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A tragédia de Pedrógão de 2017 não foi uma tragédia. Resultou inequivocamente de décadas de desgoverno da base geográfica de Portugal. Foi a matriz cultural e é a matriz cultural que impede um genuíno ordenamento do território. A ciência e o saber técnico respeitantes aos fogos e ao seu combate residem em Portugal ao mais alto nível. Tem sido o poder político o principal adversário da paz e ordem sociais. Foram sucessivos governos, formados a partir de partidos de todo o espectro ideológico, que alimentaram o sectarismo, a divisão, a promulgação de interesses parcelares contrários à defesa da integridade e sustentabilidade florestal do país. Assistimos ao descalabro administrativo, à discussão de chefias e forças de intervenção, ao caos burocrático e processual - estão todos em pânico pela putativa perda de vantagens e subvenções. Mas assistimos também à incapacidade de disciplinar as populações que desobedecem sem reservas às ordens das autoridades. Confirmamos também, este ano, à luz das perdas humanas de Pedrógão em 2017, o medo irrascível e desesperado para salvar vidas humanas, deixando o pasto e o mato à mercê do fogo. Ou seja, o cadastro intensamente negativo da perda de vidas humanas do ano passado será saneado pela possível poupança das mesmas no cenário de operações de este ano. O governo de António Costa parece ter colocado a tónica nessa dimensão para poder reclamar o grande sucesso da protecção das populações - ardeu tudo, mas ninguém foi carbonizado. Falamos da síndrome pós-traumática de Pedrógão. Testemunhamos, incredulamente, a contradição consubstanciada no avolumar de meios humanos e técnicos de combate ao fogo que de pouco tem servido para inverter a tendência de ganho do fogo - mais meios e mais homens para combater as labaredas não se traduz em vitórias certas. A noite será longa, assim como as discussões infrutíferas sobre responsabilidades a atribuir. Eucaliptos dizem uns, vento sopram outros.
A cavalo dado não se olha o dente? Olhe que não. Eu teria algum cuidado se fosse um dos recipientes das indemnizações decorrentes da tragédia dos incêndios. As vítimas e familiares das vítimas de Pedrógão esfregam as mãos de contente por receberem o cheque assinado por Centeno, mas cautela. Como em qualquer apólice de seguro, é importante ler a letra miudinha. Aqui têm a cláusula que diz tudo: "António Costa explicou que o direito de regresso será exercido "se vierem a ser identificadas responsabilidades que possam levar o Estado a exigir o direito de regresso destas indemnizações que adianta." Por outras palavras, os beneficiários recebem o cheque, mas caso se alterem as condições que sustentam a substância e a forma da responsabilidade do Estado, toca a devolver o dinheiro. Podemos então concluir que se trata de um empréstimo político, adequado à época pré-legislativa de campanha. Aposto que apenas pegam no estorno e transtorno da questão se o Partido Socialista (PS) ganhar as eleições de 2019. Até lá a responsabilidade será sempre do Estado, porque convém. Ou seja, seria um tiro no pé enviar o cobrador do fraque ir recolher o dinheiro malparado antes do tempo, durante a legislatura. Se o PS não for tido em conta num novo governo, lá para 2019, então será perfeito - a batata quente passa para outros que farão o favor de ser os maus da fita. Não julguem por um instante que quem vos governa não pensa deste modo. É assim mesmo que funciona. Política é um jogo de atrasos e antecipações, empréstimos e devoluções.
O Estado da Florida prepara-se para receber o primeiro impacto do Furacão Irma nos EUA. Provavelmente outros Estados americanos serão também contemplados com um rasto de fúria e destruição. Passou uma dúzia de anos desde a tragédia causada pelo Furação Katrina e as deficiências registadas, no que toca às operações de salvamento e resgate, serviram para apurar responsabilidades e evitar a repetição de erros. Os EUA aprenderam do modo mais difícil e, perante a iminência da chegada de Irma, sentimos que existe um efectivo plano de cobertura para tentar minimizar os danos humanos e materiais que resultarão deste fenómeno natural. A pergunta que importa colocar aos portugueses, e por analogia ao cenário de catástrofe, será a seguinte: quantos anos serão necessários para evitar a repetição da tragédia dos incêndios de Pedrógão? É a curva de aprendizagem que interessa. Todos cometemos erros, mas devemos assumir responsabilidades e seguir em frente em busca das soluções mais consistentes e compatíveis com a ideia de preservação de vidas humanas e a base geográfica onde nos movimentamos. Para além desta nota de análise, existem outros danos "colaterais" a ter em conta e que soprarão dos EUA para a Europa. A economia americana levará um rombo significativo com a devastação causada por Irma e, à luz dessa condicionante estrutural, a Reserva Federal dos EUA terá forçosamente de continuar o seu programa de estímulo da economia por via do programa de Quantitative Easing ou outro semelhante. Assim sendo, será expectável o declínio continuado do USD e a consequente valorização do Euro que afectará o nível de exportações da Zona Euro para o resto do mundo. No entanto, existe uma atenuante que será falsamente aproveitada pelo governo da República Portuguesa para aumentar o preço das gasolinas nas estações de serviço. O embate nas refinarias americanas será um facto incontornável, mas Portugal não depende directamente dessa linhas de fornecimento. Abastece-se noutros mercados e, uma vez que o Euro se valorizará ainda mais em relação ao dólar americano, e o crude é pago em USD, iremos observar um efeito de anulação, por via do cruzamento recíproco das duas curvas. Ou seja, a subida do preço do crude será mitigada pela subida do Euro que serve para comprar USD que por sua vez compra energia nos mercados internacionais. A geringonça, chica-esperta como nos tem habituado, escreverá a sua própria ficção de aproveitamento da desgraça alheia. Fica feito o aviso. Será um furacão de categoria política reles que assolará a costa portuguesa.
Portugal está de luto. Pelo menos 64* pessoas perderam a vida nos fogos florestais de Pedrógão. E Marcelo Rebelo de Sousa abraça a Ministra da Administração Interna, o Secretário de Estado da Administração Interna e o Presidente de Câmara. No lugar dos afectos e compaixão política desmesurados, EXIGE-SE que haja demissões. Houve pelo menos um socialista, em análoga situação de tragédia, que soube interpretar o que os eventos demandavam - Jorge Coelho. O então Ministro das Obras Públicas, assim que ruiu a ponte de Entre-os-Rios, pôs o lugar à disposição. Mas o Presidente da República tem razão - não há falta de competência nem de audácia dos bombeiros e da população que tentaram defender-se o melhor que souberam. O que temos é outra coisa: dolo político, irresponsabilidade governativa e administração danosa das florestas portuguesas. Enquanto os atrasados mentais dos jornalistas perguntam aos banhistas molhados se estes vão ao mar para se refrescarem, tantas questões certeiras deixam de ser colocadas. Das perguntas que devem ser colocadas em plena câmara ardente, uma delas será: "Sr. António Costa, vai sugerir a demissão de responsáveis políticos?", em vez disso, ficámos sem saber se os gelados tiram a sede. Vergonhoso, trágico e para além de lamentável.
* número em actualização constante