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Tinha feito a promessa de que não dedicaria mais uma linha a José Sócrates, mas como podem constatar, estou a mentir. Para além dos camaradas socialistas, não sei quem mais quererá dar o seu aval e desejar o regresso à vida política do antigo primeiro-ministro. Mas não foram apenas socialistas que o elegeram. Aqueles que vestem outras cores e que se dizem ultrajados pelos feitos do ex-governante, também o colocaram em São Bento. No fundo, todos esses eleitores são muito parecidos com Sócrates. Comprometeram o país, mas não o admitem. Deram a esferográfica ao lider socialista para que este assinasse o memorando com a Troika, mas sob juramento afirmam não se lembrar desse dia. E agora parece que estão prestes a repetí-lo, a conceder-lhe cama e roupa política lavada - nasceu um movimento para relançar o desenhador de Castelo-Branco na vida política activa. No meio da aparente naturalidade de entrevistas, livros, teses de mestrado e o direito ao contraditório, de um modo perversamente subtil, põem inimigos viscerais de Sócrates a dissecar os seus intentos, a grandentrevistá-lo. Acontece que esses antagonistas-jornalistas acabam por revelar que a sua vida anterior apenas se justificava porque Sócrates estava no poder. E esse facto deve ser analisado com grande rigor para entendermos como os jogos se fazem com os jogadores do costume. Um conjunto de negócios e afazeres gira em torno da polémica associada àquele que deu o derradeiro golpe de misericórdia em Portugal. Esse mesmos fazedores de opiniões baratas não chegam a ser abutres - não voam em círculos em torno de uma carcaça. O animal político Sócrates não está em cativeiro e não é uma espécie em vias de extinção. Demonstra aos cínicos que estes devem continuar a sê-lo sem vergonha na cara. Seguro, que desapareceu de cena nas últimas semanas, após a apoteose das autárquicas, vai ser o manjar da antropofagia política que Sócrates irá colocar sobre a mesa. Para distrair, dizem-nos alguns cronistas, que o ex primeiro-ministro aspira a poisos internacionais, que um cargo guterresiano o aguarda, que a sua tese serve para piscar o olho a um organismo mundial - quiçá a Amnístia Internacional. Contudo, o problema não tem nada a ver com amnistia. A questão tem mais a ver com amnésia. Os portugueses parece que desejam sofrer com a mesma dor. Sentem-se familiarizados com o torturador - já o conhecem. Há um certo conforto masoquista nisto tudo - saber de antemão que não haverá supresas. O homem apresenta-se como Deus o colocou sobre a terra, a condição crua que agora revela, a bocalidade em forma de ressurreição. Se os portugueses concedem tempo de antena a uma pessoa que cospe insultos e ofensas, não há muito mais a acrescentar. Para além do mais, não se conhece obra do mestre-engenheiro para além da grandeza do Freeport e os duvidosos Magalhães. As palavras gravosas que dirige a todos que se lhe cruzaram no caminho, serão parecidas com aquelas que dirigirá a quem se lhe atravessar à frente - em sede própria, no Rato. Estamos na fase de pré-qualificação do campeonato de Sócrates. Estes encontros amigáveis servem apenas de aquecimento para um jogador que não hesitará em entrar a pés juntos e em riste. Na fase de grupos em que se encontra, se eu fosse Seguro teria algum cuidado. Mas não deve ser o único a temer o sorteio do play-off - António Costa também deve levar em conta Sócrates. Uma coisa é arrumar Assis e Seguro em dois ou três rounds, outra coisa é entrar na corrida, num mano-a-mano com outro avançado que pretende a titularidade no mesmo clube - Costa que se ponha a pau, que ainda vai sobrar para ele. Os ares de França, os ventos de Le Pen parecem ter inflamado Sócrates e atirado o político para outro estilo. O socialista está cada vez mais parecido com intérpretes extremos que se encontram espalhados um pouco por toda a Europa. A coberto de uma qualquer ideologia de esquerda, Sócrates vai galgando margens e limites para se afirmar como um homem mudado. Um homem alterado pela ingestão de poder. Um regressado com vontade de vingar algo. E essa vendetta nada tem a ver com Portugal. Há algo atravessado na jugular do parisiense e, se não tiverem juízo, os portugueses também pagarão para ver.