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Após um interregno de quase seis anos, por razões de ordem académica, tenho alguma dificuldade em reintroduzir-me neste ambiente e redigir um texto digno deste blog. Paradoxalmente, estive ocupado durante este tempo todo com a redação e a entrega da minha tese de doutoramento que espero poder defender em breve. Ou seja, fartei-me de escrever e não menos pesquisar. Mas isso não me habilita particularmente para a tarefa do escrutínio analítico do estado da arte do comentário político em Portugal. As campanhas seguem a todo o gás e os comentadores da praça (com rarissímas exceções) não são mais do que filiais falantes dos partidos de sua eleição. Ou seja, perderam, se é que alguma tiveram, a equidistância analítica objectiva que se exige na e da ciência do comentário político. De um modo despudorado inclinam os pratos da balança, servem-se de figuras de distorção ou simplesmente deixam-se guiar pelas emoções da ideologia desenfreada que os cega. O apelo às emoções que afirmam representar um perigo para a democracia são precisamente as mesmas que já os contaminaram. Se a democracia corre sérios riscos, o comentário político não. O comentariado político já caiu no marasmo que dá azo à perda da credibilidade, que apunhala a objectividade e destrói a possibilidade do contraditório. A espécie de ultra-ortodoxia de género ideológico que destilam não tolera o contraditório e aniquila a possibilidade de estabelecer pontes e consensos. Mas os comentadores não têm culpa. Foram doutrinados pelos gurus que seguem na bruma que tolda o pensamento e a reflexão. Resta saber quais são as contrapartidas esperadas ou os favores que ainda são devidos. Tenham medo, muito medo. O extremismo do comentário político já se encontra entre nós. Está vivo e é pouco recomendável. Não sei o que é preferível: comentário político que não é comentário político, ou silêncio total.
Lá fora, ainda não foi desta que a onda populista se tornou tsunami.
Cá dentro, à esquerda, se um partido no governo, com um péssimo cabeça de lista, consegue este resultado, imagine-se o que não conseguirá nas legislativas se as circunstâncias sociais e políticas se mantiverem estáveis; à direita, se esta não for capaz de se entender, de gerar um projecto inovador e agregador, de concorrer a eleições em coligações amplas, dificilmente voltará a ser governo nos próximos anos - e não será com as lideranças de Rio e Cristas, ambos sem ideias para o país e com o carisma de uma couve de Bruxelas, e ignorando ou descurando o potencial da Aliança e da Iniciativa Liberal, que conseguirá conquistar o poder.
A grande vencedora, porém, continua a ser a abstenção, que, como é habitual, foi vilipendiada durante toda a noite por vários políticos e políticos-comentadores. A este respeito, e em modo telegráfico, saliento apenas que os sistemas partidário e eleitoral portugueses são bastante elitistas, fechados, pouco representativos da sociedade portuguesa e avessos à participação política. Podemos sempre colocá-los em perspectiva histórica e levar em consideração as condicionantes com que se defrontou uma recente e frágil democracia nos anos seguintes ao 25 de Abril de 1974. Mas passados 45 anos, temos partidos-cartel que dificultam a entrada de novos partidos no jogo democrático, não há a possibibilidade de candidaturas independentes à Assembleia da República, o mandato livre dos deputados é, na verdade, um mandato imperativo pertencente aos partidos que impõem uma profundamente anti-democrática disciplina de voto, não há eleições primárias nos partidos, não temos voto preferencial, não temos círculos uninominais e a tão propalada reforma do sistema eleitoral é mero ornamento de programas eleitorais de partidos que, obviamente, nunca irão abdicar voluntariamente de um sistema que lhes dá o poder que detêm e lhes permite continuarem a desdenhar a sociedade civil. A representação é cada vez mais ténue e a participação política para a generalidade da população, porque os partidos assim o querem, limita-se ao voto em listas previamente feitas pelas máquinas partidárias, ou seja, a uma mera ratificação do que os partidos decidem à porta fechada. É claro que há pessoas que têm pouco ou nenhum interesse pela política, mas colocar inteiramente o ónus da abstenção na generalidade dos portugueses, demitindo-se os partidos de quaisquer responsabilidades pelo actual estado de coisas, é, no mínimo, incorrecto e injusto. Por tudo isto, de cada vez que oiço da boca de políticos, em noites eleitorais, a ladainha da abstenção e do desinteresse dos portugueses pela política, apetece-me logo puxar da pistola. Isto é assim e continuará a ser assim porque os partidos querem que assim seja.
A caldeirada dos dinheiros partidários e favores políticos em Portugal deve-se a uma causa relativamente benigna - a falta de lobbies transparentes e regulados. Pensar apenas no financiamento de partidos dá azo a que se levantem suspeições e suposições em relação a tudo e todos. Mário Centeno pediu dois ingressos para ver o Benfica, mas tal facto não deve ser explorado usando a métrica do tráfico de influências. Não chega a tanto. Porém, o Presidente do Eurogrupo foi tonto ao servir-se do argumento securitário, pondo em cheque o protocolo regular instituído para figuras de Estado. Adiante, o jogo da bola não tem a ver com a discussão que urge. Há anos que os políticos de todos os quadrantes se servem de ligações especiais e concessões de bastidores. E é isso que deve ser corrigido, criando uma modalidade regulamentar que contemple todos os modos de transferência de meios, financeiros ou de outra natureza. Se o financiamento de forças políticas constar de um mapa obrigatório e de acesso online deixa de haver zonas cinzentas. Os Estados Unidos oferece péssimos exemplos em muita coisa, mas as regras são claras quanto à subvenção de agendas políticas - sabe-se de onde vêm os dinheiros. O que deve ser tido em conta em Portugal é a privatização do financiamento dos partidos. Não faz sentido que os contribuintes paguem a dobrar a acção política. Já basta que paguem os salários parlamentares, do executivo ou do presidente da república. Se o mercado político for privatizado e transparente, o dinheiro fluirá para onde houver mais credibilidade. A ideologia partidária teria, deste modo, de se fazer valer pelas ideias, que nutririam mais ou menos apoio financeiro de acordo com a sua consistência. Os lobbies, organizados em torno de causas, serviriam para disciplinar o caos e banir a prevaricação que ocorre na paisagem política nacional. Mas mais importante do que estas questões administrativas, seria estabelecer a correlação entre o financiamento de partidos e o avançar das causas meritórias que o país exige. O financiamento partidário, nos actuais moldes, parece desenvolver-se numa economia paralela, no sub-mundo da política. Não é líquido que do financiamento partidário resultem melhores soluções políticas para o país. E os portugueses gostariam de ver tudo à tona, à luz do dia e do seu juízo.
Já quase tudo se disse a respeito das alterações à lei do financiamento partidário. O processo foi desastroso, as explicações e justificações ainda mais, mas o conteúdo das alterações não me parece chocante, à excepção da possibilidade de aplicação retroactiva da isenção do IVA. Por mim, os partidos até poderiam estar isentos de todos os impostos e não ter qualquer limite à angariação de fundos, mas, em contrapartida, não receberiam subvenções estatais e teria de ser criado um regime de enquadramento legal da actividade de lobbying ou representação de interesses, passando as contas e a actividade dos partidos com assento parlamentar a serem muito mais transparentes e escrutinadas - o que, obviamente, não interessa a quem legisla e se senta à mesa do Orçamento. Agora, querer o melhor de dois mundos, subvenções partidárias pagas pelo Orçamento do Estado e doações e angariações de fundos sem limite é que me parece algo digno de indignação e uma questão para a qual ainda não vi ninguém alertar.
O santo protector dos pequenos partidos, João Galamba, não tem fé na redução do número de deputados parlamentares. Eu compreendo a lógica da batata por detrás do seu raciocínio. Um número avultado de deputados serve para disfarçar a sua falta de qualidade e diluir o sentido de responsabilidade. Um país rico como Portugal deveria ter mais parlamentares para sugar ainda mais recursos ao "errário" público. É gente retrógrada como Galamba que atrasa o caminho do país. É gente desta que deseja eternizar as oligarquias partidárias que tornaram Portugal refém de favores e privilégios. É gente desta que tem medo da racionalidade que deve guiar as reformas que um país exige. É gente desta que ainda tem uma horda de crentes a seguir as pisadas de um caminho de desvio. É gente desta que defende o seu interesse, mas afirma proteger a auto-determinação dos partidos. É gente desta que Portugal coloca nos centros de pensamento e decisão. É gente desta que não aceita opiniões diversas quando a cantiga não lhe é favorável. É gente desta que se serve de uma imagem hippie, mas que acaba por ser reaccionário, conservador.
É bom que os portugueses se começem a habituar. Acho muito bem que apareçam políticos "excêntricos" para abalar as mentes conservadoras dos partidos e daqueles que julgam que detêm o exclusivo das prerrogativas democráticas. Não julguem por um instante que Marinho Pinto preenche as minhas medidas, mas defendo o princípio de que, todo e qualquer cidadão, "desreferenciado e sem cartão de sócio", se possa fazer ao piso da política. A falsa alternativa de mudança será voltar a apostar nos mesmos cavalos de corrida, gastos e cheios de vícios.
Cada partido político deveria ter a sua Alexandra Solnado. Uma (pre)vidente oracular capaz de adivinhar o passado que ninguém quer lembrar. Começo por Francisco Assis, que vai descer o Chiado com José Sócrates e um bandinho, como se nada fosse, mas poderia alargar o conceito de hipnose e regressão a outros zombies. Em Belém o chefe da casa civil deveria acomodar um médium para servir de intermediário entre os semi-mortos e os vivos, especialmente aqueles que padecem de problemas de memória. Cavaco Silva deveria falar com Cavaco Silva, numa espécie de confessionário da inutilidade. E anualmente poderiam realizar um plenário de ciências ocultas no templo (parlamento) - o magistério de dinheiros desaparecidos directamente do interesse nacional para o bolso de diversos aparelhos. Questões agnóstico-falaciosas não têm merecido a devida atenção. Seguro parece ter um canal de comunicação exclusivo com o além - sabe como (ele) vai ser, mas não sabe (mesmo) nada sobre como é que isto vai ser. Diria que está preso num vórtex de intemporalidade política. Tem um buraco pela frente, mas vê mares de rosa, facilidades. A simbologia transcendental sempre foi usada pelas ideologias, mas entramos numa terceira vaga que demite sem pudor a consciência, a ética e o sentido de responsabilidade numa penada. O passado definitivamente já não é o que era.
Não vi o congresso do PSD. Não pude. Estive no casamento de queridos amigos. Um matrimónio onde os afectos, as emoções e o amor foram o genuíno mote que guiou os votos dos nubentes. Mas mal cheguei a casa, tarde e a más horas, não resisti e lá fui petiscar uma peça aqui e acolá a propósito do congresso do PSD. De um modo aleatório fiquei-me pela intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa e não fiquei surpreendido com o tom do seu brinde ideológico-partidário. A conversa do coração lacrimoso, de emoção em torno da ternura dos quarenta, levou-me a cunhar a seguinte expressão que serve para ilustrar onde nos encontramos. Efectivamente, Marcelo aplicou o golpe do apelo às emoções fáceis para granjear algum crédito. O espectáculo do one man show baseou-se na nova doutrina do choradinho - o efeito Tordo a fazer-se sentir na política. O apelo à lamechice serve para fazer tábua rasa de considerações maiores, da racionalidade que deve guiar homens de Estado na alegada prossecução da sua missão. Mas não. Não se tratou disso neste caso. Tratou-se de uma private joke a ocupar o tempo de antena do coliseu, mas também do país - e a uma grande distância do que o país requer em termos de liderança. Se Marcelo Rebelo de Sousa quer a casa de Belém, parece que irá utilizar novos métodos, processos de abordagem alicerçados na flor da pele, nas emoções. Assistimos, deste modo, a uma tordização da política. Uma declaração cheia de ternura, mas deprovida de nutrientes políticos, da substância que os cidadãos exigem. A resposta a Marcelo, em forma de carta ou não, não sei se chega. Também não sei se este chega para a encomenda presidencial. Ou talvez seja esse mesmo o perfil requerido. Se o povo se deixa ir no entusiasmo terá precisamente aquilo que merece. E gostos não se discutem. Não se trata de saber se esta é a maior prova de liberdade dentro do PSD. Trata-se de saber se isto espelha bem aquilo que a política hoje é. Uma actividade afastada de si mesmo. Política sem política. Estados sem homens de Estado. Chefias incapazes de interpretar a urgência nacional. Portugal perde o pouco da sensatez e racionalidade que tinha e está cada vez mais entregue aos bichos.
Ao que parece o comité central do PSD deseja expulsar os militantes que apoiaram candidaturas independentes (enquanto o país e as sindicais querem expulsar o governo). O alarme que disparou no interior do partido deveria servir para validar a ideia que nem sempre dentro das forças partidárias se encontram as soluções adequadas. Foi isso que Arlindo Cunha quis dizer e, se tiver sorte, em vez de lhe rasgarem o cartão de sócio, leva umas chibatadas na praça púdica - umas vinte ou trinta, conforme entenderem o grau de ofensa. Contudo, eu vejo a questão do seguinte modo; o PSD necessita de arranjar lugares sentados para representantes do PS, uma vez que acabou de reenviar o convite a António José Seguro, para que alguém daquele partido socialista finalmente confirme a presença na gala do guião da reforma do Estado (R.S.V.P.). Na mesa de jantar não há lugares suficientes para os da casa - traidores ou não -, e inimigos ideológicos. Se eu fosse um dos membros do PSD em vias de receber uma admoestação em forma de sanção disciplinar, pensaria pelo menos duas vezes em permanecer num partido que distribui este tipo de prendas. Coloca-se ainda outra questão relacionada com o rabo - "o rabo entre as pernas". Os alegados castigados, uma vez cumprida a sanção que transitar em julgado, ainda terão credibilidade junto dos seus pares partidários? Depois de puxadas as suas orelhas (de serem humilhados) será que estão dispostos a admitir a posição fragilizada, subalternizada: "pronto, já passou. Da próxima tens mais juízo, está bem?". Se esses escoteiros deram à sola, devem ter tido razões para o fazer e, o núcleo duro do partido deveria aproveitar o momento para uma reflexão, quiçá organizar um daqueles retiros na Arrábida. Mas a política não pára. Assim que irrompe a claridade de um novo dia, nasce um orçamento de Estado aprovado e o proto-socialista Seguro atira mais um achado para a fogueira da tempestade, o círculo das inconsequências. Ao que parece alguém anda a esconder 700 milhões de euros em cortes. E isso não se faz. António José Seguro acha mal que o governo fique com todos os cortes para si. Que açambarque tudo e não deixe nada para a sua putativa (de) legislatura. Que o governo seja um glutão das subtracções e não pense na alternância do poder político. Para juntar à festa, os Verdes afirmam que os rebentos económicos são incipientes (verdes mesmo), e que a viragem económica que anunciam não passa de um efeito de estufa. Enfim, temos tanto material para diversas encenações em simultâneo que até ficamos com a cabeça a rodar. São diversos guiões e argumentos alternativos quando o que necessitamos urgentemente é de uma estreia - uma estrela que nos possa afastar de tantas distracções. E paira no ar uma séria dúvida: será que o Blatter faz parte desse elenco de entretenimento? Parece tão fácil tirar um país inteiro do sério. Fazer com que afaste os olhos da única bola que realmente interessa. O presente e futuro económico e social do país - a violência doméstica praticada sobre a quase totalidade de um povo.
Se eu tivesse de eleger o vencedor absoluto das autárquicas, esse homem seria, sem margem para dúvida, Rui Moreira. As suas primeiras frases de declaração de vitória não servem apenas a cidade do Porto, devem servir o país: "pela primeira vez, o partido que venceu na cidade foi o Porto". Esta simples linha política é mais do que um mero chavão de ocasião e não será esquecida tão facilmente. A afirmação - uma espécie de primeiro tijolo do processo político -, tem implicações para a totalidade do território. É um aviso sério à navegação partidária dos compinchas e um estímulo para todos os movimentos alternativos ou independentes. Portugal viu nascer um político com um sistema operativo totalmente novo - não é um upgrade de um modelo já existente no mercado. É um design original com a folha limpa, com futuro pela frente e sem passado duvidoso. Os detractores e delatores da bola, invocaram desde o primeiro minuto dos festejos do independente Moreira, que este representava uma mera extensão figurada do CDS, como se este fosse uma marioneta ao serviço dos centristas. Mas não se trata disso. Rui Moreira tem o seu quadro-base de valores, mas soube afastar-se da catequese doutrinária para granjear a confiança da sociedade civil. Em duas penadas de inteligência demonstrou que é o extremo oposto de Seguro - é competente e sabe transmití-lo -, e ao fazê-lo inspira confiança muito para além da cidade do Porto. Penso que estamos diante de alguém com carisma suficiente para servir Portugal de um modo muito mais substantivo. Ainda bem que não tem percurso político. Ainda bem que não é um notável recauchutado de um município para o seguinte, de um partido para outro. Nos próximos dias seremos surpreendidos com a inclusão na sua equipa de indivíduos sem cadastro político mas com perfil adequado para servir um Porto em crise, um Portugal em descalabro. Se Costa foi o vencedor incontestado de Lisboa, Moreira será mais do que um "simples" vencedor do Porto. Será, se assim o desejar, o embaixador de um Portugal que quer acreditar no futuro. Os socialistas que cantam vitória em todas as categorias, assentam a sua existência numa matriz de apoio tradicional que conhece os seus limites e define a sua doutrina com muita convicção e auto-suficiência. Rui Moreira, que não é partido e não é nada, apenas depende de si, mas já declarou que irá incluir uma panóplia de protagonistas para atingir os objectivos da sua missão. E é aqui que reside a sua vantagem. Os outros, os partidos, têm valores de referência e notáveis, mas que deixaram de o ser de um modo inequívoco. O movimento dos indignados e os protestos de rua não estão necessariamente por detrás de Rui Moreira, mas têm uma quota importante de responsabilidade na sua eleição. Agitaram as águas políticas e alertaram para a corrosão dos partidos políticos. Mas Moreira fez o que fez, sem se aproveitar de marchas por avenidas com aliados ou por alamedas da liberdade. Foi suave e inteligente, sabendo interpretar o mood social e político dos portuenses. Neste caso em particular, foi o Porto a centralidade da sua acção, mas o que invocou serve um manifesto geral. Lentamente começamos a vislumbrar uma nova disposição política em Portugal. Não sei se Costa aguenta os quatro anos de mandato que a população de Lisboa lhe conferiu, mas terá seriamente de pensar nas agruras que um dirigente como Seguro pode trazer. Moreira, sem o desejar, é uma pedra no sapato de Seguro, por demonstrar de um modo abismal que há certas pessoas que parecem ter nascido para a política e outras não. Contudo, como já havia referido antes, os resultados das autárquicas não desequilibram as contas da troika nem servem para afastar a expressão dos juros da dívida. A vida negra decorrerá debaixo das mesmas nuvens de contrariedades. Mas o que aconteceu no Porto é de aproveitar. É uma tocha à entrada do túnel. A contagem dos votos ainda decorre, mas podemos afirmar de um modo paradoxal, que nada e tudo mudou em Portugal. No Porto e quem sabe nos arredores.
Se há coisa que abunda em Portugal, são as sedes locais dos partidos políticos. Edifícios com arquitectura de traça antiga, em ruína ou não, ou escritórios que ocupam um piso de um prédio recente onde abunda alumínio acastanhado. Não sei qual o volume do património predial dos partidos, mas não deve ser coisa pequena. Nem vou mencionar as sedes temporárias de candidaturas ao poder, às eleições, sejam autárquicas ou de outra natureza. Não vou por esse caminho de saber se a cedência de espaços foi feita por amor à camisola pelo patrão imobiliário da terra ou se o mês do inquilino irá ser pago de outra maneira, com calma quando chegares ao posto. Não vale a pena esgravatar nessa agência que decerto haverá belas histórias para contar sobre aluguéis pagos em género ou espécie, no dia em que os compadres chegam ao poder. Quanto ao IMI, é mais que acertado que os partidos políticos paguem esse imposto. Não vejo razão para que as residências ideológicas sejam dispensadas desse ónus. Não sei nem me interessa que nos Ratos, nos Caetanos, nos Caldas ou nas Liberdades os ocupantes não se sirvam dos espaços para fins residenciais (embora muitas vezes utilizem a sede para dormir politicamente). A inclinação política ou a paixão ideológica não pode servir de pretexto para eximir algumas personalidades jurídicas das suas responsabilidades contributivas. Dirão alguns que o facilitismo tributário é para estimular o gosto pela causa pública, pela discussão cívica em prol da sociedade, para garantir a participação política. Causa pública uma ova - vejam-se os resultados das últimas três décadas de invocação do superior interesse e do bem colectivo. Qualquer terriola de Portugal tem sempre uma Rua 25 de Abril, e, ao virar da esquina, ou na própria rua revolucionária, lá estão as cores e o emblema do partido tatuados na fachada de cal branca. A haver uma bandeira, geralmente essa já perdeu a cor original e às vezes vê-se que foi traçada pelo bicho do vento que não perdoa, que não aprecia a basófia gratuíta que sai das janelas do grémio ideológico, das bocas desses lideres. Qualquer dia, já que existe essa lacuna na lei, o T3 de uma família desempregada se transforma em secção partidária para chupar essa vantagem do tutano fiscal - para aproveitar o perdão do IMI, com cozinha e casa de banho, para os militantes em regime de estadia de longa duração. Não sabe o governo onde ir buscar o graveto que a Troika exige? Façam-se à estrada com uma roulotte das finanças, montem o acampamento e efectuem o levantamento das sedes e secções dos partidos que se encontram em cascos de rolha e além-mar. E façam as contas, mas façam as contas como deve ser. Apliquem a coima retroactivamente (com juros acrescidos, naturalmente) e ponham os partidos a pagar a conta também.
O meu problema fundamental com a política de hoje, em particular com a política partidária, é o facto de não existir uma doutrina sólida e sã por detrás dos programas políticos. É tudo uma amálgama de doutrinas avulsas, mais ou menos compatíveis, mais ou menos assumidas por quem as professa.
Mas o que significa afinal, em termos práticos, toda essa amálgama de mais-ou-menos? O facto de não haver uma linha ideológica definida ou uma base política consistente vai legitimar a priori um infindo rol de rumos políticos completamente imprevisíveis e dependentes quase exclusivamente das sensibilidades individuais. Junte-se a isto o elemento variável da corruptibilidade humana, e temos um país completamente vulnerável a uma classe política assumidamente comprometida com coisa nenhuma.
O sistema é paradoxal: homens que são eleitos na base da demagogia, apoiados em vagas promessas eleitorais, validados publicamente por um maior ou menor carisma pessoal, com o propósito institucional de servir a generalidade dos cidadãos, são suportados por grupos e lóbis com interesses particulares. Ora quando estes interesses particulares colidem com os interesses da generalidade dos cidadãos; quando não existe uma sã doutrina política que seja indicativa do rumo a ser seguido pelos politicos; o que se pode esperar dos mesmos?
É demasiado arriscado deixar que seja o imprevisível nível de honestidade do indivíduo eleito a ditar se os favores serão ou não retribuídos aos interesses particulares ou se irá prevalecer o superior interesse da nação; o carácter semi-divino dos políticos está consagrado constitucionalmente; a inimputabilidade é a norma repetida ad nauseam.
Vem isto a propósito, e em particular, do enigma que constitui a doutrina do CDS-PP. São propostos como pilares ideológicos o Conservadorismo, a Democracia Cristã e o Liberalismo. É certo que a Democracia Cristã se não resume à doutrina social da Igreja, mas qual será então a razão para fazer-se referência à Democracia Cristã num país essencialmente Católico, se se aceitam e promovem perspectivas diversas e fundamentalmente contrárias àquela. Porque, mesmo que não seja essa a intenção, terá essa referência ideológica o efeito de atraír ao partido vários ingénuos subscritores Católicos que, sendo ainda em número significante em Portugal, se declaram fiéis à doutrina da Igreja.
A Democracia Cristã que defende o Partido Popular, tal como tem demonstrado repetidamente ao longo da sua história, é baseada na tradição Protestante e Liberal. Não só a nível politico, como económico e social. Esta tradição Protestante e Liberal de que falo é sem dúvida compatível com o Liberalismo Clássico e o Conservadorismo exactamente por ser maleável, adaptável e permeável a relativismos.
Estes conceitos rejeita-os firmemente a Doutrina da Igreja Católica pois não há nesta espaço para a tibieza do relativismo moral. A tradição Católica está construída nos pilares dos dogmas da verdade; a “tradição” Protestante está construída na rejeição destes mesmos dogmas. Haverá forma de compatibilizar estas duas tradições? Partindo do princípio que a doutrina Católica rejeita todo e qualquer compromisso com o erro, e que as suas verdades fundamentais são permanentes e imutáveis e não sofrerão mutações de acordo com teorias revolucionárias ou perspectivas progressistas, então estas tradições são fundamentalmente incompatíveis.
Quando, portanto, os dirigentes do CDS-PP fazem referência à Democracia Cristã, eles incorrem num erro grave que é o de apresentar esse pilar como de tradição simultaneamente Católica e Protestante. A implicação desta distinção é assunto já discutido aqui, onde estableço a distinção entre o Conservador e o Tradicionalista face ao Progresso. Em suma, o Católico é por natureza contra-revolucionário e anti-conservador, enquanto que o Protestante poderá ser ora revolucionário, ora contra-revolucionário, ora progressista, ora conservador, sem que isso inviabilize, contudo, a sua coerência em relação aos pilares protestantes em que assenta a sua moral.
Além da minha radical desconfiança em relação ao sistema partidário, acresce portanto o total descrédito dos partidos Portugueses, quando perspectivado por um Católico. É pelas razões acima expressas que insisto que não existe um partido político em Portugal onde um Católico possa votar em consciência, sem traír implicitamente os pilares da sua fé.
E por isso defendo repetidamente a abstenção, na consideração de que a avassaladora expressão eleitoral dos abstencionistas constitui o mínimo da contribuição política que poderá fazer um Português para a salvação da Nação.
António José Seguro parece não entender que o mundo encontra-se em processo de transformação profundo. Os púlpitos, mesmo que espalhados por dezenas e dezenas de palcos, não correspondem ao exercício transversal que a democracia parece exigir. São pedestais para vozes da casa, socialistas do norte, desnorte ou sul do país. São caixões de ideias colocados na vertical para tentar levantar os olhos de eleitores semi-mortos pelos sucessivos enganos a que foram sujeitos. Este partido, e os demais, deveriam já ter entendido a importância dos movimentos de rua que deram a voz a defensores de equidade e justiça. Os reservatórios ideológicos dos partidos contêm águas paradas, infectadas com bactérias que promovem um quadro clínico grave. Uma espécie de cepticismo gratuito para quem está de passagem e se mantém indeciso na orientação a dar ao seu voto. A mobília pulpítica pertence a uma outra geração de carpintaria política. A caixa de fruta posta em sentido já não oferece o sumo que as pessoas querem. Um novo conceito não pode nascer num local chamado Coliseu dos Recreios. O recreio, que todos conhecem enquanto o intervalo das aulas, não será o local nem a hora indicada para levar por diante um novo programa eleitoral que integre os civis sem filiação ideológica, os cidadãos com enfoque político mas que dispensam os partidos. António José Seguro ao puxar as senhas do rolo e ao oferecê-las aos "camareiros" para que dêem à manivela da sua voz, quer dar a impressão de homem de grande abertura, mais um simples camarada do partido. Se a cúpula socialista decidiu atribuir mais tempo de antena aos candidatos autárquicos, eu teria algum cuidado. António José Seguro corre o perigo de ser confrontado com alguém da sua rama ideológica com uma ideia para o país. Porque até ao momento, Seguro não foi capaz de convencer o país que existe para além do Rato, que tem a capacidade para gerir o que quer que seja. Embora em Almodóvar o papel de parede diga TUDO, estamos de facto a lidar com NADA - mais uma vez nenhuma ideia de jeito foi escutada. Se ele acha que os últimos dois anos de governo lembram dois séculos. No seu caso, sem ser governo, lembra uma grande seca. Um bombeiro que diz vai apagar o fogo, mas que não tem água no camião-cisterna. E os incêndios do verão ainda nem sequer deflagraram. A madeira dos púlpitos poderia ter outro destino. Cadeiras para esperarmos sentados, zangados.
(imagem daqui)
Jaime Nogueira Pinto, António de Oliveira Salazar - O Outro Retrato:
«Depois do 25 de Abril, com estes padrões por únicos, e aproveitando-se da hegemonia política então alcançada, as esquerdas, que já muito antes da Revolução tinham ganho a hegemonia na «República das Artes e Letras» e na opinião mediática (apesar, ou por causa, da Censura), conseguiram que os seus valores e metas se firmassem como valores e metas indiscutíveis da sociedade portuguesa – ou de qualquer sociedade que se preze. E os partidos de não-esquerda – o PSD e o CDS – entraram neste jogo, por medo, por oportunismo ou até por convicção dos seus dirigentes. Não sendo capazes de apresentar uma alternativa de ideias e valores para o discurso dominante, inspirado na ideologia jacobina do século XIX e nas várias versões da utopia comunista.
Custos ocultos
Este foi um dos custos ocultos do salazarismo. O facto de o seu discurso político se basear nos grandes princípios do nacionalismo conservador, sob forma autoritária, tem sido um obstáculo à afirmação de alternativas políticas – em democracia – que os contenham. E como esses princípios e valores –Deus, Pátria, Família, Propriedade, Justiça – entendidos como concepção transcendental do político, a Nação como valor supremo da ordem temporal e a abordagem orgânica da organização social são o núcleo do pensamento substancial da direita (e são ainda hoje, de Reagan a Sarkozy), a direita partidária continua fraca, ainda mais e na medida em que o PS abandonou o discurso jacobino e a vulgata antifascista.
Assim, a direita partidária não tem ideias políticas, nem sequer as da direita da Esquerda que emigrou para a Direita e luta por ganhar a sua hegemonia intelectual.
Noutro sentido, o modo de reorganização da unidade da Direita que, nos anos 30, Salazar constituiu, perdeu-a na sua dependência e tutela. No que foi seguido por Marcello Caetano. E foi outro custo grande para a Direita, que perdeu o sentido da luta das ideias, da luta política, da afirmação de convicções. E, a avaliar pelos seus actuais dirigentes partidários, que encarreirou definitivamente pelo amorfismo ideológico, pelo oportunismo dos processos, pela pura manobra táctica, sem princípios, estratégia ou iniciativa. Aguardando que, por uma lei fatal da geometria partidária, em sistema de dois partidos fortes no Centrão, um tenha um problema e dê oportunidade à oposição. E o terceiro aspire a ser bengala de suporte a uma maioria relativa formada no seu espaço. Não é brilhante.»
Boa noite.
Passou mais um dia neste país a saque. Não houve revolta, não houve uma alminha, fora das virtualidades inócuas, que erguesse os braços em defesa dos vossos filhos.
Por um lado, porque durante o tempo em que havia o dinheiro dos outros, passou a ser mais importante ter quatro cães, passar férias em resorts sob o sol alheio emborcando cocktails como javardos sem estirpe, trocar de relação mensalmente e ostentar merdas inúteis para embasbacar o vizinho, do que ter filhos.
Por outro, porque depois, quando o dinheiro acabou conforme sabíamos que iria acabar, deixou de ser viável tê-los entre o progresso do aborto e de outros acordos que Portugal é lesto a seguir - ainda que o faça sozinho, num provincianismo com pés de barro dourado a mijo cosmopolita.
Perdêramos de repente o Verão das nossas vidas.
Neste dia foram atribuídos, em concurso público, milhões de euros a dispender em obras inúteis. É provável que os adjudicatários não sejam aleatoriamente escolhidos, mas ninguém erguerá a voz para denunciar os casos que eventualmente conheça. A Natureza tem horror ao vácuo e a cobardia prontamente preenche o lugar do sangue. Isto é, mesmo sabendo que é do vosso dinheiro que vai ser pago o Parque de La Salette, nenhum de vós mexe a ponta de um corno para impedir tal aberração.
Eu não sei qualificar-vos. Foi descoberta uma forma de vida na Antártida, ontem, que ainda não está classificada e tem ADN nunca antes visto. Deve ser do vosso genoma, porque foi capaz de viver congelada milhões de anos enquanto lhe passavam por cima com jipes, trenós, petroleiros, e toda a merda imaginável, imperturbada.
Este post do Joshua é uma ode à coragem hirta e ao valor amordaçado de quem persiste, por opção ou falta dela, em cá ficar. Numa terra banida do restante Ocidente, onde para ascender ao poder é condição necessária ser um homúnculo medíocre, de aspecto glabro e efeminado e com percurso feito nas teias mais nojentas do bas-fond partidário, não restam dúvidas quanto ao cisma do nosso tempo.
De um lado estão eles, do outro estamos nós, e no meio estão vocês, os capados que titubeando entre o comodismo e a incredulidade, mais Benfica menos Rock in Rio, mais aguardente menos tabaco, ajudam a perpetuar este horror e condenam os velhos a uma morte em lágrimas e os putos à apatia e ao estupor perpétuo.
O problema com este arranjo das coisas é que os velhos e os putos não são, em exclusivo, os vossos velhos e os vossos putos. É que por mim cá me safo, e o mesmo deverão dizer os da minha criação e idade, que não aspiram a ser Secretários de Estado nem almejam quimera alguma ao poderzinho filho da puta que se instalou, e também já nada temem perder que sejam eles a poder tirar-nos.
Mas temos velhos, e temos putos, e uma récua de cabrões aleivosos alimentados a pão-de-ló com os tostões que houver para gamar a quem mais conta nas nossas vidas, isso é coisa que não tem lugar, não pode ter lugar, dentro das mesmas fronteiras onde haja pessoas que se digam livres. Permitir a passagem de cada dia como este que agora se finda, sem erguer um braço, uma tocha, uma pedra, uma barricada contra os maus da fita é proclamar em surdina a impotência perante o assassinato, lento mas inexorável e deliberado, daqueles a quem tudo devemos.
Encolham os ombros. Eles é que mandam. Há cem anos estávamos pior porque não havia estradas tão boas. Se pensamos nisso ficamos malucos.
Sois o mais fiel retrato dos enrabados contentes.
Não tenhamos dúvidas. O que está a acontecer, da Esquerda à Direita, não passa de manobras de diversão, números de circo. Não se discute em parte alguma a única questão que envolve um esforço hercúleo; o salvamento de Portugal com soluções substantivas que possam gerar emprego e conduzir o país ao crescimento económico. Em vez da salvação nacional, assistimos ao salvar do coiro individual. No PS a festa gira em torno de quem vai para onde e quando, se vai ou fica, se é melhor aqui ou ali. No Governo, o mesmo processo ocorre. Saem dali para entrarem suplentes. Dispensam-se titulares para entrarem estreantes. Tudo isto dá ares de grande agitação, de trabalho, de dinamismo. Mas desenganem-se, nada tem a ver com o desígnio nacional. O espectador não se pode deixar levar nesta novela transmitida de um modo estéril pelos meios de comunicação nacional. Não sou capaz de pescar nada deste marasmo, uma ideia sequer relacionada com uma visão de fundo. Um conceito estratégico que defina o perfil de um país, rico em talento avulso mas carente de homens de Estado. Um conceito abrangente que nos faça esquecer quem assina o guião, quem são os autores, porque as soluções expostas valem por si, e não necessitam de bengalas. Temos os ingredientes que um drama televisivo exige. Mais episódio menos episódio, assistiremos a arrufos entre patriarcas partidários e traições à má fila. Ocorrências que gritam na calada da noite. Uma comissão interminável de afirmações e nomeações, que dá lugar a mais do mesmo - mais atrasos de Portugal no seu caminho em busca da prosperidade e justiça social. O fenómeno criticado por outras facções ideológicas que também tiveram as suas próprias altercações, a transformação de um bicho solitário em algo bicéfalo. Não vale a pena poupar nenhum deles. O comportamento é idêntico. Não há modo de realizar a destrinça entre uns e outros. Podem avançar com o entusiasmo que entenderem, mas a realidade não se altera a toque de caixa. Qualquer que sejam os eleitos ou os proscritos, os desafios não se alteram. Esta dança de cadeiras é Portugal igual a si, focada nos títulos e nos cabecilhas, mas que ignora o mérito alheio, anónimo. Daqueles que não necessitam de tachos para brilhar. Vira o disco e toca o mesmo. Já vimos isto vezes sem conta. Os Portugueses já não têm margem de confiança para oferecer àqueles que parecem estar a brincar com as suas vidas.
Algo a que assisti com curiosidade ao longo do último ano e meio foi a forma como muitos indivíduos, alguns dos quais até tinha em estima e na conta de seres vertebrados, comprovaram o que Schumpeter descreveu de forma magistral em Capitalismo, Socialismo e Democracia: «O cidadão típico, por conseguinte, desce para um nível inferior de rendimento mental logo que entra no campo político. Argumenta e analisa de uma maneira que ele mesmo imediatamente reconheceria como infantil na sua esfera de interesses reais. Torna-se primitivo novamente. O seu pensamento assume o carácter puramente associativo e afectivo.»
Infelizmente, a política em Portugal acaba por se concentrar mais em pessoas do que valores ou ideias. À volta dos líderes políticos há, no fundo, claques de futebol. Sabendo-se que o mais das vezes temos os mesmos agentes políticos que criticam determinadas políticas enquanto na oposição, a implementar políticas iguais ou idênticas quando no governo, não deixa de ser espantoso que as claques consigam acompanhar este movimento, muitas das vezes quase sem hesitação. Claro está que muitos o fazem porque têm interesse directo em tal - querem manter o emprego no governo, no parlamento, na câmara municipal etc. Quanto a estes, o facto de venderem desbragadamente os seus próprios princípios já diz quanto baste sobre a sua verticalidade. Já os outros, que não dependem directamente do governo, apenas o apoiando por mera identificação ou simpatia com as cores partidárias, constituem para mim um enigma. O que é que terão a ganhar em defender pessoas acima de ideias, pessoas que frequentemente levam à prática ideias que consideram erradas? Mero reconforto afectivo, porventura, de acordo com Schumpeter. Afinal, o espírito de manada é algo que há muito se apoderou das sociedades democráticas. Defender pessoas quando estas mudam de opinião em relação ao que antes professavam parece ser algo a que, dado o carácter associativo e afectivo do indivíduo típico no campo político, estamos fadados a assistir. Porém, em certos casos, e porque o homem vai fazendo a história sem saber que história faz, as mudanças de opinião até podem ter implicações positivas e saudáveis.
Mas há algo que é mais preocupante no concernente a este espírito de manada. Se no campo da opinião impera em larga medida o relativismo, o mesmo não se pode dizer nos campos da honestidade, da correcção moral, da conformidade a certas normas sociais e legais. Dando um exemplo prático e muito actual, que alguém que criticava violentamente José Sócrates pelas suas abjectas trapaças consiga defender Miguel Relvas, cujo rasto de trapaças já se tornou nauseabundo, é apenas revelador já não só de falta de verticalidade, mas de uma gritante pulhice. Mais, que muitos dos que enveredam por semelhantes atitudes critiquem e ataquem os que o não fazem, especialmente quando estes até podem encontrar-se politicamente na mesma área ou partido, revela já não só a falta de verticalidade e a pulhice de que sofrem, mas aquilo que verdadeiramente são: vermes.
Aqui chegados, parece fazer sentido actualizar a tocquevilliana preocupação com a tirania da maioria. O que me parece ser bem mais preocupante é a vermocracia, a tirania dos vermes.
Há quem pareça incomodar-se com o facto de alguns indivíduos, como é o meu caso, poderem em dado momento defender uma posição à qual se aproximam ora a esquerda, ora a direita partidárias, consoante estas estejam no governo ou na oposição. O problema é que não são aqueles indivíduos que mudam de posição. Não sou eu que ando de um lado para o outro. Eu estou sempre no extremo centro, que apenas obedece à independência da minha consciência. Há muito que aprendi que a essência do homem livre é ser do contra, preferindo resistir à massa - já Jung assinalou que «A resistência à massa organizada só pode ser efectuada pelo homem que tem a sua individualidade tão bem organizada quanto a própria massa» - e não me preocupando com as apreciações dos que pensem diferentemente de mim, rejeitando o consequencialismo para que possa, como aprendi com um dos meus mestres, viver como penso em vez de pensar como vivo, às vezes de bem com uns e mal com outros, outras vezes de mal com uns e bem com outros, quando uns nunca estão bem com outros. Há quem lhe chame radicalismo. Eu chamo-lhe apenas independência de espírito e força de carácter.
Felizmente, há bastantes indivíduos que alinham pelo mesmo diapasão, embora em muito menor número que os vermes. Mas há que resistir e continuar a travar os combates que possam permitir que um dia o Portugal político seja um local mais recomendável, com um ar mais respirável. É que, seguindo os ensinamentos de La Boétie, que inspiram o cabeçalho do blog do Professor José Adelino Maltez, «n'ayez pas peur. Na servitude volontaire o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá.»
Carlos M. Fernandes, "Pântano":
«É um espectáculo recorrente e chega até a ser ternurento, este duvidoso candor da “elite” portuguesa da banda larga. Uns, tão indignados hoje, eram tão compreensivos ontem com os ardis do chefe. Outros, no lado oposto da barricada, são tão compreensivos hoje, quando ainda ontem apontavam o dedo ao prevaricador de serviço. Nada de novo. A coluna vertebral não é uma vantagem evolutiva nas águas putrefactas do pântano chamado Portugal, e é, por essa razão, uma característica rara no código genético português. Já o Primeiro-Ministro, de quem se esperava umas pedradas certeiras no charco, perdeu uma boa oportunidade para contrariar a ideia de que a III República portuguesa é uma anedota interminável cujas personagens centrais são sempre os bufões liberticidas. E de que não é apenas um títere menor num governo que, afinal, é comandado pela velha escola. A escola do compadrio, da indigência moral e intelectual, e do exercício de um poder matreiro, viscoso e cobarde.»
Leitura complementar: "Ser de esquerda é, como ser de direita..."; Lembrei-me dela hoje, Miguel Relvas; Um sítio mal frequentado, já dizia Eça; Bom dia, Portugal!; A direita hipócrita e Miguel Relvas; A Crónica Hipocrisia da Direita Instalada; Uma oportunidade para Passos Coelho; A improvável demissão de Miguel Relvas e a fragilização da posição de Pedro Passos Coelho; O caso Miguel Relvas e a crónica hipocrisia da direita instalada (num sítio mal frequentado) ; O caso Miguel Relvas e a opção pela auto-descredibilização; Passos Coelho em defesa de Miguel Relvas; A mediática telenovela de Miguel Relvas (3); Já os vi com mais pressa e com menos deferência pela ERC; Para diminuir o controle ilegítimo directo e indirecto sobre os meios de comunicação social; Já perceberam, agora, por quê?; A ocasião...; Os telefonemas de governantes para as redacções;
Um dia, após a queda da III República, rezará a História (com especial recurso a muitos arquivos documentais do Largo do Rato e da São Caetano) que nesta, pelo menos dois partidos - PS e PSD, são as realidades que conheço - condicionavam os seus universos eleitorais internos através do controlo da vida dos militantes e de jogadas de secretaria como o pagamento de quotas de determinados militantes, tendo em vista a votação destes em certos candidatos em vários actos eleitorais internos. Com que dinheiros e de que forma, será matéria para a PJ, que enquanto este regime vigorar, nunca será investigada. Qualquer politólogo ou aspirante a tal, em especial os que lidam com estas matérias na sua vida profissional, sabem bem que é assim e como esta forma de agir prejudica a democraticidade interna dos partidos, contribuindo em larga escala para a falta de coesão e para afastar muitos militantes. Esta reportagem da Sábado, não traz nada de novo:
Na federação socialista de Coimbra, que o candidato Mário Ruivo ganhou por dois votos em Outubro, houve dezenas de quotas de militantes pagas duas vezes. Um deles denuncia a situação à SÁBADO em vídeo e mostra os documentos. Mais de 700 talões de quotas foram pagas massivamente por cheque (não pelos militantes) no Largo do Rato, em Lisboa, na véspera da eleição. Para cobrir estas quotas seriam necessários mais de 50 mil euros. Os comprovativos do pagamento foram distribuídas aos militantes com uma recomendação: votar em Mário Ruivo.
Foi o que aconteceu a Luís Rodrigues, que vive em Lagares da Beira, uma freguesia de Oliveira do Hospital, é militante do Partido Socialista desde 2000 e estava com as quotas em atraso desde 2002. Devia €90. No dia 8 de Outubro de 2010 às 17h46 foi ao Multibanco e pagou a quota. Guardou o talão para poder votar no dia seguinte nas eleições para a Federação Distrital de Coimbra. Os concorrentes eram Vítor Baptista (deputado e presidente da federação)e Mário Ruivo (director da Segurança Social de Coimbra). Nesse dia, foi abordado por um militante do PS que lhe levou um talão com um carimbo da sede nacional a dizer que as suas quotas tinham sido pagas. (ver vídeo).
“Cheguei a casa e foi uma pessoa ter comigo entregar-me um papelinho para eu ir votar, porque tinha as quotas pagas.” E disse: “Vais votar no sr. Mário Ruivo.” Em Lagares da Beira circularam mais talões daqueles. “Houve aqui muita gente que recebeu um papelinho igual, com a mesma indicação de voto”, acusa Luís Rodrigues. Mais: se os estatutos fossem cumpridos, este militante nem estaria nos cadernos eleitorais por dever quotas há mais de dois anos.
A candidatura derrotada fez as contas e apurou que seriam precisos mais de 50 mil euros para saldar as dívidas dos militantes que receberam os talões, pois a maioria tinha anos de quotas em atraso, como era o caso de Luís Rodrigues.
O caso configura um pagamento massivo de quotas aparentemente com a concordância de André Figueiredo, Secretário Nacional adjunto para a Organização do PS, ou seja, o homem que manda no aparelho socialista – e é chefe de gabinete de José Sócrates na sede nacional. É Figueiredo que gere o partido do ponto de vista administrativo, com poderes para autorizar a emissão dos talões de quotas distribuídos em Coimbra.
A SÁBADO questionou André Figueiredo sobre o valor do cheque (ou cheques) que entrou na sede nacional e o nome de quem o assinou. O dirigente do PS não respondeu às perguntas. Enviou uma declaração por email, a dizer que “todo o processo eleitoral relativamente à eleição dos órgãos das Estruturas Federativas do PS, decorreu com toda a regularidade: todas as reclamações e protestos existentes foram definitivamente apreciados e decididos pelas instâncias competentes, nomeadamente, alguns pela Comissão Nacional de Jurisdição e pelo Tribunal Constitucional, tendo encerrado todo o processo eleitoral com a tomada de posse de todos os órgãos eleitos democraticamente”.
Este ano há mais disputa nas eleições internas porque os socialistas se preparam para um ano em que pode haver eleições antecipadas – e as federações têm influência nas listas para deputados. Também haverá um congresso nacional no início de 2011 e já se começam a posicionar as peças para a eventual sucessão a José Sócrates.