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Temos de reconhecer que António Costa é um sobrevivente. O chumbo da redução da Taxa Social Única (TSU) não o demoveu dos seus intentos de aligeirar os encargos dos patrões. O Pagamento Especial por Conta (PEC) foi o modo semântico de alcançar os mesmos objectivos que, verdade seja dita, são do tipo neo-liberal. Embora a escala seja outra, os socialistas portugueses estão alinhados com a doutrina Trump que postula a diminuição da carga contributiva das empresas. Andamos todos muito baralhados. O power to the people do discurso de inauguração do presidente dos EUA, se escutado de olhos vendados, lembrar-nos-ia as promessas ideológicas de outros campos, outros regimes. Estas trocas e baldrocas, de dinheiros que parecem créditos, mas que afinal são débitos, têm pernas curtas. Em 2018, logo verão o IRC obeso, farto. Ou seja, a dieta do presente implica gordura e peso no futuro, ou o inverso, dependendo do ângulo de visão. Um outro modo de atordoar um balancete pela negativa, mas garantindo o beneplácito do papalvo, é propor a extensão do número oficial de dias de férias de 22 para 25, por hipótese. Isto significa que mesmo que não haja aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) até parece que houve, porque o rendimento anual decorrente do trabalho passa a ser dividido por menos dias de labor. Isto é particularmente engenhoso, mas não deixa de ser cínico, perverso. A matemática política tem destas coisas. Permite fingir que a alpista é maior do que o bico do papagaio. Não devemos estranhar - as duas medidas são gémeas do mesmo engodo. Nascem no mesmo dia como se nada fosse. E nada será.
A política e os mercados têm tanto em comum. Mas uma máxima em particular aplica-se sem reservas. Por mais que queiram insistir no contrário, a verdade é que não existem lugares cativos - a não ser que se trate de uma ditadura. O governo de António Costa e os taxistas partilham a mesma cultura da intangibilidade. Julgam que existe uma estância que não pode ser tocada, um património ideológico sagrado, uma faixa de rodagem inviolável. Contudo, essas intenções estão sujeitas às considerações e às preferências dos cidadãos. No mercado quem concede os selos de aprovação são os consumidores, e na política quem diz que sim são os destinatários finais de decisões governativas. O ponto de equilíbrio resulta da fricção entre o deve e o haver, a procura e a oferta, a qualidade ou a ausência da mesma. Amanhã o protesto dos taxistas irá subtrair receitas à economia nacional. Milhares de cidadãos que não fazem parte desta guerra sofrerão as consequências de um pequeno sector da textura produtiva nacional. O que irá suceder quando a UBER for substituída por veículos sem condutor? Será que a UBER tornar-se-á num arruaceiro? Será que ainda não perceberam que o cliente pode não ter sempre razão, mas que neste caso exprime inequivocamente que deseja algo diferente - mais qualidade? Os taxistas devem continuar a existir, mas agora a fasquia está mais elevada. E amanhã não sei se ganharão mais adeptos. Parece que será mais um tiro que sai pelo escape. Estou a falar do PEC, naturalmente.
O Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) * apresentado a Bruxelas não traz um asterisco e uma nota de rodapé com as palavras de Catarina Martins - "Dijsselbloem é o ministro da Offshore da Europa". Mas o PEC não é tímido na requisição de fundos e na proposta de medidas que ficarão aquém do exigido para cumprir as metas orçamentais. Podemos concluir que as declarações de Catarina Martins servem o interesse nacional? Não me parece que sirvam para grande coisa. Para cada palavra de insulto dirigida a quem dá o pão para a boca, certamente que haverá bastantes mais que poderão fluir no sentido inverso - directamente para o governo de Portugal. António Costa e o Presidente da República Portuguesa Marcelo Rebelo de Sousa falam de consensos, unidade, o chão comum, o fim da época continuada de campanhas eleitorais, mas Catarina Martins, algo limitada intelectualmente, puxa para o seu lado. A sua demarcação rebelde, no entanto, revela outras consternações. Informa-nos o Bloco de Esquerda (BE) que já pressente a inevitabilidade de mais um resgate. Enquanto que na Áustria a falência dos socialistas na última década conduziu aos mais recentes resultados da extrema-direita nas primárias das presidenciais daquele país, a Esquerda portuguesa, encarnada pelo BE, também se prepara para descalabros no seu próprio campo ideológico. Catarina Martins crava a sua demarcação em relação ao governo nas costas da execução de medidas que certamente serão impostas por Bruxelas. A discussão em torno da obsessão de Bruxelas pela despesa tem razão de ser. O dinheiro é deles. O dinheiro é dessa offshore holandesa. O dinheiro é dos alemães. E já agora, o dinheiro também é dos gregos. Catarina Martins navega nestas águas de considerandos, mas esquece qual a bandeira financeira do seu pavilhão. Portugal não é sua pátria.
(imagem picada daqui)
A respeito do PEC e, especialmente, do plano de privatizações da EDP, REN, Galp, CTT, Seguradoras da CGD, Zon etc, a concretizar-se, parece-me que o mais importante é a transformação que ocorrerá ao longo dos próximos anos quanto ao papel que o Estado ocupa na sociedade portuguesa.
Obviamente concordando com o enfraquecimento do peso do Estado na economia - quanto maior esse peso, maior a servidão e menor a liberdade, e a mera lógica indica que a tendência para que as empresas privadas sejam melhor geridas é muito maior do que com gestões ou participações/intervenções estatais, já que o Estado está sempre segurado pelo erário público, tornando-se, por isso, descuidado e despreocupado - o que importa perguntar é se estamos prontos para esta transformação.
Esta transformação implica que o Estado vai deixar de ser tão interventor para passar a assumir funções mais prementes no que à regulação diz respeito. E, sendo assim, haverão reguladores à altura? Isto é, haverá gente capaz de criar condições para o funcionamento competitivo do mercado, evitando e/ou eliminando e punindo distorções como os monopólios, oligopólios e concorrência desleal que normalmente prejudicam os consumidores finais (com preços demasiado elevados para os serviços prestados, por exemplo)?
Quanto ao resto, é esperar que o Estado se concentre naquelas que devem ser as suas funções primordiais - educação, saúde, segurança e justiça. Por último, importa realçar o impacto que estas medidas têm na redução da dívida pública. Provavelmente não havia alternativa - senão, mais tarde ou mais cedo, correríamos o risco de ter o FMI ou a UE a governar-nos -, e é bom de ver, aliás, irónico até, um governo socialista pautar-se por lógicas liberais quando em estado de necessidade. A necessidade obriga ao pragmatismo e à recusa de ideais e retóricas em clara falência teórica e prática.
P.S. - Frequentemente lê-se e ouve-se por aí que cabe ao Estado definir sectores estratégicos da economia e, dizem até alguns, nacionalizá-los. Normalmente até concordaria que o Estado deve definir sectores estratégicos. Contudo, quando não há um Conceito Estratégico Nacional, querem definir o quê? Não sabem o que querem fazer ao país e à nação, não há um projecto de fundo de desenvolvimento do país, e aquilo que é mais básico para tal, i.e., o planeamento territorial, é um caos. Portanto, querem definir que sectores como estratégicos se não há uma estratégia que sirva de base teórica a essas escolhas e definições? É ilógico. Só quem tem preconceitos contra o sector privado e acha que o Estado é sempre um bom gestor pode acreditar nisto. São caprichos de ideais ultrapassados que têm custado muito caro aos contribuintes. E isso, é uma falta de bom senso e de pragmatismo que já foi contrariada várias vezes pelos ventos da história do século passado. Não aprenderam nada, claro está.