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A respeito da canção dos Deolinda que vai fazendo furor, por mim aqui publicada, é interessante notar, a título meramente sociológico, as reacções que a mesma desperta, plasmadas em blogs e pelo Facebook. De um lado, uns quantos pretendem transformar a música num hino de sublevação da minha geração, clamando apenas pelo fim da precariedade (vulgo, recibos verdes) e por direitos semelhantes aos das gerações anteriores, tendo até já iniciado grupos para um movimento do género - não contem comigo para isto. De outro lado, principalmente os das gerações anteriores, criticam a canção, ou porque é básica e os jovens é que estão a ver mal as coisas e se queixam sem razão, ou porque é estetica e artisticamente pobre (num país onde Quim Barreiros, Tony Carreira ou Emanuel são referências musicais, escuso-me a comentar a abjecta pretensa superioridade do alegado "bom gosto" pseudo-erudito de quem se concentra na forma para evitar enfrentar a substância do que potencialmente ameaça o seu amado status quo).
Da esquerda à direita, estão todos muito bem uns para os outros. O futuro do país é que nem por isso. Uns, querem os chamados "direitos adquiridos" das gerações anteriores. Outros, criticam a simplicidade descritiva da letra, tentando agarrar numa canção cujas generalizações, enquanto descrições assentes em percepções tendenciais alcançadas através de uma metodologia indutiva, parecem genericamente acertadas. De certeza que não era intenção dos Deolinda elaborar uma tese de doutoramento sobre os jovens portugueses. E facto é que a generalização foi certeira, ou o seu denominador comum não teria causado tanto furor e provocado reacções semelhantes em jovens tão diferentes que nela se reconhecem.
A oposição referida, em traços largos, parece também reflectir-se numa divisão entre os das gerações das décadas de 40, 50, 60 e os da minha geração (70 e 80, quiçá também 90). Dito de outra forma: uns querem "mamar" o que ainda não "mamaram"; outros querem continuar a "mamar" à conta dos que ainda não "mamaram". No fundo, todos profundamente afectados pelos males da mentalidade socialista. Elemento central que subjaz à discussão: o Estado.
Uns acham que por terem uma Licenciatura, Mestrado e/ou até Doutoramento, que o mercado de trabalho é obrigado a absorvê-los e, mais, a remunerá-los de acordo com as suas qualificações (de acordo com que critério é que fazem equivaler um grau académico a um nível remuneratório é, para mim, um mistério) - que não se confundem com aquilo que o mercado de trabalho valoriza e que a Universidade não necessariamente confere: competências. Meus amigos, conhecidos e desconhecidos da minha geração: os "bons" ou "melhores" (conceitos sempre subjectivos e difíceis de definir, pelo que prefiro alinhar por um intuitivo bom senso), já perceberam que as coisas não são como no conto de fadas em que nos embalaram nas últimas décadas (aliás, não por acaso as elites são mais expeditas a aperceberem-se das mudanças e a adaptarem-se a estas), pelo que "fazem-se à vida": estudam o mais que podem, vão para fora do país, conseguem furar o mercado de trabalho e/ou têm génio, iniciativa e liderança suficiente para se aventurarem em negócios próprios. Se acham que ficar à espera que as vossas situações sejam resolvidas através de medidas tomadas pelo Estado ou pelos que nos trouxeram ao actual estado de coisas é o melhor que têm a fazer, não posso senão ter pena por vocês serem uns bananas desprovidos de personalidade e capacidade de iniciativa. Infelizmente, tenho a noção que vocês compõem a esmagadora maioria da minha geração.
Outros, do alto das suas poltronas dos direitos adquiridos e de condições de vida confortáveis, olham para os jovens com um paternalismo bacoco, procurando reinventar um "Geração Rasca" que, infelizmente, se traduz mais num "Geração à Rasca". Desde que continuem a ter reformas, está tudo bem, e quem vier atrás que continue a sustentar os vícios de uma sociedade onde os conceitos de "bem" e de "justiça" estão mais que pervertidos. De facto, a solidariedade inter-geracional não mora aqui.
Reitero novamente que o ponto central latente nesta discussão é, nada mais nada menos que o Estado. Toda a situação que se vai vivendo é, pura e simplesmente, derivada do enorme peso do Estado na sociedade, quer em termos político-partidários, quer em termos económicos. Quanto mais Estado, mais estática se torna a sociedade, a todos os níveis. Portugal apenas tem acelerado o seu Caminho para a Servidão, que se vê na iminência de ser agravado por clivagens como a que aqui constato. A este respeito, e porque, como disse, estão todos muito bem uns para os outros, não pretendendo quaisquer uns mudar verdadeiramente seja o que for, só parece que vamos acelerar ainda mais, dando razão aos Deolinda quando cantam que "isto está mal e vai continuar".