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É claro que a Uber é um espectáculo, que a Airbnb é de génio ou que a Amazon é uma plataforma avassaladora; "mas são o produto daqueles selvagens capitalistas americanos, e não deveria ser um governo de inspiração marxista a ser o anfitrião desta festa de consagração, do certame chamado WebSummit." - são mais ou menos estas as palavras que foram enunciadas ontem, numa outra plataforma igualmente medíocre, o Facebook, por um feroz crítico da ideologia tecnológica, mas acima de tudo por um anti-americano convicto, um xenófobo selectivo auto-proclamado politicamente correcto e pelos vistos fã do 44 das fotocópias. No entanto, não obstante a sua alegada intelectualidade, embirrou e bateu na porta errada. Se imperasse a racionalidade analítica, poderia questionar algumas dimensões fundamentais da missão das start-ups e fazer malabarismo ou troça de algumas apps. Para quem não tenha entendido do que trata o WebSummit, passarei a explicar de um modo deficitário; trata-se de um mercado: de um lado apresentam-se vendedores de soluções digitais e do outro lado venture capitalists na expectativa de encontrar o tal filão de negócio que conceda ganhos avultados num mercado global que não conhece fronteiras. Entre uma coisa e outra metem-se os políticos, que aproveitando a gala, mandam umas postas de pescada, em inglês de praia ou não, sobre a ética que deve imperar no mundo - bla bla bla, socialmente e ambientalmente correctos. Ou seja, querem aproveitar a boleia da iniciativa alheia e geralmente fazem figura de urso. Veja-se como António Costa imitou o inglês técnico do outro ou como António Guterres teve de fazer show-off e partilhar que "por acaso também é engenheiro", mas menos bom a matemática. Mas voltando ao início desta dissertação, e ao tal dissidente-residente do Facebook, que é avesso à doença da legionella tech, existe um ângulo que poderia ter sido lançado por si no debate. Por mais soluções tecnológicas que proponham, start-ups e apps que brotem, ainda não temos filosofia digital. Poderemos já ter a expressão limitada de inteligência artificial, mas ainda não existe substituto eficaz para a inteligência emocional. Por mais algoritmos que existam para atender à complexidade de sistemas, seremos sempre meros mortais e artesanais na grande contradição existencial que nos enferma. O nosso estado de alma não é passível de ser domesticado. Devemos temer o fascínio trendy das panaceias. Não existe cura para todos os males. Nem existem soluções óptimas, totais. Dentro de alguém pode estar um ninguém.
foto: RTP
Quais os negócios decorrentes ou subjacentes à greve? Sim, esta questão deve obrigatoriamente ser colocada, mesmo que eles não gostem. Esta pergunta deve ser feita à margem de considerações ideológicas, em nome dos factos em si, desprovidos de carga partidária e sindical. A factura que geralmente é apresentada diz respeito à quebra de produtividade, o percentil do produto interno bruto afectado pela abstinência laboral. E o exercício oposto? A conta de somar que oferece um olhar diferente sobre os números. Se assumirmos uma abordagem simples e reducionista, poderíamos perguntar de um modo básico; há ou não maior consumo privado de combustível, uma vez que estando parados os transportes públicos os particulares são forçados (se tiverem viatura) a se fazerem à estrada? Dois pontos para a GALP. Uma vez que as concentrações de grevistas acontecem em locais definidos de antemão pelas centrais sindicais, o transporte para esses locais não se faz em camionetas contratadas para o efeito? Dois pontos para a empresa Barraqueiro. As empresas que fornecem as t-shirts, as faixas com mensagens de protesto ou as que realizam a montagem de palcos a partir dos quais os dirigentes gritam as suas mensagens não têm nada a lucrar? Ou será que os preços dos bens e serviços também estão de greve? A escassez de bens e serviços resultante da realização de greves encarece ou não os bens? A raridade de um bem não o torna mais valioso? O que gostaria de saber de um modo desapaixanodo; quais os números da mais-valia grevista? Como funciona o modelo de negócio da greve? Quem tem a ganhar? Porque provavelmente, e sem o sabermos, pode ser que seja uma galinha de ovos de ouro. Um país que descobre uma economia que não chega a ser sombra - é uma economia de greve, com tanto direito a existir quanto as outras economias regulares ou marginais. O dia de greve é um dia difícil de determinar, mesmo que seja um dia de grande determinação. Nunca nos devemos esquecer que o chão de uns pode ser o tecto de outros. Pode ser um tecto falso, mas não deixa de ser uma medida a ter em conta. Quando os sindicatos apregoam que desta vez "vão mostrar ao governo" a força de uma paralisia nacional, seria bom que realizassem as contas todas, para determinar quem sai a perder (menos) e quem sai a ganhar algo. Não se trata de um jogo de soma zero. Neste tira-teimas perdem todos - aqueles que fazem um belo dia de praia, menos os que vendem gelados. Neste duelo não há lições a dar nem a receber. A pausa no trabalho é uma interrupção voluntária ou uma coisa induzida pelo piquete que oferece agravos e raramente prémios pelo desempenho? Nesta contradição quase literária, que afirma "respeitar os que trabalham e os que fazem greve", é uma terceira via que de facto avança no terreno. Uma coisa que nem é peixe nem carne, sem ser vegetariana. É mais um animal de ódio e estimação ao mesmo tempo, uma hidra, um ser híbrido canino que não tem juízo; um cãosenso que não granjeia unanimidade e que morde a própria cauda. Um monstro que esmifra até ao tutano a ideia de uma nação a puxar para o mesmo lado. Portugal é uma sentença repartida pela associação, uma teia de colaboradores que se apresentam como rivais sem o ser. O governo e os sindicatos são de facto uma mesma entidade. Os políticos e os negócios vivem um estado idílico que impossibilita divórcios de ocasião, nem que seja por um dia. O momento em que nos encontramos, obriga-nos a rever as relações de subalternidade e domínio. É isso que está em causa num dia como hoje. Por favor, não deixem que lhes atirem a areia da Caparica para os olhos. O inimigo são eles todos. Somos nós. Ou será que ninguém quer saber?
Restringindo-me ao conceito de grande História de Portugal, pergunto, onde estarão Passos Coelho e António José Seguro por daqui a dez anos? Será que os encontraremos exilados em Paris, a vender a uma multinacional os contactos político-económicos que coleccionaram ao longo das suas carreiras públicas? Ou de um modo utópico, mas em perfeita sintonia com o que agora afirmam fazer (servir o país!), emprestarão os seus "talentos" a Portugal em nome do superior interesse nacional e a título gratuito? A questão também se coloca retroactivamente. Será que antes de escolherem a vocação política, foram cidadãos activos na construção do interesse público? Será que serviram as gentes dos seus bairros e as comunidades onde cresceram? São políticos naturais ou nem por isso? Como podem invocar o princípio de serviço público, se as suas vidas civis não foram pautadas por trabalho comunitário na sua acepção mais pura? A genuína obra que gira em torno de pessoas, de uma escala humanamente mensurável, e que deve obrigatoriamente preceder o sacerdócio político? Porque é disso que se trata. A coerência integral e plena, a indivisibilidade do cidadão e da causa pública que distingue o estadista do oportunista. Se tivéssem realizado obra na sociedade civil, teriam um track-record para mostrar, um currículo que não requer um aval partidário ou ideológico, mas que aufere grandes níveis de credibilidade junto da população. Pergunto novamente, onde estarão estes senhores, por daqui a quinze anos, e onde estará Portugal? A questão deveria implicar um debate profundo, com implicações jurídicas, por forma a estabelecer um período de nojo para o envolvimento de ex-governantes em negócios, onde fazem uso despudorado do manancial de privilégios e segredos de Estado que acompanham posições governativas. A questão que resulta destas considerações também tem a ver com um debate filosófico profundo. O que define o político? E se formos bem sucedidos em estabilizar esse conceito, também poderemos determinar o que contraria essa condição. Quais os comportamentos passíveis de constituirem uma traição aos desígnios nacionais? Será que pegar no telefone a partir de Paris e ligar para o Hugo Chavez e pedir ajuda para vender comprimidos é legítimo? Ou, será que, no intervalo que ocorre entre ser primeiro-ministro e ocupar um cargo na União Europeia, facultar conselhos e sugestões a instituições financeiras deve ser considerado normal? Nem vou responder. Não vale a pena. Não é um assunto de Estado. É uma matéria detestada.
Os editores são uma via em extinção. Os outros, que se servem do título "quase póstumo" de editor, não correm por essa estrada. Mas não são editores. Chamem-lhes o que quiserem, mas não manchem a arte cada vez mais rara da prospecção, de corrida ao risco - o rascunho de algo incerto. Esses profissionais que almejam o lucro à custa da capa não são editores. São revendedores. Deslocam-se ao mercado abastecedor, fazem marcha atrás com a furgoneta e carregam paletes de best-sellers. Os editores fazem algo diverso. Procuram a agulha no palheiro, dias a fio, vidas a fio, porventura sem o aval de um destino certo. São garimpeiros em busca de uma torrente que ainda não tem nome, de um brilhante que ofusque os escaparates e estilhace o revisto em imprensa. O lido na calle e largado sem pudor. E o que dizer dos fornecedores de fábulas, os eternos aspirantes a escritores? Têm de aprender a viver com a rejeição. Se tiverem a sorte de encontrar um editor, regressarão a casa equipados com o ego arremessado e pouco mais. E pouco mais interessa, porque é nesse ranger da negação que se escuta o apelo interior, se assim tiver de ser. Mas está tudo virado ao avesso. Chegou a hora pequena para a magnificência. O que era uma impossibilidade deixou de o ser repentinamente. De repente somos todos escritores, sem sermos pensadores ou poetas amargurados pela acidez de uma vida tornada dispensável, pouco lírica. O negócio fala mais alto. O dinheiro faz correr tinta para além do quintal literal. O critério editorial morreu em definitivo e foi substituído pelo balancete de corporações apenas interessadas no bottom line - uma linha de números que nunca será uma frase. "São os tempos difíceis que nos obrigam a isto" - será o argumento apresentado. Miséria é o que eu respondo. Mas convém lembrar que são os regimes totalitários que promovem mensagens simples que uma massa de idiotas há de elevar a instância "superior" e que acabará por esmagá-la, por completo. Triste mundo este em que vivemos.