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Palavras que há muito deviam ter sido proferidas. Num país habituado à condescendência para com o inexplicável, a titular da Justiça afirmou existir a vontade para levar avante o processo de averiguação das PPP, exigindo-se agora - embora sem ilusões quanto à sinceridade da classe política -, o total esclarecimento público. Sabemos como os meandros da política partidária e as suas ramificações empresariais-financeiras funcionam e reagem às ameaças à sua omnipotência, mas este é um caso que se seguir os maus exemplos precedentes, poderá significar um desfecho terrível para o próprio regime.
Independentemente da origem partidária, há que saber o montante dos acordos, os nomes dos beneficiários e quem negociou os contratos. Já não existe qualquer possibilidade do preservar da impunidade até agora costumeira, por muito que isso desagrade a alguns sectores do poder. Mais ainda, exorta-se a autoridade estatal para a cabal informação acerca de outros casos, velhos de mais de um quarto de século. Podemos até deixar a sugestão de uma data-marco, para o início de investigações que nos esclareçam acerca das causas da situação de catástrofe nacional que Portugal enfrenta: o início da chegada dos Fundos Estruturais.
Num discurso atroz e cheio de contradições Paula Teixeira da Cruz afirma veementemente que "O PSD recusa o liberalismo clássico e o conservadorismo". Era preciso que a senhora Ministra soubesse o que é que rejeita, mas isso são contas de outro rosário e não se pode pedir muito a quem no mesmo discurso defende ideias como a separação de poderes, que por acaso não tem nada a ver com o liberalismo clássico, enquanto critica as coligações de interesses organizados ao mesmo tempo que defende a justiça social, que por acaso nem é uma ideia fundadora da social-democracia que nem tem precisamente como efeito fomentar as tais coligações de interesses que parasitam o estado e são privilegiadas pelo poder político à custa de todos os contribuintes.
Bom, mas também não se pode pedir muito a quem, defendendo a justiça, de que é Ministra, ainda há pouco tempo propunha a elaboração de uma lei tecnicamente impossível, porque discriminatória e contrária não só aos princípios gerais da abstracção e da generalidade como à Declaração Universal dos Direitos do Homem, de que Portugal é signatário. Mas claro que estas alarvidades passam pelos pingos da chuva e até acabam por ser um mal menor num Congresso que se prestou a uma viragem à esquerda de Passos ontem-era-liberal-mas-agora-sou-social-democrata Coelho e a uma radicalização do discurso de Alberto João Jardim, que mais parecia um camarada de Fidel ou de Chávez.
Como é que Paula Teixeira da Cruz aceitou fazer parte de um governo liderado por alguém que se dizia liberal, é que muito me surpreende. Oscar Wilde bem afirmou que a coerência é a virtude dos imbecis. Mas Passos Coelho também não precisava de levar isto à letra e tão rapidamente operar uma mudança análoga à de Soares que meteu o socialismo na gaveta. Ou até o podia fazer, se ao menos soubesse justificá-lo. Mas isso também era pedir demais a quem também não sabe bem o que é o liberalismo, o conservadorismo ou a social-democracia. Pensando bem, pelo menos ficamos a saber de que fibra intelectual e moral é realmente feito. Uma fibra mole, muito mole.
Quando Paula Teixeira da Cruz proclama a proibição de deixarmos de acreditar na justiça, refere-se à justiça enquanto conceito filosófico ou a algum sistema de justiça em concreto? Suspeitando que seja o segundo caso, presumo que decerto não estará a falar do português. E se muitos deste descrêem em virtude do que se ouve e vê por aí, a isso acrescento que até eu já fui apanhado nas malhas kafkianas deste sistema, tendo sido acusado pelo Ministério Público de falsidade num testemunho em que disse a verdade - que foi invalidado, pelo que tive que limitar-me a assistir ao tecer da condenação de um amigo assente em erros processuais e materiais, que resultou numa avultada multa -, para posteriormente me "oferecerem" a possibilidade de suspensão e arquivo do processo que entretanto me moveram, sob a condição de eu me deixar extorquir em 500 euros a favor de uma instituição de solidariedade social (ao menos isso). Entre ir a tribunal lutar contra uma injustiça imposta violentamente, que me poderia prejudicar no futuro, e pagar para que uma certa juíza e uma determinada procuradora não me importunassem mais, preferi a segunda hipótese. Se dúvidas tivesse quanto ao kafkiano sistema de justiça português, ficariam desfeitas nesse dia. Mas, Senhora Ministra, acato a sua proibição, registando ainda a sua imensa aptidão para o cargo que ocupa, quando aqui há umas três semanas propôs a elaboração de uma lei tecnicamente impossível, porque discriminatória e contrária não só aos princípios gerais da abstracção e da generalidade como à Declaração Universal dos Direitos do Homem, de que Portugal é signatário. Enfim, cá ficamos a aguardar pelos resultados advindos do cumprimento do memorando de entendimento troikista.