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Brexit: uma teoria da estratégia de Theresa May

por Samuel de Paiva Pires, em 15.01.19

theresa may.jpg

David Cameron, que era contra a saída do Reino Unido da UE, prometeu e realizou o referendo do Brexit, tendo-se demitido na sequência deste. Nigel Farage, Boris Johnson, Michael Gove e companhia fizeram uma campanha demagógica pelo Leave e a seguir puseram-se ao largo - excepção para Johnson, que ainda conseguiu demonstrar ao mundo, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é mais pateta do que se pensava. Theresa May fez campanha pelo Remain e, numa atitude que tanto pode ser vista como contraditória (à luz da weberiana ética da convicção) ou patriótica (à luz da ética da responsabilidade), manteve-se ao leme do Governo britânico, sendo a principal responsável por implementar uma decisão de que discorda e tendo várias vezes rejeitado a possibilidade de se realizar um novo referendo.

 

Tenho, sobre este assunto, já de há algum tempo a esta parte, uma teoria parcialmente explicativa e parcialmente preditiva (ainda que bastante especulativa), que vou aqui arriscar colocar, finalmente, por escrito. O mais provável é que esteja errada, mas na remota hipótese de vir a mostrar-se certa, lembrem-se que a leram aqui primeiro.

 

May tem estado, ao longo dos dois últimos anos, num putnamiano jogo de dois níveis. À luz deste modelo de análise de negociações internacionais, no nível ou tabuleiro de xadrez nacional ou doméstico, May lida com uma maioria de agentes políticos favorável ao Leave e uma sociedade civil fragmentada mas cuja maioria provavelmente votaria a favor do Remain caso se tivesse realizado um novo referendo. No entanto, esta probabilidade poderia ser contrariada por uma nova campanha demagógica a favor do Leave, desta feita até exageradamente focada na crítica a Theresa May, pelo que, mais uma vez, corria-se o risco de a campanha e o resultado do referendo espelharem essencialmente questões e lutas políticas internas. 

 

Por outro lado, no tabuleiro internacional, o governo britânico encetou duras negociações com a União Europeia, tendo chegado a um acordo que, não sendo ideal e não agradando a ninguém, parece ser o possível - algo que tantas vezes acontece em política. Boris Johnson, Jeremy Corbyn e afins consideram que conseguiriam fazer mais e melhor e acham que ainda há forma de obter um acordo em que o Reino Unido consiga eat the cake and have it too, contra todas as evidências no sentido contrário. 

 

A estratégia que May poderia adoptar para maximizar as possibilidades de um novo referendo ter como resultado a permanência do Reino Unido na UE foi precisamente a que adoptou até agora, utilizando aquilo que me parece poder ser inspirado na brinkmanship. No nível internacional, foi negociando o acordo possível para, no nível nacional, ao mesmo tempo que ia rejeitando a realização de um novo referendo por o resultado ser ainda algo incerto, mostrar à sociedade civil que a decisão de saída será prejudicial aos interesses do Reino Unido e reduzir o espaço de manobra dos seus adversários políticos que acham que seria possível negociar um bom acordo. Os adversários de May, ao contrário do que muitos poderiam pensar, não estão no nível internacional, não são a UE nem os negociadores europeus. Pelo contrário, estes foram essenciais para a sua estratégia. Os seus verdadeiros adversários estão no nível doméstico e foi em relação a estes que utilizou a brinkmanship, ou seja, que conduziu este processo a um ponto de tal forma perigoso que lhe permita finalmente ter a vantagem suficiente sobre estes, não para garantir a sua posição de Primeira-ministra - bem pelo contrário -, mas para almejar realizar um novo referendo com uma elevada probabilidade de o resultado ser o da permanência na UE. A votação de hoje no parlamento britânico, que May sabia antecipadamente que iria perder, foi apenas mais um passo na estratégia da Primeira-ministra de reforçar a percepção, na sociedade civil britânica, da irresponsabilidade da maioria dos seus políticos. 

 

Como escrevi acima, é provável que esteja enganado. Mas na remota hipótese de estar certo, a esta luz, May revelar-se-ia uma estadista de elevadíssima craveira, alguém que se arrogou a responsabilidade de manobrar um dos mais perigosos, incertos e complexos processos políticos contemporâneos, com evidentes prejuízos para a sua carreira política, mas que teria salvaguardado o Reino Unido e a União Europeia dos ímpetos demagógicos e irresponsáveis de uns quantos outros políticos. Certo é que o processo ainda não terminou e os próximos dias serão decisivos. Aguardemos.

publicado às 20:27

Trump é um péssimo negociador

por Samuel de Paiva Pires, em 06.08.17

É o que fica patente na análise de David A. Graham a duas chamadas telefónicas de Trump, uma com o presidente do México, Enrique Peña Nieto, e outra com Malcom Turnbull, Primeiro-Ministro australiano. Graham conclui assim o seu artigo na The Atlantic:

Two countries, two leaders, two approaches—yet both succeeded, for different reasons. The calls with Malcolm Turnbull and Enrique Peña Nieto are not only a valuable document of how diplomacy works; they would also set a pattern. Time and again, foreign leaders have found that Trump is hardly the hardened negotiator he claims, but is instead a pushover. If they can get into a one-on-one conversation with Trump, they can usually convince him to come around to their position. If that was true on paying for the wall and taking refugees, it stands to reason it would be true for lesser Trump priorities, too.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 18:34

trump-putin-g20.jpg

Aaron David Miller e Richard Sokolsky, "Trump is a Bad Negotiator":

Granted, international diplomacy is a lot tougher than cutting real estate deals in New York, and there’s still a lot of time left on the presidential clock to make Trump great again. But half a year into the Trump era, there’s little evidence of Donald Trump, master negotiator. Quite the opposite, in fact: In several very important areas and with some very important partners, Trump seems to be getting the short end of the proverbial stick. The president who was going to put America first and outmaneuver allies and adversaries alike seems to be getting outsmarted by both at every turn, while the United States gets nothing.

(...).

Let’s start with the president’s recent encounters with the president of Russia, a man who admittedly has confounded his fellow world leaders for nearly two decades. Apparently without any reciprocal concessions, the world’s greatest negotiator bought into Russia’s plan for Syria, where U.S. and Russian goals are in conflict; ended America’s covert program of support for the moderate Syrian opposition, then confirmed its highly classified existence on Twitter; and had an ostentatious one-on-one meeting with the Kremlin strongman at the G-20 dinner, sticking a finger in the eye of some of America’s closest allies. It’s bad enough to give Putin the global spotlight he craves while accepting Russia’s seriously flawed vision for Syria. But to do so without getting anything in return gives “the art of the deal” a whole new meaning. Trump’s failure to hold Putin accountable for Russian interference in the presidential election is the most egregious example of putting Russia’s interests first and America’s interests last, but it’s hardly the whole of the matter. There’s no other way to put it: Trump has become Putin’s poodle. If it weren’t for Congress, public opinion and the media, Trump would be giving away more of the farm on sanctions, Russian aggression in Ukraine and other issues that divide the United States and Russia. That’s not winning; it’s losing.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 14:29

Algas e coceira

por Nuno Castelo-Branco, em 19.07.13

 

Tudo pareceria de uma admirável limpidez se não fosse o momento escolhido para o discurso. Os Conselhos Nacionais dos partidos políticos têm sido reuniões à porta fechada, deles saindo apenas aquilo que as organizações pretendem que se saiba e em alguns casos, uma ou outra fuga de informação sem consequências, apenas alimentando a pequena chicana política.

 

Não foi o caso daquilo que ontem à noite se passou. O primeiro-ministro quis dizer em público o que pensava, evitando boatos e invenções achadas pela imprensa. Fez mal, foi inconveniente. Os outros parceiros nas negociações têm sido extremamente avaros nos comentários, limitando-os à cortesia dos bons dias ou boas tardes pronunciadas por gente circunstancialmente sorridente.

 

Passos Coelho nada disse de ofensivo, mas era desnecessária a marcação do terreno e a clara pressão sobre os interlocutores, precisamente quando aquilo que menos o país precisa é de um ajustar de contas ou pior ainda, daquele irresistível sair por cima que implica a derrota pública do outro.

 

Falem o menos possível e deixem os media coçarem-se com as tais micro-algas surgidas na Caparica.  Provocam uma comichão danada, eu que o diga. 

publicado às 10:14

Portas giratórias

por John Wolf, em 04.07.13

Começo este post com o seguinte aviso: caro leitor, muito provavelmente as linhas que se seguem, daqui a umas horas já não farão sentido. É bem possível que nada faça sentido amanhã. Mas se eles pensam que com o seu comportamento podem destruir a minha credibilidade estão enganados. Não vou permitir que me apanhem em flagrante contradição.  A dizer e a desfazer. Fica feito o aviso. Também tenho as minhas defesas e estou em condições de avançar com algumas suposições políticas. Muito bem. Começo por dizer que lentamente começo a entender o que se está a passar. Paulo Portas quis imitar a Troika. O coligado quis realizar a sua própria avaliação do desempenho do governo. O seu próprio exame ao desempenho do governo. Mas, para o realizar de um modo idóneo, nunca poderia fazer parte do mesmo - seria um conflito de interesses se auditasse as decisões políticas fazendo parte do executivo. O exame irregular que pretendeu efectuar só poderia ser feito aproveitando a perspectiva de Seguro. Ou seja, longe do poder, fora de portas e na qualidade de crítico distante. No entanto, o egoísmo político de Portas serviu outras causas. Funcionou como ensaio geral para um sismo. Fez soar alto o alarme de emergência. O que ele organizou foi um simulacro. Confrontou o país com o maior dos seus medos. Um verdadeiro terror político - a possibilidade de um governo liderado por Seguro. A pergunta que ele fez foi: querem imaginar, por um instante, eleições antecipadas e Seguro ao comando dos destinos da nação? Então fechem os olhos e vejam bem o berbicacho em que se vão meter. Na minha opinião foi absolutamente brilhante o que Portas ofereceu a Passos. Até irei mais longe; é bem possível que o plano de evacuação tenha sido combinado, ensaiado em Conselho de Ministros. A carga emocional teve de ser descarregada da palette em pequenas partes para criar o efeito de crescendo dramático. Gaspar? Sim? Primeiro vais tu. Escreve uma cartinha e tal, e dá-me umas ripadas que a malta agradece. E tu, Portas, amua mesmo. Dá um murro na mesa quando eu chamar a Albuquerque. Pois. Tudo isto faz parte da política e só não vê quem não quer ver. A encenação funcionou. Enfraqueceu de uma assentada o presidente da república e obrigou Seguro a procurar ajuda psicológica. Seguro tornou-se bipolar sem o saber. Confundiram-no por completo. Já não sabe se vai ou fica. O homem tinha as malas feitas para rumar a São Bento e eis que lhe trocam as voltas do canhão. Já não tem a chave, e ainda por cima, a Troika, através de mandatários designados para o efeito, já avisou que ele pode tirar o cavalinho da chuva - eleições antecipadas nem pensar. Cortam logo o gás e a electricidade. Compreendo a consternação de muita gente, mas onde está escrito que uma coligação não pode ser renegociada? Ouvimos dinossáurios afirmar que não está garantido o regular funcionamento das instituições? O regular funcionamento das instituições? Está tudo doido? Será que ainda não viram quem está aos comandos de Belém? A política é feita de homens e há muito tempo que a Santa Trindade das relações políticas institucionais está escangalhada. Encontramo-nos, efectivamente, noutro paradigma de fretes, numa outra dimensão de fazer política. As ondas de choque provocadas por Portas fizeram-se sentir na sua sede partidária, mas também na cúpula dos socialistas. No largo do Rato devem estar finalmente a perceber que a mera sugestão de Seguro no poder fez com que os portugueses deitassem as mãos á cabeça e queiram mesmo emigrar. Tenho a certeza que até a mocidade socialista sentiu o desagrado da população em geral. Mais dia menos dia, temos congresso para substituir Seguro. No meio disto tudo, foi ele quem mais perdeu. Mas, como disse o outro, não interessa quem está no poder. Porque quem efectivamente está no poder é a Troika e dentro de dias cá estará novamente para realizar mais testes e exames. E já se sabe que quem semeia portas colhe janelas partidas.

publicado às 07:09






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