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O homem que nos faz falta

por Nuno Castelo-Branco, em 08.08.11

 

 

 

Era um símbolo de coerência, valia pelo continente inteiro. A Europa precisa hoje de um Kaiser Otão de Habsburgo com 45 anos. Desperdiçou-o enquanto foi vivo e não quis saber daquilo que significava. Em vez de uma Europa de muitas pátrias, ficámos com Sarkozy, Merkel, Berlusconi e outros deste  nível. Não existe qualquer hipótese, tudo parece estar a diluir-se num imenso nada. Tarde demais!

publicado às 20:28

Quem foram eles?

por Nuno Castelo-Branco, em 18.07.11

Sempre me divertiram essas republicanas susceptibilidades. Agora, tratou-se do caso do funeral de Otão de Habsburgo, onde um desconhecido Presidente vienense foi obrigado a comparecer, devido à presença de numerosos Chefes de Estado estrangeiros. A República austríaca, já suficientemente mesquinha quanto à sua nula identidade - foi proclamada em 1918, reivindicando a sua pronta adesão à Alemanha e sob o nome de Deutschösterreich - , não podia ficar de fora. Além da constante e quase obsessiva perseguição à pessoa do Grande Homem que há dias partiu deste mundo, a República austríaca vive em boa e regalada forma de parasitismo, às custas do legado dos Habsburgos. Desde Schönbrunn à Hofburg, do Ring à Ópera, do belíssimo edifício do Reichsrat aos grandes Museus e à valsa que se tornou no símbolo do país, tudo gira em torno da lembrança da dinastia daquele Império que foi o essencial elo do perdido equilíbrio europeu. Os Habsburgos estão presentes a cada esquina, em cada jardim ou praça. O país não medra sem eles, estejam ou não estejam sentados no trono. Mais que a presença das pedras e das telas ou o som das orquestras que transportam os turistas para um outro tempo cheio de memórias, os Habsburgos significam uma certa ideia de Europa que a República austríaca jamais conseguirá impor. Pior ainda, do seu democrático Parlamento chegaram ecos de ódio "contra os estrangeiros" que um dia foram todos denominados de "portugueses", numa abusiva generalização que nem sequer tem em conta, a fraquíssima presença dos nossos nacionais naquele pequeno país.

 

Desde há um século, quem são os grandes nomes do Estado austríaco? Quem se lembra ou retém como saudosa evocação, o nome de um Presidente ou de um 1º Ministro? É preciso o recurso a uma dose cavalar de fosfoglutina para avivar a memória, principalmente quando as referências são tão escassas. Senão, vejamos:

 

Francisco José foi Kaiser durante a maior parte do século XIX e marcou indelevelmente o ocaso do Império, falecendo em 1916. Os seus retratos estão por todo o lado, dos cafés de Viena, Praga, ou Budapeste, às casas particulares. O velho Senhor concitou o respeito e saudade por um tempo em que o Império significava um certo esbater de fronteiras e a possibilidade da vida em comum. 

 

O segundo austríaco, foi o sucessor Kaiser Carlos I, soberano efémero mas cujo patriotismo e grande dignidade são um exemplo. Este descendente de D. Nuno Álvares Pereira, é hoje um Beato da Igreja e a Áustria disso beneficia, no seguimento daqueles outros homens que se tornaram em símbolos dos seus países, como São Luís em França, Santo Estêvão na Hungria, São Venceslau na Boémia. Ainda há pouco tempo, Otão de Habsburgo dizia que jamais permitiria a trasladação de Carlos I, pois a Madeira tinha-o acarinhado nas horas trágicas da pobreza no exílio, protegendo a família e tornando aquele descendente dos Reis de Portugal, num dos seus. Por vontade da Casa de Áustria, o Beato Carlos I para sempre repousará na Igreja do Monte e isso interessa-nos enquanto portugueses. É talvez o elemento mais importante de proximidade entre o nosso país e a Áustria.

 

O terceiro austríaco com fama mundial, foi o Chanceler Adolfo Hitler, dispensando qualquer tipo de considerações.

 

O quarto, já na obscuridade bem própria dos políticos que não deixam marca notável, foi Kurt Waldheim. Quem dele ainda se recorda? Com um passado nebuloso e perdido no período de ocupação da Jugoslávia de 1941-44, Waldheim "reciclou-se" às mãos chantagistas da ditadura soviética, sendo um precioso peão que ascenderia a Secretário-Geral da ONU. Foi um dos mais terríveis inimigos de Portugal e sem honra ou glória, conseguiu alçar-se a Presidente da Áustria, para grande consternação de um mundo subitamente consciente da sua controversa personalidade. Já então se conhecia o seu passado bipolar e muitos aproveitaram o ajuste de contas por actos políticos no pós-guerra, nomeadamente aqueles praticados durante a sua permanência nas Nações Unidas.

 

Otão é o homem que transversalmente corta o tempo de todos os precedentes, desde a conhecida foto de criança que abraça as pernas do tio-bisavô, até à saga dos exílios - que foram muitos - e da generosidade da dádiva de uma Europa que ele quis diferente e que hoje lamentamos não se ter erguido por cobiça de muitos, desrespeito dos vorazes burocratas e frustração das bem instaladas nulidades que nos comandam

 

São estes, os homens de Estado que o século XX austríaco marcou. Consegue recordar-se de outros?

 

Como Otão dizia, "as feridas do dinheiro nunca são mortais. As políticas, sim".

publicado às 10:20

Hoje, em Viena

por Nuno Castelo-Branco, em 16.07.11

Vai hoje a sepultar, aquele que foi uma das grandes referências de uma certa ideia de Europa Unida que não chegou a existir. Uma Europa de pátrias e de nações, imbuída daquele sentido de pertença que outrora de Lisboa a Varsóvia, todos considerava como partes de uma Respublica Christiana.

 

Homem invulgar e pouco compreendido por quem hoje se rende a cocktails e aos acenos a patéticas sumidades de incerta futura reputação, Otão de Habsburgo foi talvez o derradeiro representante de um espírito de missão próprio da era medieval, abdicando do conforto ou da glória pessoal, mas jamais da obrigação do cumprir de um dever que julgou sagrado e acima das contingências da baixa política e dos ciclos económicos ou de guerras que sempre combateu.

 

Dele para sempre me ficará na memória, a afabilidade e o interesse mostrado por um rapaz português que no já longínquo ano de 1983 e em representação da então Nova Monarquia se dirigiu a Fulda, participando numa grande reunião da União Paneuropeia. Procurando falar no hesitante português que ainda recordava, naquele fresco Domingo passado a bordo de um navio de cruzeiros no Reno, Otão questionou-me longamente acerca de Moçambique e com a curiosidade que foi sempre a sua base essencial para o conhecimento, mostrou um inesperado e surpreendente interesse acerca de uma família que deixara a Europa quando ainda reinava em Viena o seu tio-bisavô, o Kaiser Francisco  José. Teceu algumas considerações resignadas sobre uma forma de descolonização que julgava como um tremendo erro que atingia a Europa como um todo, espantando-me com a sua perfeita consciência acerca dos momentos por nós vividos no PREC. De Portugal conservava a gratidão nostálgica da sua infância no exílio e tinha um certo sentimento de pertença a uma já desaparecida consciência deste país e do seu povo. Falou-me da sua viagem à então África Portuguesa, onde visitando um chefe tribal, foi tratado como um membro da família, pois sendo parente muito chegado dos nossos Reis, beneficiou daquela rara distinção que o tornava num igual, num primo. Coisas portuguesas, talvez inconcebíveis por muitos europeus que ainda não compreenderam que o nosso fugaz momento de pouco mais de dois milénios, já terá terminado. Aquela conversa que também contou com a participação da sua filha mais militante pela Causa, a Arquiduquesa Walburga, chegou a um certo ponto onde alguns temas, completamente imprevistos pela evidente intimidade, levaram o grande Homem a discorrer sobre as suas relações familiares, tendo a Arquiduquesa dito peremptoriamente que o seu pai era ..."o mais Bragança de toda a família. Sai à minha avó Zita". Era verdade e podemos dizer que se celebram exéquias por um notável membro da grande Casa de Bragança. Otão de Habsburgo-Lorena descendia de Dª Maria II pela linha paterna, enquanto a mãe, a Imperatriz Zita, era neta de D. Miguel I e prima direita de D. Duarte Nuno.

 

Se a Áustria-Hungria pode ser considerada como uma pujante precursora imolada no altar do egoísmo e da vingança de vencedores sem visão, Otão - aquele que nada temeu e soube enfrentar as grandes tiranias do século XX - poderia muito bem ter sido a primeira pedra de um edifício que hoje, quase todos duvidam ter qualquer possibilidade de construção. Nestes dias do fim, mal suportamos um quase hortícola  Rompuy, quando podíamos ter simbolicamente iniciado um outro caminho com aquele que descendia de Otão I o Grande, de D. Afonso Henriques, S. Luís, Carlos V, D. João IV, Luís XIV e de mulheres como Dª Filipa de Lencastre ou a Imperatriz Maria Teresa.

30 de Dezembro de 1916, Otão nas cerimónias da coroação de seus pais como Reis da Hungria

 

publicado às 00:01

Chocolates do Kaiser

por Nuno Castelo-Branco, em 06.07.11

 

Otão de Habsburgo com o Imperador Francisco José

 

Embora não tenha escrito nada a respeito de SAIR - trata-se de um post de Pedro Quartin Graça -, aqui está uma nota enviada pelo meu pai.

 

"Nuno

Li o que escreveste sobre o arquiduque Otto de Habsburg, aliás Francisco José, pois ao nascer recebeu os pronomes do tio reinante.
Queria contar-te um facto que talvez aches interessante. 
Nos anos finais do decénio de 70  do século passado e durante toda a a década de 80, fui, mensalmente - pela Faculdade de Letras a Univ. de Lisboa -, ao Funchal dar aulas no Centro de Apoio Universitário local.
Um dia, em mês e ano que já não recordo, mais para os finais dos 70´s, recebi um telefonema de um austríaco - creio que funcionário da Embaixada do seu país em Lisboa - pedindo-me um encontro. Assim foi feito; encontrámo-nos no átrio da Biblioteca Nacional; à época morávamos no Campo Grande e na Biblioteca passava os dias pesquisando para a tese de doutoramento e em leituras para as aulas.
Enfim o Herr, de que esqueci o nome, pedia-me uma gentileza; se poderia levar uma pequena caixa com um saco contendo terra recolhida na Áustria, creio que em Persenburg-Gottrf, a terra natural do Imperador, e colocá-lo junto do caixão de Carlos, de Áustria-Hungria, o último dos Habsburg reinantes - já que o mesmo tinha aura de santo; aliás, seria beatificado em 2004.
Procedi como me fora solicitado e verifiquei que junto à urna imperial na Igreja de Nossa Senhora do Monte se encontravam outros pequenos pacotes, suponho que igualmente contendo terra austríaca. 
Conforme combinado, cerca de um ano depois, fui recolher a pequena caixa e telefonei ao tal Herr que a veio recolher, agradecendo muito. 
Poucos dias depois recebi um cartão com dizeres muito simples e uma assinatura não identificável que acompanhava uma bela caixa de chocolates com dizeres em alemão e que diziam, mais ao menos, tratar-se de chocolates para cavalheiros. Creio que todos nós os comemos regaladamente. 
Este acto de intermediário colocou-me na pista de Carlos de Áustria sobre quem li quanto me apareceu, tal como sobre a sua Imperatriz, nascida princesa de Bourbon-Parma, aliás, ambos com recentes antepassados portugueses.
Não escrevo para o blog ESTADO SENTIDO porque não sei como é que se faz. Se quiseres, podes utilizar esta pequena passagem da vida de um português de 3.ª classe, já que nascido nos cafundós de África. Pai "  
30 de Dezembro de 1916. Em Budapeste, Otão de Habsburgo com os pais, no dia da coração de Carlos IV e Zita como Reis da Hungria

publicado às 08:43

A única Europa que interessa

por Nuno Castelo-Branco, em 13.06.09

Comemorou há semanas 95 anos uma das mais fascinantes figuras do pensamento político europeu. Uma biografia exaltante, o combate ininterrupto pela defesa das raízes fundadoras e contra os trágicos mitos que mutilaram a unidade da nossa civilização: o tribalismo imperialista dos Estados-nação, o centralismo codificador e regulamentador, a cidadania sem pés [nem cabeça], a demagogia totalitária e a democracia sem arrimo na história, a luta de classes, os socialismos de direita e de esquerda, o capitalismo sem o sentido da propriedade, a usura contra o trabalho. Otão de Habsburgo continua, quase centenário, a impressionar pela coerência e é certamente um dos poucos militantes da ideia europeia que merece ser ouvido e seguido. Alguém em Portugal o segue ?

 

A este post do Combustões, acrescentaria apenas uma nota: numa Europa da cinzenta, improdutiva e bastas vezes ilusória "elite financeira", não deixa de ser notável a coincidência da opinião de homens como Otão de Habsburgo, Carlos de Windsor e em Portugal, D. Duarte.

publicado às 13:51






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