Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Se não faltam na política europeia figuras cuja melhor definição é a de patifes, este é dos exemplares mais refinados. Um dos obreiros da desgraça grega, que mesmo com o país a afundar-se na maior crise de que há memória, tentou ao máximo manter os socialistas no poder, e apenas pelo poder, mesmo que isso significasse piorar ainda mais a situação económica, social e de falta de credibilidade internacional. Sem quaisquer escrúpulos, e tentando adiar o fim de um governo já sem sustentação, ameaçou com um referendo sobre se a Grécia devia aceitar o segundo pacote de ajuda internacional. E como se não bastasse, nessa mesma altura (início de Novembro de 2011) fez uma substituição extraordinária de todas as chefias das forças armadas, para dar a ideia que estava iminente um golpe militar, e assim tentar vitimizar-se e legitimar a sua manutenção no poder. O próprio Papandreou o explicou dias depois, na cimeira do G-20 em Cannes, a Angela Merkel e Nicolas Sarkozy numa conversa que foi escutada por um jornalista francês (uma notícia que foi ignorada pela quase totalidade da imprensa internacional).
E é este indivíduo que agora tem o descaramento de vir dizer isto:
João Pereira Coutinho, Velhos Demónios:
«O primeiro-ministro grego suspendeu o referendo. A União Europeia tem muita força. Pena que não tenha o tino necessário para perceber que o referendo era uma válvula de escape para esvaziar as tensões que ameaçam a paz e a democracia do país.
Não se mudam as chefias militares de forma intempestiva sem se temer o pior. E o pior seria um golpe de Estado na Grécia, o que aliás não espantaria: a última cimeira ‘histórica’ não produziu apenas um perdão parcial da dívida. Consagrou, de forma permanente e humilhante, a ocupação de Atenas por burocratas europeus, que assim governarão a colónia com o sr. Papandreou a servir de fantoche. Isto, que não horroriza as ‘elites’ europeias, horroriza com certeza os militares gregos. E o recuo de Papandreou no referendo perante as ameaças histéricas da parelha Merkel/Sarkozy não deve ter acalmado os ânimos.
A cegueira da União Europeia para salvar o euro a qualquer custo está a semear velhos demónios por todo o lado.»
Leio por aí autênticas demonstrações de incapacidade de perceber duas coisas simples: i) Realismo em Teoria das Relações Internacionais continua a ser a melhor e mais elegante explicação do comportamento de actores estatais na arena internacional, pelo que é mais do que óbvio que Papandreou não está preocupado com as quedas nas bolsas, nem tem que estar, ao contrário do que Ricardo Vicente pensa. Os gregos são gregos, não são alemães, portugueses ou italianos e têm que se preocupar é consigo próprios e não com os desaires dos outros, especialmente quando estão humilhados e com uma soberania cada vez mais reduzida. Nós devíamos fazer o mesmo antes de andarmos a debitar postas de pescada em tom moralista acerca dos gregos, quando a nossa casa ainda está longe de estar arrumada; ii) a política interna grega foi descurada pelas autoridades europeias e aquilo que pode parecer um acto tresloucado de Papandreou foi, na verdade, a forma de acabar com o bluff da irresponsável oposição interna. É ler Fareed Zakaria:
«On the leadership of Greek Prime Minister George Papandreou, I actually think he’s trying to handle this in a pretty responsible way. He has accepted huge budget cuts – cuts that, frankly, no American politician could ever accept or enact. The Greeks have gone through two rounds of huge budget cuts. They are proposing a third round of these budget cuts. But Papandreou is also a politician and he recognizes that his political situation was getting very difficult. And he saw that the opposition party was acting incredibly irresponsibly by opposing the terms of this European bailout and so he called their bluff. The whole point of the referendum was to say to the opposition, “Fine, if you want to oppose this deal, then you take responsibility for the fact that Greece will be thrown out of the Eurozone.”
Papandreou's bid worked. He called the opposition's bluff and as a result the opposition backed down. Overall, I think Papandreou has handled this in a pretty clever way.»
E a nomeação de um governo de transição liderado por Lucas Papademos, antigo vice-presidente do BCE, estaremos prestes a assistir a um golpe de estado constitucional num regime democrático, operado em larga medida pela UE. Nada de mais. Agora já sabemos o que acontece quando algum país tentar sair do euro.
Merkel e Sarkozy já congratulam Papandreou pela consulta popular, adjectivando-a de legítima, sugerem a formulação da pergunta e exprimem claramente o desejo de que os gregos devem votar se continuam ou não na zona Euro. Papandreou já ganhou um round da aposta.
O timing de Papandreou entre o anunciar o referendo e substituir as chefias militares parece indicar que provavelmente evitou um golpe de estado iminente - a consumar-se, seria algo bem pior para a UE do que um default do estado grego. Em tempos de crise e de necessidade, não deixa de ser positivo assistir ao regresso da alta política ao palco europeu, com um travo de ironia ao pensarmos que é o PM de um estado à beira da bancarrota, e cuja reputação internacional anda pelas ruas da amargura, a mostrar aos outros o que é liderar a sério.