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O fenómeno ou comportamento de matilha é algo que tenho observado acontecer nas redes sociais, nomeadamente no Facebook, quando alguém com uma opinião contrária à maioria dos comentários é atacado em grupo por essa maioria. Geralmente este fenómeno observa-se nos comentários ao comentário, desenrolando-se, por vezes, uma extensa discussão até ou à desistência do atacado, ou ao cansaço do grupo.
Este fenómeno tem-se acirrado nos últimos meses, por causa da pandemia. Dada a larga escala e difusão constante de notícias, algumas contraditórias, as redes sociais replicam o eco geralmente catastrofista e ampliam-no em larga escala.
Tem-se ntoado uma diferença no opinismo digital: nas primeiras semanas no confinamento havia ânimo. Afinal, tudo ia ficar bem. O pânico crescia, no entanto, proporcionalmente ao número de infectados e de mortos e, à data do desconfinamento, o projecto da comunicação social para colaborar para travar a difusão da pandemia dera certo: poucos queriam sair de casa e os que saiam começaram a ser vistos como potenciais assassinos.
Neste tipo de difusão de mensagem não há lugar a nuances, ou se é ou bom ou se é mau. Da mesma forma que não há lugar para boas notícias. Como olhamos diariamente (eu diria mesmo quase de hora a hora) para os casos de COVID-19 dentro e fora de Portugal, não há margem para pensar em mais nada. Fora da pandemia, nesta altura, não existe vida.
Nas redes sociais, que em parte replicam comportamentos públicos, as pessoas mobilizam-se. Esta mobilização faz-se ou por mimetismo, ou por arregimentação. No caso do mimetismo: pânico gera pânico, medo gera medo. No caso da arregimentação, ela processa-se de forma solidária: os membros de um grupo ou partido, ideologia ou corporação arregimentam os seus e todos apontam ao alvo. Este tipo de mobilização é transversal a todas as questões candentes das redes sociais e estão geralmente associadas a páginas específicas, de figuras públicas, projectos de comunicação social.
Já fui várias vezes alvo dos dois tipos de ataque em matilha. Recentemente vi-me confrontado com uma situação verdadeiramente kafkiana: por comentar uma notícia a respeito de um título de um artigo de Pacheco Pereira (artigo que não li, apenas fazendo menção ás “gordas”) sobre o facto de o São João do Porto ter sido «domado» em tempo de pandemia vi-me encostado à parede por uma matilha de indivíduos que me acusou de ser um conspiracionista e até um disseminador da doença. Isto por eu ter escrito que se o Porto fora domado, o fora pelo medo – o que, continuo a afirmá-lo, é verdade e está à vista de todos. O medo tem-nos a todos reféns.
Apareceram comentadores de todos os lados e origens. Se é certo que a maioria não tinha dados suficientes para aferir, muitas vezes, sequer da sua identificação real, nota-se que há uma predominância de indivíduos pouco dotados para a escrita e para a argumentação. A partir de uma determinada altura o argumento é apenas o insulto e noutros casos a utilização de dados pessoais localizados na internet para tentar destruir o opinador e fazê-lo desistir, ou para embaraçá-lo no confronto com as suas próprias acções, profissão e até aspecto físico.
No caso que acima exemplifiquei o que me chocou particularmente foi o de um médico cujo método de ataque era recorrer a comentários de teor homofóbico para tentar, não só desviar o assunto, como rebaixar a opinião do outro pelo ridículo. Não contente, ameaçava com pena de prisão por advogar à disseminação da doença – como se alguém, por ter uma opinião diversa da maioria, fosse considerado um pária, ou, pior, um assassino em potência!
A Raquel Varela escreveu, recentemente, um texto sobre este tipo de ataques soezes e da necessidade de reflectirmos sobre eles. As redes sociais permitiram, e felizmente bem, a possibilidade de mais vozes chegarem mais longe, mas ainda não conseguiram educar para a discussão sã e cordial que poderia ser alcançada, por exemplo, pela responsabilização dos proprietários dos perfis (o sistema de denúncia não funciona porque é feito através de «robots» que lêem palavras proibidas, mas não conseguem entender insultos «complexos») nomeadamente através da associação aos perfis de componentes de identificação credíveis (o cartão de cidadão, por exemplo).
Estou em crer que o problema das fake news poderia ser mitigado com estas formas de identificação credível, em vez de deixarmos as redes sociais entregues a perfis falsos criados para lançar rumores e ataques, trolls e toda uma panóplia de indivíduos sem qualquer capacidade crítica, alguns irresponsáveis sem o saberem ou disso terem consciência.
Os habituais fazedores daquilo a que abusivamente se chama opinião pública, desesperam no final de um verão que como é regra, tem sido parco em notícias capazes de atrair um mínimo de atenção. De facto, não existe em Portugal, uma opinião pública tal como a conhecemos em alguns grandes centros urbanos na Europa ou nos Estados Unidos. No nosso país, essa opinativa actividade, é reservada a uma dúzia de participantes no jogo político que aparentemente criticam. Os habituais amigos, filhos, primos ou amantes de "personalidades de relevo", entram-nos em casa todos os dias, perturbam-nos a digestão e obrigam os telespectadores à maçada muito pequeno burguesa do zapping, na esperança de uma fuga às pequenas misérias que pelo passe prestidigitador desses opinion makers - é assim que se reconhecem e se comunicam, sempre em inglês -, sobem às alturas e transcendências dos outstanding events ou breaking news.
Para existir uma verdadeira opinião pública, essa massa anónima que teoricamente nomeia ou despromove políticas ou personalidades, um país terá infalivelmente que contar com sectores consistentemente organizados e participativos nas mais ínfimas formas de manifestação de interesse pelo destino comum. A isto normalmente se chama "espírito cívico" e na Inglaterra, por exemplo, proliferam sociedades já centenárias, onde os seus sócios se dedicam à preservação de testemunhos de um passado aparentemente desinteressante e por vezes excêntrico - a sociedade dos arqueiros, dos lanceiros ou dos amigos dos torneios -, mas que para uma comunidade, reafirma pela sua simples existência, uma constante naquele sentimento de pertença a uma terra, a um povo, enfim , à identidade que lhes é por qualquer forasteiro reconhecida. Desta forma, se em Lisboa entrarmos numa casa de revistas e jornais, podemos contar com um grande número de publicações especializadas em temas por vezes estranhos ou anacrónicos, onde após milhares de páginas publicadas durante dois séculos, ainda são publicados textos relativos a Waterloo, ou às características náuticas deste ou daquele vaso de guerra da Marinha Real do século XVII. Há quem se interesse, investigue e publique, sabendo da existência de um público ansioso por saber mais, em cimentar certezas e talvez, ávido em cultivar um certo fetichismo por símbolos de um passado que lhe dá razão de ser. É esta gente que lê, que se interessa e segue atentamente os debates sob os mais diversos temas nas tv's nacionais e estrangeiras, que constitui verdadeiramente a chamada opinião pública. Entende os discursos, possui referências capazes de situar o colóquio ou tema deste, no espaço e tempo histórico e forma assim, um núcleo decerto restrito mas influente, de verdadeiros cidadãos aos quais os agentes políticos terão forçosamente de dar a devida importância.
Em Portugal, não existe esse tipo de opinião pública e é supérfluo explicarmos a causa dessa grande lacuna num sistema - ou melhor, forma de governo - que se reclama da democracia. Existe sim, uma opinião que, sendo restrita a um círculo indecentemente íntimo dos donos da situação, não pode ser considerada pública, pois reserva-se a uma casta de duvidosa pré-selecção em conformidade com as regras acima descritas e que condiciona a informação que interessa. Os debates televisivos alongam-se infinitamente em discussões absolutamente irrelevantes e a aproximação da abertura das taças e campeonatos da "Liga" são um bom exemplo, ou recorrendo ao hipocondrismo latente na sociedade, debatem-se consecutivamente, centos de cancros e tumores, fungos e bactérias. Os horários nobres são desta forma monopolizados por todo o tipo de lixo susceptível de consumo, seja aquele protagonizado por um Dono da Bola, um intriguista dos mentideros das alfurjas da partidocracia tentacular, ou pior ainda, por novelas ou séries sem qualquer interesse e perfeitamente virtuais no que respeita à realidade portuguesa. A esmagadora maioria dos sujeitos passivos - os espectadores -"não quer saber" e pior, manifesta orgulhosa fanfarronice nesse desinteresse. A política, o ambiente, os problemas locais, a História, isso, ..."é para eles, os malandros que se governam à nossa conta"...É esta, a grande opinião pública que temos.
A verdadeira opinião local, é diariamente engendrada pelos fazedores de casos e açuladores daquilo que é mais rapidamente assimilável por massas embrutecidas ao longo de muitas décadas. Uma notícia vem quase sempre acompanhada pela censura velada ..."à arrogância, afastamento e desinteresse pela festa popular"... e desta forma, o putativo candidato a governante, terá para essa gente, que se sujeitar ao íntimo contacto e à perda do seu precioso tempo e de energia, com o eleitor incapaz de qualquer discernimento, ou, ainda pior, de decidir conscientemente acerca de qualquer aspecto minimamente relevante da sociedade. Para os opinion makers domésticos, o bom político interessado, é aquele que se sujeita ao regabofe circense, ao permanente escrutínio da sempre presente inveja e do despeito deste ou daquele grupo de melindrados, estranhos ao círculo próximo da vítima a abater. Deve mercadejar em feiras, calcorrear lotas até à síncope libertadora, em nome da condescendência perante o zero absoluto. Quantos de nós não conserva a memória das patéticas cenas protagonizadas por ex-chefes do Estado, que cedendo ao populachismo fácil, envenenaram o relacionamento das gentes com as forças da autoridade, desrespeitaram o próprio Estado que dizem encarnar e deram deplorável sinal de fraqueza e rendição diante do voraz apetite de umas quantas objectivas fotográficas?
Manuela Ferreira Leite vê chegada a sua hora amarga e a decisiva prova de fogo, estando à mercê de uma coligação de vontades - jornais, tv, blogosfera, opositores do PPD - que antes de tudo, pretende contestar uma liderança já crismada não se descortina o porquê, de "frágil e inconsistente". Tudo isto se deve ao seu silêncio relativo a este ou aquele extraordinário evento lúdico promovido pelos meias-brancas do Partido, ou pelo menosprezo de um qualquer episódio menos feliz protagonizado pelo seu opositor governamental. A presidente não vai à feira, não frequenta bailaricos de arromba, não come fressura, nem emborca carrascão acompanhado de morcelas e sandecas de torresmo. Não está para isso e nem foi ao longo de mais de meio século, habituada à frequência desse tipo de tugúrios. É uma senhora, espécie em vias de extinção. Faz bem, ao contrário daquilo que lemos e ouvimos nos noticiários. Nesse aspecto muito particular da vida pública, creio que bem vão Sócrates e Ferreira Leite, quando se escusam a "dar confiança" a quem não interessa, não vale, nem pode. Nada de confusões.