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Está em marcha uma campanha para defender Neto de Moura. Uns argumentam com questões processuais no que à mais recente decisão polémica diz respeito. Outros, muitos dos quais situados ideológica ou partidariamente à direita, consideram que nos últimos meses assistimos a uma campanha de lapidação do douto juiz promovida pela esquerda e alguns chegam até a falar em populismo (haja paciência para a aplicação do termo a tudo e um par de botas em infindáveis demonstrações de manifesta ignorância). Quando até questões relacionadas com a mais básica decência humana são vistas por lentes ideológicas e/ou partidárias e utilizadas para a luta política, é sinal de que estamos a bater no fundo - os que vão por este caminho, pelo menos. Podem continuar a defender o douto juiz que produziu esta prosa numa decisão sumária no âmbito do Processo n.° 388/14.6 GAVLC.PI, mas não esperem que vos respeitem nem se admirem se forem insultados.
O bastonário da Ordem dos Advogados está a ser muito suave no tratamento que concede ao magistrado autor da blasfémia jurídica. A invocação de adúlterio para desculpabilizar a violência doméstica revela uma doença ética bastante mais grave. No entanto, o bastonário dos advogados Guilherme Figueiredo afirma que Neto de Moura não reúne as condições para voltar a julgar violência doméstica, mas concede ao magistrado o perdão no que diga respeito a processos de outra natureza. No meu entender, a prevaricação do magistrado é de tal ordem grave que deveria ser suspenso da sua função. O problema, embora resida na aprovação da violência doméstica por força da argumentação descabida e inaceitável da circunstância do adultério, tem ramificações diversas. A citação moral da Bíblia constitui em si um delito que lesa a constituição da república portuguesa. Que eu saiba, o Estado português é laico. Nessa ordem de ideias, colocam-se distintas possibilidades de execução análoga. Qualquer escritura sagrada poderia ser invocada e servir de fundamento para validar decisões judiciais. Teríamos de aceitar a fé budista do magistrado X ou a reverência protestante do magistrado Y. A contaminação moral a que assistimos pura e simplesmente não pode acontecer. A própria hierarquia da Igreja Católica em Portugal tarda em pronunciar-se de um modo categórico. Eu entendo que na mesma escala de valores que omite a pedofilia, nem sequer pestanejem perante o acervo do adultério que agora foi arrastado para o domínio da criminalidade, dos tribunais. Confirmamos, e tornamos a confirmar, que o próprio sistema jurídico, que deveria proteger os cidadãos, tal como a Protecção Civil, deve ser intensamente auditado e recalibrado. Não podemos admitir este atentado, como tantos outros ataques perpetrados pelos bastiões que deveriam ser o garante moral da dignidade das nossas sociedades. Neto de Moura apela descaradamente à violência doméstica servindo de bandeja aos prevaricadores mais uma arma de arremesso. Regressamos aos tempos do Índice, para alargar o léxico e validar a prática da violência doméstica - vergonhoso, inaceitável.