por terem sido vigiados pelos competentes serviços dos seus aliados além-atlântico. Não percebem porquê, mas as razões para que tal coisa tenha acontecido são evidentes. A Alemanha de hoje, não é precisamente aquela entidade dividida e sob tutela que existia antes de 1989. O fim da Guerra Fria, o seu grande poder na Europa e ainda mais importante, os cada vez mais privilegiados laços com a Rússia, despoletam algumas previdentes desconfianças. Quando antigos chefes de governo deixam a Chancelaria e logo passam à condição de empregados de grandes empresas energéticas russas, ao mesmo tempo que Berlim e Moscovo dispõem livremente acerca do fornecimento de gás à Europa ocidental, nada poderá ser por acaso. Existem sempre contrapartidas políticas que escapam à opinião pública.

 

Apenas uma questão: passando sobre a evidente necessidade de uma ponderada atenção a um certo tipo de imigração na Europa - o Caso Mesquita de Finsbury Park é um exemplo -, estarão os europeus preparados para o abrir dos cordões à bolsa e garantirem eles próprios a sua segurança e Defesa? O sr. Martin Schulz devia pensar no caso desta proveitosa abstinência de décadas, esse "escândalo gigantesco" que na Europa ninguém quer considerar como tal. Se já não querem o guarda-chuva emprestado, então que ajam em conformidade.

 

A espionagem - a amigos e a inimigos - será um alegadamente asqueroso recurso que susceptibiliza todas as políticas dos Estados. Sempre existiu e numa Europa que já conta com mais de dois milénios de civilização, tal deveria ser encarado com naturalidade. Estas indignações fedem demasiadamente a impotência. 

publicado às 17:16

Do Mali até às Colunas de Hércules

por Nuno Castelo-Branco, em 03.02.13

 

Esta tarde, no programa Hora de Fecho da RTP 2, além dos intestinais e gorgolejantes temas que apenas poderão interessar as impantes barrigas dos srs. Costa e Seguro, obsessivamente escalpelizados pelos três jornalistas presentes, foi pelo  embaixador Seixas da Costa mencionado o presente conflito no Mali. Lamentavelmente, o programa perdeu minutos infindos com ninharias da nossa mais rasteira, desinteressante e bem estafada guerrilha inter-partidária, onde também  se evidencia a autofagia a que o actual sistema se remeteu. Num país completamente anestesiado por pequenos conflitos entre os hierarcas sempre à cata deste ou daquele lugar no aparelho estatal, aos portugueses qualquer problema extra-fronteiras poderá sempre parecer como coisa de dispensável preocupação, cabendo aos "grandes" a gestão dos desastres que se vão acumulando sem remédio.  Consiste nisto a total aceitação do velho jargão do Portugal dos ..."pequeninos sem possibilidades", mas desta vez nem sequer podendo puxar pelos galões do ..."honrados". 

 

Seixas da Costa muito oportunamente abordou as várias vertentes que definem o conflito e em poucas palavras ofereceu o quadro geral de uma situação que sem dúvida é passível de a médio prazo poder vir a afectar os países do sul da Europa. Infelizmente não lhe deram tempo para discorrer sobre este assunto de vital importância.

 

Estando os EUA afastados pelas razões que são bem conhecidas, coube à França tomar a iniciativa, intervindo num território que outrora pertenceu aos seus domínios imperiais. Não sendo esta a principal razão - estando em causa o apelo das autoridades do Mali, interesses económicos bem próximos, militares, de prestígio e de própria segurança interna -, serve contudo como uma aceitável justificação para a assistência militar solicitada pelo governo de Bamako, fortemente ameaçado por uma verdadeira invasão por parte de grupos que não conhecendo fronteiras ou nacionalidades, também escarnecem das regras mínimas do direito que conforma e garante a segurança das gentes. A abstenção europeia apenas tem como excepção - como sempre ocorre nestas circunstâncias - o Reino Unido e algumas vagas pomessas vindas de Portugal e de Espanha. Avassalados pela crise financeira e estando os executivos peninsulares sob o fogo cerrado de oposições que não representam qualquer alternativa às políticas do momento, os governos de Madrid e de Lisboa parecem alheados daquilo que dentro em breve poderá ameaçar a segurança de todo o flanco sul da União Europeia. Esta crise não pode ser considerada como coisa circunscrita ao Mali, dadas as evidências bem presentes em todo o Magrebe, estendendo-se os preocupantes indícios desde as margens do Canal de Suez, até Casablanca. 

 

A investida guerrilheira, terrorista, conduz-nos a uma situação na qual os grandes exércitos e a contabilização de tanques, artilharia e outros meios pesados, escassamente poderão influir no decurso dos acontecimentos. O inimigo pode estar em qualquer lado, improvisa, utiliza meios civis para uma rápida movimentação e disfarce, move-se com uma desconcertante celeridade e não hesita perante o uso das populações como escudo dissuasor de uma mais decidida intervenção das potências. Se o Mali cair num qualquer tipo de regime decalcado do figurino taliban, é expectável o alastrar da sedição em direcção ao Atlântico, espalhando-se depois para norte e reacendendo o conflito na Argélia. Nem sequer países aparentemente distantes como a Guiné-Bissau, estarão a salvo. Catástrofe imensa seria o ataque a Marrocos e a derrocada do regime do Rei Moamede VI. Apesar de todas as reformas no sentido de uma representatividade Constitucional, o Reino alauíta consiste num objectivo primordial do radicalismo islamita. As consequências de uma queda marroquina são ainda incalculáveis, pois Marrocos é a nossa fronteira sul, contando até com dois teimosos enclaves ciosamente guardados pela Coroa espanhola. 

 

Existe uma visível tendência para o minimizar deste tipo de problemas, aspecto este habilmente aproveitado para a habitual gincana política por parte de sectores que sempre viram na defesa um óptimo alvo de todos os rancores, populismos que aproveitam a ignorância que grassa em todos os sectores sociais e absurdas teorias da conspiração que uma classe política rotativa incapaz, timorata e sempre expectante do próximo sufrágio, desde logo procura fazer olvidar através de uma fatal abstenção quanto à necessária acção a desenvolver.

 

Os países do flanco sul não poderão calmamente aguardar um atentado terrorista que vitime centenas no centro comercial Colombo, num ajuntamento nas Puertas del Sol ou na Praça de S. Pedro, em Roma. Há que agir rapidamente. 

 

Portugal, Espanha, França, Itália e Reino Unido - Gibraltar ainda consiste numa posição chave e vital para o apontar de responsabilidades à Grã-Bretanha - deveriam estar há muito tempo a planear acções coordenadas que pudessem obstar a problemas que infalivelmente afectarão o conjunto da UE. Estas acções apenas serão possíveis se também existir uma reformulação nos respectivos aparelhos militares, adequando-os aos novos tipos de ameaça. Contando com muitos milhões de muçulmanos expectantes pelos acontecimentos e coagidos pelos grupos radicais que pontificam nestas comunidades bastante excitadas por múltiplas razões - percurso histórico colonial e o sonho por um "ajuste de contas", vários graus de frustração social e económica, ânsia revanchista, etc - , alguns dos principais países europeus ainda hesitam quanto a uma demonstração de força, não entendida esta como a prossecução de estrepitosos bombardeamentos, mas sim de políticas coordenadas que claramente indiquem a existência de um plano, de objectivos e sobretudo, da determinação em responder à ameaça. Também há muito trabalho a fazer internamente, mostrando claramente onde reside a autoridade que faz respeitar a lei.

 

Não se podendo contar com a Alemanha pelas complexas razões que ainda decorrem do rescaldo da II Guerra Mundial, aos países do sul + Reino Unido caberá a assunção desta luta que em primeiro lugar, deverá proceder à mobilização da vontade de resistência - impossível sem um pleno esclarecimento acerca daquilo que está em causa - das opiniões públicas portuguesa, espanhola, francesa, italiana e britânica. Não o fazer, não apenas consistirá num inútil adiar das grandes decisões, como também contribuirá para o estímulo e intensificação das acções terroristas e subversivas que neste caso poucos empecilhos encontrarão. 

 

Eles aí estão, há que dá-los a conhecer à nossa gente e responder em conformidade. 

publicado às 17:48

Algumas verdades dobre o Euronobel

por João Quaresma, em 23.10.12

Uma das melhores intervenções de Nigel Farage. E repare-se na reacção da eurodeputada dos Verdes quando Farage diz (com toda a razão) que se existe paz na Europa desde 1945 isso se deve à NATO, não à UE.

publicado às 18:45

Written Speech for the Leangkollen Conference Cycle

por João Teixeira de Freitas, em 18.03.12

A 7 de Fevereiro do presente ano proferi um discurso sobre Transatlanticismo e valores Transatlânticos no Século XXI num dos eventos internacionais da Comissão Norueguesa do Atlântico (Norwegian Atlantic Committee - Den Norsk Atlanterhavskomite) a pedido da mesma. Sendo que venho acusando algumas falhas em termos de assiduidade na minha escrita, procuro agora compensar tal situação - mesmo que ligeiramente - postando aqui o discurso que proferi. Em Inglês, claro.

 

Espero que seja do vosso apreço; como sempre, os comentários construtivos são bem-vindos. A versão do discurso aqui 'postada' será a editada a dia 13 de Fevereiro de 2012.

 

Segue a dita:

 

"Honourable members of State, diplomatic delegates and representatives, colleagues and friends of the Atlantic Treaty Association and of the YATA:

 

During the past day we heard many claims regarding a power shift from the West to the East and, thus, we were all confronted with the questionable nature of the relevance in the U.S. – E.U. relation. However, we must consider that there is no actual power shift - there’s an occurrence of power dispersion, which is mainly motivated by the various forces of globalization and by the unsurpassable fact of erosion in collective Western capacity. This gap opening signifies an opportunity for the Eastern players (mainly in Asia), and even players in the South-Atlantic (like Brazil), to occupy - for the moment - key roles in global geopolitics, but while maintaining positive interaction (or even tight cooperation) with pre-existent key players – all of which are born within and operate on a Western framework.

 

When considering the phenomenon of power dispersion in this new multi-polar paradigm we must also be attentive to the fact that the new players have patrimonial-like relations of power and wealth (see Russia and China), which means globalization serves them more as a tool rather than an equalizing process of methodologies and ideology. As such, this power dispersion - or multidimensional redistribution of power - most likely will not mean the harnessing of new and comfortably integrated allies, but rather will signify the necessity of a more affirmed western identity that will simply have to deal with the undeniable relevance of ideologically differing agents and players. The only global identity is indeed human nature itself.

 

This means the US-Europe (E.U.) relationship will be and still is the spearhead of the West and western values (and thus of trans-Atlantic values), albeit the E.U. has lost some of its western identity to post-modernism and a slightly anti-conservatism posture.

 

In practical terms, the European Neighbourhood Policy (ENP) is extremely relevant to the U.S.A. due to how it allows the European Union and its respective member-states to deal with the Middle-East through the Mediterranean partnerships within a developmental security framework. On its own side, the U.S. may just function as a gateway to the broader east, and the transatlantic link can bring players like Russia into aiding with that proximity; additionally, we need to consider the influence of current Chinese investment in European economies – mainly the southern ones which will, in fact, determine the future of the Eurozone itself and, by extension, the future of the European Project.

 

As such, it is very relevant for The Alliance to get on board with the Eastern players making the best possible geostrategic use of the U.S.-E.U. connection. Trans-atlanticism has indeed not been this relevant since the Cold War, thus I believe it is far from decaying or over.

 

 

But many relevant questions still remain and some of them have indeed been mentioned before, here at Leangkollen...what is the modern trans-Atlantic relationship supposed to be founded on? Is it values, institutions or interests?

 

Well, all relationships between power blocks within the international system are invariably motivated by interests and circumstantial economic climates. The values and institutions are simply that same motivation made manifest through formalizing processes – the founding interest for NATO and the trans-Atlantic effort was stopping the advance of the Soviet system, ideologically, politically and strategically. From this interest were birthed the many institutions and the formal and emotional ties that would later develop into framework values for NATO and the trans-Atlantic Link. Values that would help further the notion of Western identity.

 

The so-called core values are born from the allegiance to core interests; we must not forget that my country, Portugal, was a dictatorship when it became one of the founding members of NATO and, supposedly, at the time there were already core values regarding civil liberty and the freedom of the individual; we now know, of course, that back then this was just pure rhetoric. Today it is not, however, and indeed Portugal grew towards being able to call itself an Atlanticist Nation-State in what regards security and defence policy, as well as ideology. Again, values become the consequence of the prolonged convergence of common interests and, mainly, common threats – they are the fruit of allegiance.

 

I must stress however that it is also true that we need to return to a policy of values and principle. The somewhat Liberal views of the Alliance were actually connected to North-American Conservatism, and when the European member-states of the Alliance embraced post-modernist logics as the European Project winded on we were stuck with a fragmented and even slightly divided western identity (even if still sharing a common framework); as such, it is by using the historical values of The Alliance (which were, in their beginning, relative) that we might strive to create common ground.

 

There’s no such thing as core values though, there’s merely a framework for a common driving force (ideological) based on state-culture and its foundational ideas and values. So, to foster an effective cooperation between the growing European Union’s centralized authority for foreign action (not foreign policy, that is still a sovereign monopoly and rightfully so) and the U.S.A., the E.U. member-states that are also NATO members must be committed to the construction of a value based framework that makes the best possible usage of the many converging interests The Alliance naturally shares with the E.U.

 

The modern trans-Atlantic relation must also take into consideration modern circumstances. Not only does this relation have to deal with power dispersion it must also deal with identity dispersion.

 

The fractured mentality in Europe has dispersed many Youth’s identities, leading a vast majority of young people to find solace of existence in broader identities, quite separate or unrelated ad inicium from their original country’s perspectives and cultural heritage – as such, it becomes even more important to have a relevant common ground in which it must be possible to bring and bind together the Western Youth, promoting the convergence of diverging ideas and edifying a beacon for the trans-Atlantic ideal and western culture. There are even many young western people who don’t feel western at all, and it is exactly because of such a situation that this becomes an even greater necessity.

 

Returning to practical matters however, the issue of Security still remains to be tackled. What is it that binds us in terms of Security policy within the Alliance? And does the relationship with Asia make the E.U. irrelevant towards the U.S.?

 

Answering the second question, I believe that a potential irrelevance is a non-issue. The relationship with Asia is all the more reason why The Alliance should strive to build deeper ties with members of the E.U. that are not yet members of NATO; and the U.S. itself should keep fostering relations with NATO and E.U. members. Surely the U.S. has a greater economic interest in the Pacific and Asia since all the booming wealth and commerce markets are there – but this is also why many E.U. members have private enterprises located in that region. When we talk about issues of relevance in international relations we must talk Geopolitics, not just Economy since that part is (mostly) already handled well enough by private sector players and, thus, there’s no point in smoke-screening the already smaller relevance of Government in these aspects.

 

Asia is, as I mentioned, a gateway, not an invitation for stasis in the ongoing relationship between the U.S.A. and the E.U. Asia also binds together both of these regions due to its growing influence in the financial and manufacture based commerce sectors world-wide. It is also a fact that our common geopolitical interests paradoxically foster diverging benefits - which can be extracted from security cooperation.

 

Western based societies and states share similar views for Development and Security, as well as sharing many similar threats – even if their specific origins are different. Currently we are further bound together not only by that slightly more conceptual framework but also by a very palpable reality: the Arab spring and the Middle-East. Common threats (potential or materialized) breed common security interests, and common security interests are what bind states together in matters of security cooperation and common policy.

 

Both the aforementioned binding elements are currently the main sources of potential and materialized security issues, respectively. The E.U. must deal with what is going on in the south of the Mediterranean in the best possible way if it doesn’t want increasing instability in close geographical proximity; and that approach will undoubtedly affect the Middle-East, where the U.S.A. are still the main player –  one must note that the E.N.P does not offer structures that allow for the same kind of influence, and the very framework and finance allocation of the E.U. does not allow it as well –, and, by extension, where NATO might also be a main player.

 

We must also remember that the E.U. has a very residual and ineffective common security policy, not really possessing the necessary coordination and legal framework (much less the resources as things currently stand) to have a “NATO of its own”. As such, The Alliance still plays a major role for the security of both the European states that are NATO and E.U. members and those that aren’t but are part of the E.U. And the U.S. knows it must still play this cooperative role, for the threats of one Block may quickly become the threats of the other; diverging economic interest notwithstanding, the U.S. and most of the E.U. member-states have not forgotten the relevance of the NATO cooperation framework and the importance of their continued relationship for ensuring a common survival in an ever changing and unpredictable international system.

 

We must not bury our heads in the idealist bubble of a fantasy world ran only by peaceful economic interest; NATO hasn’t and, as such, neither can the U.S.A. or the E.U. And neither can the rest of us. 

 

 

João Teixeira de Freitas

 

- President of the Portuguese Atlantic Youth Association (YATA Portugal)

- Secretary-General for the Youth Atlantic Treaty Association "

 

 

                                                                                    

  

publicado às 23:10

Pacífico volver

por Nuno Castelo-Branco, em 28.02.12

 

Putin está em campanha e tal como um seu já longínquo predecessor que no ano de 1941 apelava à Santa Mãe Rússia, o candidato-já eleito faz subir a parada, não se contendo nas palavras. O discurso patriótico que envereda sempre por aquele caminho que tem como estação terminal as Forças Armadas, pode ser facilmente lido nas suas entrelinhas. Em jogo estão interesses económicos e a luta pelo controlo da energia, daí a "extrema preocupação" com eventos ocorridos no norte de África e agora, na Síria. As empresas russas habituadas a monopólios, são agora substituídas por concorrentes ocidentais. Tudo isto, no seguimento do desabar do poder russo no Cáucaso e correspondente penetração norte-americana na Ásia central ex-soviética. Desta forma, a afirmação da incredulidade pelo desejo dos EUA em tornarem-se invulneráveis a qualquer ataque, só poderá ser um exercício de wishful thinking, pois a invulnerabilidade a qualquer tipo de ameaça, deveria ser o objectivo primeiro de qualquer Estado independente, principalmente quando, como é o caso, se trata de uma potência ainda hegemónica. O antigo discurso do maior país do mundo que "vive cercado" por inimigos em potência, renasce das cinzas e de facto, todos os programas de armamento soviéticos, tiveram sempre como argumento primeiro, a invulnerabilidade do império.

 

A realidade dos nossos dias aponta para outros dados dificilmente ignoráveis. O primeiro consiste nas extremas dificuldades financeiras dos EUA, repercutindo-se estas no extenso e intenso dispositivo militar. Finda a missão de contenção do expansionismo soviético, a NATO perdeu o objectivo essencial para o qual havia sido criada, servindo agora e alternadamente, para intervenções que façam vingar os interesses estratégicos americanos - bastas vezes em contradição com os dos seus aliados europeus ou até em detrimento destes -, ou passando à acção sob a capa legitimizadora emprestada pela impotente ONU. Obama adverte quanto a uma "drástica redução" de recursos militares e o que ainda não se pode garantir, é se tal anúncio se deve às já citadas dificuldades, ou pelo contrário, à bem calculada previsão da entrada em serviço de novos meios tecnológicos que tornem o até agora pesadíssimo aparelho, mais ágil e racional. Não sabemos. 

 

Putin anuncia um programa de rearmamento de uma ambição desmedida, assemelhando-se no sector naval, à reedição do Plano Z que um dia o III Reich sonhou aplicar à sua marinha. Não se medem as palavras, o anúncio é de uma colossal grandeza e deliberadamente arrisca uma corrida aos armamentos e o trilhar do mesmo caminho que nos anos 70 e 80 levou à liquidação da URSS. Se a isto juntarmos a expansão militar chinesa - que até agora possui umas forças armadas muito inferiores no plano de vista táctico e estratégico -, estamos então perante uma nova realidade, à qual se junta um claro indício do voltar de atenções dos EUA para o Pacífico. É neste sentido que devem ser lidas as notícias de um certo abandono da Base das Lajes, sem que tal signifique o seu fecho, pois os americanos não arriscarão a reedição do "buraco negro" dos tempos da Batalha do Atlântico. De um dado estamos certos: longe ainda estão os tempos do completo ocaso da supremacia militar norte-americana.

 

Resta-nos pensar em que termos o nosso país melhor pode garantir a segurança dos resquícios da sua soberania, especialmente quando se trata de uma vastíssima, potencialmente rica e cobiçada área marítima no ainda centro do mundo: em suma, urge olhar para sudoeste.

publicado às 10:22

O que se passa na Líbia?

por Nuno Castelo-Branco, em 05.04.11

"Esta operação de imposição da paz implica o uso da força armada até alcançar um cessar-fogo. A força também pode ser usada para alcançar outros fins, como refúgios para as vítimas das hostilidades. Uma operação de imposição da paz é claramente uma situação de conflito armado. Isso significa que as forças de imposição são combatidas por um dos lados e que devem lutar para forçar um cessar-fogo, que se opõem a um ou ambos os combatentes. No processo, eles perdem a sua neutralidade. Essas operações estão além da capacidade da ONU para o comando e controle, e podem ser realizadas por uma coligação ou por uma poliarquia como a NATO. Como existe a legitimidade… Os Estados soberanos devem ser tidos em conta e, assim, um mandato internacional é imprescindível para a operação ser considerada legítima. Conhecemos do Direito Romano a distinção entre inimicitia e justum bellum; o exemplo clássico é Octávio a conduzir a guerra contra Cleópatra como justum bellum e contra Marco António como inimicitia. O conflito da Líbia é justum belllum contra o “tirano de Trípoli”, do ponto de vista da coligação da OTAN, em virtude da Resolução 1973, e é inimicitia a partir da perspectiva dos rebeldes pós-islâmicos."

 

Leia o texto completo AQUI

publicado às 14:22






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