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O primeiro engano: a dicotomia entre salvar vidas vs. salvar a economia. Como escreveu há dias Steve Horwitz, os custos económicos são custos humanos e todos os custos humanos têm custos económicos. Qualquer das opções (manter a actividade económica a decorrer normalmente e aumentar o grau de propagação do vírus e os seus efeitos a longo prazo vs. quarentena e distanciamento social com a consequente redução na actividade económica, mas com controlo do vírus e relançamento da actividade económica a curto e médio prazo) tem custos económicos. A política é a arte do possível, pelo que quanto à tomada de decisão sobre políticas públicas, não só a primeira opção é moralmente superior como é também a que, numa análise custo-benefício, provavelmente será menos dispendiosa, segundo dois estudos (este e este) referidos por Cass Sunstein. Como é óbvio, requer um forte pacote estatal de estímulo à economia, que no caso de países detentores de moeda própria é mais fácil e rapidamente implementável, o que me leva ao próximo ponto.
O segundo engano: a ideia de que os países do norte da Europa são muito produtivos e frugais ao passo que os países do sul são pouco produtivos, gastadores e pedintes em relação aos do norte com os “eurobonds” e/ou a impressão de dinheiro pelo BCE. Esta narrativa popular tem feito escola até entre muitos cidadãos de países do sul, sendo visível uma quantidade não-negligenciável dos seus adeptos, muitos deles defensores também da estratégia de salvar a economia em detrimento de vidas humanas aflorada no ponto anterior. Para estes, que no ano de 2020, tendo já passado pela crise do euro, ainda não conseguiram perceber que a União Económica e Monetária tem falhas estruturais conducentes a um funcionamento perverso que privilegia os países do norte e prejudica os do sul, dificilmente haverá salvação. Acresce que o actual choque é simétrico, afecta todos os países, ao contrário do choque assimétrico da crise do euro, típico de uma união monetária com as características que enunciei noutro post. O importante a reter é que percebem tanto de uniões monetárias e política internacional como eu percebo de crochê. Se o país dependesse deles enquanto governantes, morreria boa parte da população e outra grande parte ficaria debilitada, o SNS ficaria arruinado e a retoma económica seria uma miragem à distância de várias décadas.
Na origem destas posições parece-me estar a incapacidade de encarar e lidar com uma problemática que provoca imensas mudanças em tantos sectores das nossas vidas e terá consequências que ainda não conseguimos vislumbrar na sua totalidade e probabilidade, embora não sejam inimagináveis. Muitas empresas irão fechar e muitas deveriam fazê-lo o mais rapidamente possível para não se sobreendividarem e desperdiçarem recursos financeiros e humanos em actividades que não serão viáveis durante bastante tempo (estou a pensar especialmente no sector do turismo), muito provavelmente teremos de nacionalizar empresas de sectores estratégicos (ocorre-me desde logo a TAP), a taxa de desemprego vai disparar, tendo o subsídio de desemprego e as políticas sociais de amparar grande parte da população enquanto esta se reconverte para outros sectores de actividade, não sendo de colocar de lado a possibilidade de implementação de medidas como o Rendimento Básico Incondicional. Quem mais rapidamente se adaptar e transformar em face da mudança, mais depressa conseguirá ultrapassar os efeitos negativos desta.
Já Edmund Burke salientava que “Todos temos de obedecer à grande lei da mudança. É a mais poderosa lei da Natureza, e porventura o meio da sua conservação,” e que “Um estado sem os meios de alguma mudança encontra-se sem os meios da sua conservação”, um eco daqueles ensinamentos de Maquiavel a respeito da capacidade de adaptação do príncipe, de quem afirma ser “preciso que ele tenha um ânimo disposto a virar-se consoante os ventos da fortuna e a variação das coisas lhe mandam.” Como Diogo Pires Aurélio sublinha a propósito da obra do florentino, “O hábito (…) molda uma maneira de agir e, nessa medida, reduz a capacidade de improvisação e adaptação.” E como a política é “por definição uma actividade que se defronta irremediavelmente com a novidade, uma vez que a mudança dos tempos é inevitável: ou se é capaz de os mudar ou há um outro que os muda, ou se triunfa ou se perde.”
Nos tempos relativamente estáveis das últimas décadas, se quiserem, de normalidade, com mudanças relativamente moderadas, a economia tomou precedência sobre a política. Mas não vivemos tempos normais e os quadros mentais da cartilha neo-liberal não servem para estes tempos. E saliento a palavra cartilha, porque os nossos aprendizes de neo-liberais deviam ler mais um dos pais do neo-liberalismo, Friedrich Hayek, de cujo Law, Legislation and Liberty deixo um excerto:
The basic principle of a free society, that the coercive powers of government are restricted to the enforcement of universal rules of just conduct, and cannot be used for the achievement of particular purposes, though essential to the normal working of such a society, may yet have to be temporarily suspended when the long-run preservation of that order is itself threatened. Though normally the individuals need be concerned only with their own concrete aims, and in pursuing them will best serve the common welfare, there may temporarily arise circumstances when the preservation of the overall order becomes the overruling common purpose, and when in consequence the spontaneous order, on a local or national scale, must for a time be converted into an organization. When an external enemy threatens, when rebellion or lawless violence has broken out, or a natural catastrophe requires quick action by whatever means can be secured, powers of compulsory organization, which normally nobody possesses, must be granted to somebody. Like an animal in flight from mortal danger society may in such situations have to suspend temporarily even vital functions on which in the long run its existence depends if it is to escape destruction.
Moderador/entrevistador (M/E): Qual é que acha que é o principal problema dos nossos tempos?
Paineleiro/comentadeiro (P/C): A crise de valores.
(M/E): Que valores?
(P/C): Os valores de uma sociedade justa, igualitária e fraterna.
(M/E): E o que provocou essa crise?
(P/C): O neo-liberalismo e o capitalismo selvagem.
(M/E): Mas como é que resolvemos essa crise?
(P/C): Através de uma mudança de mentalidades.
(M/E): Mas precisamos de mudar para o quê?
(P/C): Para um novo paradigma económico, político e social.
(M/E): E como é que vamos conseguir chegar a esse novo paradigma?
(P/C): Através de uma mudança de mentalidades.
(M/E): Mas mudar em relação ao quê?
(P/C): Ao neo-liberalismo e ao capitalismo selvagem.
(M/E): E mudar em direcção ao quê?
(P/C): A uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna.
(M/E): Mas porque é que precisamos de mudar?
(P/C): Porque há uma crise de valores.
E aí por diante, é fazer as combinações que se quiser. Panem et circenses para pseudo-intelectuais, tautologia style.
Augusto Santos Silva, na TVI24, vocifera contra dogmas do neo-liberalismo, acusa o PSD de ter uma liderança à direita e fala em sentido de responsabilidade. Eu prefiro interrogar-me sobre como será possível o país não ir ao fundo com os dogmas esquerdalhóides. Mais ainda, pergunto onde está o sentido de Estado de um Ministro da Defesa que se julga comentador político? São tão leais os cães de fila socráticos...
...que tem estado a ser divertida esta guerrinha blogosférica com os amigos do Jovem Socialista. Mas já deixou de ter piada a constante mania da perseguição e o complexo de inferioridade/superioridade do Luís Brandão Pereira, especialmente quando um dos membros do blog, João Correia, se destacou muito pela positiva, tal como já indiquei. Luís, era completamente escusado o naco de prosa de baixo nível com que nos presenteou. Razão tem Pedro Arroja quando costuma dizer que o debate ou discussão em Portugal degenera quase sempre em ataques pessoais e de carácter, sem qualquer nível (sic). Se eu quisesse de facto enxovalhar alguém meu caro, já teria começado desde ontem a apontar o sem número de erros de sintaxe, gramática e ortografia que infelizmente são apanágio de quem por ali escreve. Se há coisa que me faz doer a alma são erros de português. Pelo menos houve alguém que notou o mesmo:
Além do mais, a clássica estratégia de vitimização complementada pelo contra-ataque inspirado na melhor escola de cacetaria e provocações pessoais, fundada por esse grande arauto do MES e actual ministro da propaganda, Augusto S.S., e pelo querido líder, não colhe muitos frutos por aqui, já lho disse mas você é teimoso. Não vou entrar em ataques pessoais típicos dos jotinhas.
Posto isto, atente-se então nestas pérolas com que o Luís nos brindou:
Cá eu não me deixo ofender facilmente com essas bocas de "fascistas". Aprecio demasiado a minha liberdade, minha e dos outros, e só por isso publico o seu comentário, porque é precisamente a liberdade que eu defendo que lhe permite dizer coisas e que respeito, por muito que eu discorde - como é que diz que disse? Você defende a liberdade do quê e de quem? E por isso permite a outros dizer coisas? Com comentários moderados??? Nem a censura do Estado Novo faria melhor...
Por acaso acertou, há mesmo mais do que um Nobel de Economia. E, só por acaso, quem disse isto não foi Krugman. Ve como não está errado? - é este tipo de postura que o caro Luís espera que eu tenha? "Toma toma, eu faço citações sem indicar a quem me estou a referir porque sou muito bom e sei mais que tu!". Bonito, muito bonito.
Esta também é bastante boa: Posto isto, serão jotices ou estupidez acreditar em Prémios Nobel, em Professores de Harvard ou Ministros de Economia? Se calhar o melhor é perguntar ao especialista Samuel. - E assim se disfarça a falta de conhecimento com aquilo que Jorge Assunção lhe indicou caro Luís e a que eu já o tinha introduzido, a falácia lógica.
Mas vão lá ver este maravilhoso post, sem dúvida do mais reles que já tenho lido por aí. E se quer mesmo Hayek meu caro Luís, para além de eu já me ter referido a um conceito deste ("palavra doninha"), aqui lhe deixo algo que me parece muito apropriado, retirado da edição online de O Caminho para a Servidão, disponibilizada pela Ordem Livre (em português do Brasil), e que creio se tornará cada vez mais apropriado quando o meu amigo André Ventura da Costa nos revelar a sua tese sobre a democracia totalitária. Assim sendo, aqui fica parte do capítulo 10 da obra de Hayek - "Por que os piores chegam ao poder?":
Há três razões principais para que um grupo numeroso, forte e de idéias bastante homogêneas não tenda a ser constituído pelos melhores e sim pelos piores elementos de qualquer sociedade. De acordo (136) com os padrões hoje aceitos, os princípios que presidiriam à seleção de tal grupo seriam quase inteiramente negativos.
Em primeiro lugar, é provavelmente certo que, de modo geral, quanto mais elevada a educação e a inteligência dos indivíduos, tanto mais se diferenciam os seus gostos e opiniões e menor é a possibilidade de concordarem sobre determinada hierarquia de valores. Disso resulta que, se quisermos encontrar um alto grau de uniformidade e semelhança de pontos de vista, teremos de descer às camadas em que os padrões morais e intelectuais são inferiores e prevalecem os instintos mais primitivos e "comuns". Isso não significa que a maioria do povo tenha padrões morais baixos; significa apenas que o grupo mais amplo cujo valores são semelhantes é constituído por indivíduos que possuem padrões inferiores. Ê, por assim dizer, o mínimo denominador comum que une o maior número de homens. Quando se deseja um grupo numeroso e bastante forte para impor aos demais suas idéias sobre os valores da vida, jamais serão aqueles que possuem gostos altamente diferenciados e desenvolvidos que sustentarão pela força do número os seus próprios ideais, mas os que formam a "massa" no sentido pejorativo do termo, os menos originais e menos independentes.
Se, contudo, um ditador em potencial tivesse de contar apenas com aqueles cujos instintos simples e primitivos são muito semelhantes, o número destes não daria peso suficiente às suas pretensões. Seria preciso aumentar-lhes o número, convertendo outros ao mesmo credo simples.
A esta altura entra em jogo o segundo princípio negativo da seleção: tal indivíduo conseguirá o apoio dos dóceis e dos simplórios, que não têm fortes convicções próprias mas estão prontos a aceitar um sistema de valores previamente elaborado, contando que este lhes seja apregoado com bastante estrépito e insistência.
Serão, assim, aqueles cujas idéias vagas e imperfeitas se deixam influenciar com facilidade, cujas paixões e emoções não é difícil despertar, que engrossarão as fileiras do partido totalitário.
O terceiro e talvez mais importante elemento negativo da seleção está relacionado com o esforço do demagogo hábil por criar um grupo coeso e homogêneo de prosélitos. Quase por uma lei da natureza humana, parece ser mais fácil aos homens concordarem sobre um programa negativo - o ódio a um inimigo ou a inveja aos que estão em melhor situação -do que sobre qualquer plano positivo. A antítese "nós" e "eles", a luta comum contra os que se acham fora do grupo, parece um ingrediente essencial a qualquer ideologia capaz de unir solidamente um grupo visando à ação comum. Por essa razão, é sempre utilizada por aqueles que procuram não só o apoio a um programa político mas também a fidelidade irrestrita de grandes massas. Do seu ponto de vista, isso tem a vantagem de lhes conferir (137) mais liberdade de ação do que qualquer programa positivo. O inimigo, seja ele interno, como o "judeu" ou o "kulak", seja externo, parece constituir uma peça indispensável no arsenal do líder totalitário.
Olhe e já agora, fique também com um bocadinho de Schumpeter, da obra Capitalismo, Socialismo e Democracia. Quanto a este só tenho a obra em inglês mas retirei este excerto de alguns capítulos que tenho em fotocópias, da edição brasileira:
"O cidadão típico, por conseguinte, desce para um nível inferior de rendimento mental logo que entra no campo político. Argumenta e analisa de uma maneira que ele mesmo imediatamente reconheceria como infantil na sua esfera de interesses reais. Torna-se primitivo novamente. O seu pensamento assume o carácter puramente associativo e afectivo. E isto acarreta duas outras consequências de sombria significação.
Em primeiro lugar, mesmo que não houvesse grupos políticos tentando influenciá-lo, o cidadão típico tenderia na esfera política a ceder a preconceitos ou impulsos irracionais ou extra-racionais. A fraqueza do processo racional que ele aplica à política e a ausência real de controle lógico sobre os resultados seriam bastantes para explicar esse facto. Ademais, simplesmente porque não está interessado, ele relaxará também seus padrões morais habituais e, ocasionalmente, cederá à influência de impulsos obscuros, que as condições da sua vida privada ajudam a reprimir. Mas, no que tange à sabedoria e racionalidade de suas inferências e conclusões, seria igualmente mal se ele explodisse em manifestações de generosa indignação. Nesta última hipótese, tornar-se-á ainda mais difícil para ele ver as coisas nas suas proporções correctas ou mesmo ver mais de um único aspecto da questão de cada vez. Daí se deduz que, se emergir de sua incerteza habitual e revelar a vontade definida e postulada pela doutrina clássica da democracia, ele se tornará ainda mais obtuso e irresponsável do que habitualmente. Em certas circunstâncias, isto poderá ser fatal para a nação.
Em segundo, contudo, quanto mais débil o elemento lógico nos processos da mentalidade colectiva e mais completa a ausência de crítica racional e de influência racionalizadora da experiência e responsabilidade pessoal, maiores serão as oportunidades de um grupo que queira explorá-las. Tais grupos podem consistir de políticos profissionais, expoentes de interesses económicos, idealistas de um tipo ou outro, ou de pessoas simplesmente interessadas em montar e dirigir espectáculos políticos. A sociologia desses grupos não tem importância para o nosso argumento. E importante é que, sendo a natureza humana na política aquilo que sabemos, tais grupos podem modelar e, dentro de limites muito largos, até mesmo criar a vontade do povo. Na análise dos processos políticos, por conseguinte, descobrimos não uma vontade genuína, mas artificialmente fabricada. E amiúde, esse produto é o que realmente corresponde à volonté générale da doutrina clássica. E, na medida que assim é, a vontade do povo é o resultado e não a causa primeira do processo político."
Pelo esforço para sair do plano do senso comum. Concorde-se ou não, vale bem a pena ler o seu artigo e verificar que afinal ainda há pessoas válidas e que pugnam pelo pensamento próprio e crítico nas juventudes partidárias - poucas, no entanto.
O mesmo não posso dizer de Luis Brandão Pereira que acriticamente se limita a reproduzir os pensamentos de outros como se o que A ou B afirmassem fosse a mais absoluta verdade - a humanidade já sofreu demasiado com indivíduos do género cujas ideias foram levadas ao extremo, veja-se a pseudo-ciência comunista ou nazi inspiradas por jacobinices rousseaunianas, encomendas ao burguês que dava pelo nome de Karl Marx, ou teorias racistas de Chamberlain ou Gobineau. Além do mais, caro Luís, não houve um único economista que conseguisse prever esta crise e todos andaram entretidos durante décadas a tecer loas ao capitalismo selvagem que degenerou em plutocracia. Agora que o neo-liberalismo se tornou numa "palavra doninha" andam todos a empurrar as culpas para os outros pontos do espectro, o mesmo que o Luís faz ao considerar que apenas há uma direita, erro de vício pois, como verá, se seguir os links que vou deixar em baixo, eu não penso dessa forma e ainda creio que sou de direita e liberal por princípio. Estou farto de escrever isto mas, novamente, seria o mesmo que eu ser intelectualmente desonesto e considerar que há apenas uma esquerda. E já agora, não sou especialista em coisa alguma, mas esse tipo de provocações não resultam comigo pois como já deve ter percebido a minha mente não funciona como a dos jotinhas (pergunte aos seus camaradas ISCSPianos).
Para finalizar, tal como indiquei em comentário ao texto do João, cuja leitura vivamente recomendo, não valerá a pena tecer qualquer tréplica quando não estamos assim tão longe, pelo que deixo apenas os links de diversos posts meus, do Nuno e do Miguel Castelo-Branco e ainda alguns artigos da autoria de Pacheco Pereira, Henrique Raposo e João Marques de Almeida.
Da minha autoria:
O Regresso à Idade da Pedra? Ou apenas histeria colectiva?
Its the end of the world as we know it...
O impacto da crise financeira no futuro do sistema internacional
Descobriram a pólvora mas ninguém deu por isso
Relembrando Margaret Thatcher - Coisas simples que os socialistas não conseguem entender
Do Nuno Castelo-Branco:
A entrevista de Júdice ao Correio da Manhã
Um conselho ao 1.º Ministro: Pulso forte e já!
Paulo Portas, a crise, a responsabilidade empresarial
A guerra anti off-shores e o efeito boomerang
Notas de um não-economista sobre a crise
Do Henrique Raposo:
A absurda ideia de que há um "regresso a Marx"
De João Marques de Almeida:
O director do Jovem Socialista não precisou de 10 linhas para dizer absolutamente nada. Precisou de quase 30 para i) se vitimizar e armar em virgem ofendida de forma exagerada - um clássico típico da redutora argumentação político-partidária marcadamente demagógica e à qual não dou troco -, ii) mostrar que não consegue responder ao desafio que deixei sem sair do plano do mero senso comum, iii) pior do que dizer absolutamente nada é escrever absolutas incorrecções.
Confundir o modelo de mercado livre com neo-liberalismo, achar que o estado social está a substituir este modelo como bastião da democracia liberal (os teóricos da política externa norte-americana ou da teoria do desenvolvimento assente no mercado livre como forma de promover transições democráticas, e os dirigentes de Brasil ou Índia adorariam esta - sem mercado livre não há democracia e não há a possibilidade de gerar riqueza para depois sim distribuir. O estado social é posterior a esta dinâmica), socorrer-se genericamente de esparsas indicações de Obama como se os Estados Unidos fossem virar socialistas (qualquer Democrata em Portugal seria do CDS/PP ou do PSD), e ainda recorrer a Krugman para mostrar a absoluta incoerência intervencionista, i.e., o salvar de uma "economia doente" quando o sistema está numa profunda reestruturação e as respostas dadas nem sequer o deixam antever. Estamos a caminho de um novo sistema, de nada serve salvar algo que já não é viável, mas os intervencionistas e estatistas deste mundo ao mesmo tempo que criticam o neoliberalismo querem salvá-lo. Sou só eu a ver a incoerência? Já agora, antes que me venham responder com as preocupações sociais em relação aos trabalhadores, deixo já aqui aquilo que há dias escrevi:
Não venham dizer que a culpa é do tão falado neo-liberalismo. Não se vê nenhum liberal a advogar nacionalizações. As falências são formas de correcção e auto-regulação dos próprios mercados. Se querem ajudar os trabalhadores apanhados no momento negativo do ciclo económico então dêem o dinheiro directamente a estes por via de programas de apoio social. Aliás, o liberalismo na sua génese continha como grande princípio a ideia de caridade e solidariedade, conceitos que as sociedades modernas desvirtuaram e que se tornaram de certa forma pejorativos - infelizmente. Agora não desculpem as asneiras de gestores e administradores premiando-os com a manutenção artificial das empresas que já não têm viabilidade e para cima das quais se lançaram milhões de dólares dos contribuintes que para pouco ou nada serviram, com a simples justificação de que é para manter os postos de trabalho. Qual é a parte da ideia de "inútil distorção de mercado" que os senhores intervencionistas ainda não perceberam?
Posto isto, aqui fica novamente o desafio ao Jovem Socialista de elaborar um artigo que vá para além do senso comum e que procure dar resposta a três questões:
1 - O que é o neo-liberalismo?
2 - De quem é a culpa da crise financeira internacional?
3 - (A pergunta de João Miranda) Porque é que a crise do neo-liberalismo penalizou os partidos de esquerda?
E às suas inabaláveis certezas sobre o neo-liberalismo e sobre de quem é a culpa da crise, aqui fica o comentário de António de Andrade a este meu post (o negrito é meu):
Desde os tempos de Ricardo (o David, não o Quaresma) que se tenta perceber todas as movimentações e orientações da economia internacional porque já não há economias só nacionais (assistimos a uma liberalização das economias em movimentos geofinanceiros fulcrais que contribuem para uma total globalização da crise económica mas não vale a pena alargar neste tema porque se não teríamos que evocar teorias tão complexas como as de Walras e as Menger) e basta-nos chegar à lei de Say para perceber porque mais tarde não nos viemos a manter Keynesianos e nos tornámos fans de um Lucas que não é o do Star Wars. No fundo a economia pode explicar-se de muitas formas, desde a explicação comum do povo baseada em Malthus e Smith a explicações mais práticas como Marshall ou mesmo Keynes? Isto para dizer que a crise nem sequer é económica, é financeira, mas para compreender isso precisamos de ser mais como Jevons, e manter a mente aberta: o que não está ao alcance de todas as mentes filiadas porque a formatação é sobrinha da filiação e equivale a uma estagflação brutal do que não tem preço: o conhecimento. No fundo, basta-nos esperar para que exista hipótese de um estímulo macroeconómico que reanime a nossa economia cerebral: pensar mais e consumir menos é o que nos vai fazer sair desta depressão.
Quanto à culpa, já dizia o outro: a culpa é como a mão, é invisível.
Atente-se no calibre da cortesia deste comentário ao meu post sobre a General Motors:
"De pedro lopes a 4 de Junho de 2009 às 00:11
É assim, uma coisa são opiniões, outra coisa é dizer-se coisas que não se sabe e achar-se muito bom por isso...
Se calhar é altura de deixar de dar ouvidos aos economistas da treta que levaram a esta crise com os seus devaneios da liberalização e da privatização de tudo e mais alguma coisa...já ouviu falar em risco sistémico por exemplo? Sabe quantas pequenas empresas podem ir abaixo se se deixa ir uma empresa como a GM à falência sem intervir?Pensam que tem alguma coisa a ver com o mérito de alguém?Que culpa teve o Jorge Jesus que o Lehman Brothers fosse à falência e levasse de arrasto um banco tão reputado como o BPP era antes da crise?
Vá ler um bocadinho sobre a crise de 29-33...vá ler alguma coisa do Krugman ou do Stiglitz...
Não o critico por não saber nada de economia porque eu também não sei muito...mas esse ar de que descobriu a pólvora e que vem aqui dizer que os outros são todos estúpidos fica-lhe mal...experimente a dizer que "tem a opinião que...""
Bom, creio que o Pedro Lopes não será um habitual frequentador desta casa. Para começo de conversa, só quem não me leia regularmente pode achar que eu descubro a pólvora, que tenho certezas absolutas ou que detenho "a verdade". Eu que me inclino para a atitude académica anglo-saxónica de contrastar teses e de procurar incessamente a verdade sabendo que essa não existe, mas apenas verdades relativas. Acabo, por isso, por ser, em certa medida, um relativista - até certo ponto, o qual ainda estou para determinar, mas isso fica para outra altura, embora quem me leia saiba que a minha faceta conservadora me serve de limite e de referencial. Mais, não me viu chamar estúpido a ninguém e se fosse meu leitor habitual notaria que na esmagadora maioria dos meus textos as frases começam por "Parece-me que...", o que, creio, equivalerá à sua sugestão.
Sobre a economia, diz o Pedro que não percebe nada. Ora eu também não, e não o escondo de ninguém - veja-se a introdução deste meu post de há uns meses atrás: Aviso à navegação: não percebo nada de economia. Tudo o que eu escrever a seguir estará provavelmente errado ou terá pelo menos algumas incoerências ou incorrecções.
Já ao Pedro fica-lhe mal a sobranceria de achar que está revestido da verdade, ainda mais notável quando se junta à forma quasi-piedosa/paternalista da sua sugestão de leitura. No entanto, aceito-a de bom grado. Mas continuo a preferir Hayek. É que entre esses supra-sumos da economia de que o Pedro fala ninguém foi capaz de prever o que se passa na actualidade. E durante décadas andaram todos felicíssimos com um sistema que utilizaram para promover a teoria triangular da dinâmica entre Democracia, Desenvolvimento e Mercado a generalizar a todo o mundo. Agora é que viraram todos beatos preocupados com o bem-estar dos trabalhadores, que é como quem diz, deixaram-se ir na onda do politicamente correcto e adoptaram uns chavões e umas frases feitas porque não sabem muito bem como explicar os fenómenos económicos da actualidade. Juro que se tivesse oportunidade de estar numa conferência com qualquer um desses supra-sumos lhes perguntava directamente o que é afinal o neo-liberalismo, esse papão de que todos falam mas que ninguém sabe definir, sobre o qual ninguém se atreve a perguntar visto que isso seria acabar com a galinha dos ovos de ouro que vai servindo de bode expiatório - até quando, vamos ver.
Quanto às culpas ou méritos não percebi a invocação de Jorge Jesus ou do Lehman Brothers. É que se quer falar de risco sistémico, então digo-lhe eu que primeiro convém ler qualquer coisa sobre teoria sistémica. Deixo-lhe como sugestões de leitura light este texto, ou este, ou ainda este, todos da minha autoria e relacionados com a crise actual. Pouco ou nada percebo de economia mas julgo que o risco sistémico se aplica a instituições financeiras e não a empresas que perdem a competitividade no mercado - e que por isso não deveriam sequer ser salvaguardadas pelo dinheiro dos contribuintes, causando graves distorções de mercado - mas alguém mais versado na matéria poderá elucidar-me. E mesmo que se aplique, mais uma vez, ninguém conseguiu prever o que se passa na actualidade, até porque todo e qualquer instrumento de medida do risco sistémico não é inteiramente fiável porque o ser humano nunca conseguirá ter uma percepção holística e completa do funcionamento de um sistema tão complexo como o sistema financeiro internacional. O argumento do risco sistémico também foi muito usado por cá para nacionalizar o BPN e o BPP. Parece-me que é mais um desses chavões que passaram a integrar a falaciosa gíria justificativa do que outra coisa mas, novamente, eu não percebo nada de economia...
Se há algo que está na moda é injuriar esse tal de «neo-liberalismo» e, principalmente, o mercado livre. Muitos dos que defendem o mercado livre mas advogam por aí contra o neo-liberalismo, tendo a perfeita noção que não se sabe bem o que é o neo-liberalismo (a não ser, como aponta José Manuel Moreira em "Social: a palavra-doninha" (Leais, Imparciais e Liberais), um conceito para o qual a maior parte dos críticos do liberalismo remete todos os tipos de políticas que não são do seu agrado), começam também a refrear os seus ímpetos à medida que se vão apercebendo que podem já ter ido demasiado longe, acabando por colocar o próprio conceito de mercado livre em causa - o que ainda serve os propósitos de certas ideologias predadoras do indivíduo.
Parece-me por isso bastante oportuno este artigo, de onde destaco o seguinte:
You may recall that as the crisis initially unfolded, there was a reflexive reaction on the part of many to blame deregulation, without presenting any evidence for that position. Black makes numerous references to a lack of regulation as being responsible for the mess, but does bring up specific examples. Black quite naturally brings with him the bias of a regulator, so it is necessary to examine what he says in order to evaluate his assertions. I have summarized some of his key points below, in the order in which they surfaced in the interview, while adding my own thoughts after each.
This crisis was driven by fraud … on the part of mortgage loan originators, rating agencies, investment banks, and AIG:
Black attributes the collapse to fraud and equates this with a lack of regulation. However, as Sheldon Richman pointed out in connection with the Madoff scandal, this is a false equivalence. "Dear Ms. Maddow:
Why do you call the government’s failure to pursue fraud allegations in the Madoff case "deregulation"? Laws against fraud – that is, against the acquisition of someone else’s property by deceitful means – have never been regarded as "regulation" or limits on free-market activity. They were simply part of the free market’s common-law prohibition against violating person and property. Regulation, on the other hand, consists of government interference with private parties setting their own nonfraudulent terms of exchange in the market. By equating abstention from investigating fraud with laissez faire, you have allowed your ideology to blind you. Maybe this would be a good topic for discussion on your program." In other words, failure to investigate and prosecute fraud is a fundamental breakdown in the rule of law, much as it would be to do likewise for cases of murder or conventional robbery. It is not a characteristic of a free market. If we want to get to the bottom of the problems, as I believe Black sincerely does, we need to be very careful about diagnosing the problems correctly and a prerequisite for doing so is using accurate language. This is not mere quibbling about semantics.
(...)
These problems were a result of ideologies which swept away regulation. Regulation and law enforcement mean that cheaters don’t prosper and allow capitalism to function properly and honest purveyors to succeed:
As discussed earlier, free markets DO punish fraud, so if there was an ideology that was responsible for the non-punishment of fraud, it is not a free market one.
Free markets also punish reckless behavior by allowing companies and individuals to endure the consequences of their actions, not get bailed out. This is another way that they allow honest and prudent people to succeed.
Free markets also allow for open competition which over time will produce better businesses. On the other hand, for example, giving regulatory preferences to certain rating agencies will create a cartel instead, making it more likely for the poor performance of said companies noted after the crash of the Technology Bubble to continue.