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André Barata escreveu um excelente texto sobre a relação entre política e ciência, opinião e conhecimento, nos tempos que vamos vivendo. Está destinado a eriçar os espíritos fanáticos e dogmáticos cheios de certezas absolutas e que ofendem os que não só não concordam com eles como ainda evidenciam a sua ignorância, ou não seja o anti-intelectualismo uma marca destes tempos. Já Eric Voegelin explicou que "Quando a episteme é arruinada, os homens não deixam de falar acerca da política; mas agora têm de se expressar no modo da doxa." Não lêem, mas reivindicam um suposto pensamento original que não passa de um arrazoado de opiniões sem sustentação científica. Confundem opinião com conhecimento, ideologia com ciência e convicção com verdade. São meros subjective knowers, na classificação de Ken Bain, indivíduos que utilizam os sentimentos, as crenças, para realizar juízos de valor, em que uma ideia está certa se a sentirem certa. Há-os à esquerda e à direita, e as redes sociais, com a democratização do espaço de opinião que lhes está associada, mas especialmente as suas câmaras de eco e bolhas, acabaram por agravar este estado de coisas, mostrando à saciedade que o diálogo civilizado é bastas vezes suplantado por discussões irracionais, ataques ad hominem e teorias da conspiração. No fundo, tornaram mais evidente a ausência de critério para arbitrar entre diversas posições, restando apenas a razão da força, com tribos ou barricadas ideológicas a tentarem gritar mais alto que as suas adversárias - se não mesmo inimigas. Deixei, há já algum tempo, de ter paciência para muitas destas pessoas que pululam por aí e para as provocações e ofensas que algumas me dirigem. Muitas já teriam idade para ter juízo, mas não chegaram a atingir um certo estado de maturidade no sentido aristotélico do termo. São casos perdidos, pelo que há que manter o foco naqueles que procuram atingir a maturidade estudando e pensando de forma racional e justa. Não por acaso, os meus alunos pensam melhor que muitos dos fanáticos que andam por aí, por isso há que continuar o labor da tradição científica.
Sabemos todos muito bem que o político vive do dito por não dito, da euforia das promessas eleitorais, e no lance seguinte, da alteração do curso de acção. Faz parte engalanar o discurso a caminho do promontório, e, uma vez lá chegados, parece que afinal as convicções eram outras, as prioridades distintas. Acontece a todos os candidatos (e repetentes), invariavelmente, e independente do partido de origem, a ideologia de fundo. Os eleitores, hipnotizados pela oratória mais ou menos elaborada dos proponentes, caem que nem patinhos na conversa, no conto do vigário - vezes sem conta. Porém, não são os únicos. Os comentadores e analistas também padecem da mesma condição de volatilidade. Não há nada de artificial nesse comportamento. A natureza humana é feita desse deslizar na régua da opinião. Acontece-me a mim, como a tantos outros. Pouco honesto seria se não admitisse a minha incoerência. O tempo, por onde se estende a agenda dos juízos, acaba por servir para definir a amplitude da mudança, repentina ou não. Ao longo destes últimos anos, e à luz da crise que atormenta vidas desconhecidas ou não, sei que sofro de vulnerabilidade. Sei que o meu espírito foi admoestado pelo sentimento negativo, pelas evidências do descalabro, mas ao mesmo tempo, como se fosse um instinto de sobrevivência, esgotámos a neura e procuramos ver a luz, um lampejo de esperança. Dito isto - de um modo puramente sensorial -, mal de nós seria se nos deixássemos derrotar. Os governos, incumbentes ou aspirantes, lidam e não lidam com o espectro dessa fragilidade de sentimentos, ligam e ignoram a importância dessa força, a substância que funciona como anti-corpo para a sua deficiência congénita. Os governos, são, essencialmente, deficitários. Nunca correspondem aos anseios - comprometem os sonhos. Vivem numa superfície relativista, explicável, mas não necessariamente justificável. Na mudança de turno, despoletada por processos eleitorais, os fundamentos da acção não se alteram - confundem-se. E é precisamente diante dessa panóplia de falsas opções que nos encontramos. O actual governo ainda pode fazer mais, mas não fará menos do que aquele que se segue. Confesso que seria conveniente agarrar-me à instransigência, ao dogma que não concede um palmo à noção de alteração, ao engano. No entanto, se realizasse o exercício confessionário, confirmaria a contradição. O dia que não se segue à aurora - aquilo que fui ontem e que deixei de ser hoje. Nessa modulação de onda onde me encontro (onde nos desencontramos) aceito as minhas insuficiências e respeito as animosidades que provoco nos outros - estou vivo. Faz parte da condição humana estar vivo (muito melhor do que falecer). Trata-se de reflectir de um modo incompleto sobre o modo como vertemos a nossa eterna volatilidade. Se os parodiantes servem o interesse nacional ou afagam o umbigo não me interessa nada. Há coisas mais importantes. Quanto aos governos, não sei o que dizer. Sei o que não devo dizer. E não preciso de ligar a televisão para confrontar fantasmas que afinal não o são. São pálidas sombras da mesma árvore, ressequida - tombada.