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Irei aproveitar a ressaca da pedrada política nacional para me dedicar a alguns assuntos pendentes. São matérias que dizem respeito ao modo como respondemos a estímulos, como se fossemos pêndulos que balançam entre a reacção a quente e a reflexão pretensamente desprovida de emoção. Torna-se difícil exercer um controlo apertado sobre esse paradoxo, a contradição que reside entre o que sentimos, o que somos incapazes de sentir, e aquilo que nos torna anfitriões de paternalismos - o direito de conceder respostas a perguntas que não foram colocadas. Ao comentarmos diariamente a nossa vida e a vida dos outros, somos regidos por impulsos dominantes que residem ou não dentro da nossa razão. Nos últimos tempos, e fazendo mea culpa dos meo blogs, confesso que tenho sido instigado a verter o que me vai na alma de um modo gustativo, perto da cólera e do ânimo exaltado. Contudo, desgosta-me a raiva racionada em pequenos tomos de explicação. Toldados que estamos pelas ocorrências nefastas, sem o sabermos, somos animados pela adrenalina que colhe presas e predadores, e que extingue a paisagem. Deixamos de comentar de um modo equidistante, e afogamo-nos em sensações cutâneas. No entanto, não julguem por um instante que condeno o comportamento previsível. O ser humano tem limites que não serão aqueles que julga pisar. Nem serão aqueles impostos por outros, pelos tribunos ou parlamentares de causas dispostas à distância dos olhos. Os desígnios que elencam, não são inteiramente queridos, porque resultam do arbítrio tornado refém das nossas lamentações/limitações, um juízo sujeito a miragens e aplausos. Não solicito a vossa integridade no juízo deste desabafo, mas apenas senti o sangue aquecer, subir pela guelra alheia, e agora me faço rogado de uma missão que se encerra no seu despropósito. O estado fogoso que nos incendeia, parece ter relação com a compaixão, mas em última instância quando formos obrigados a escolher, deixaremos cair por terra o lastro, agarraremos o mastro e deslizaremos ao encontro de expectativas caducas. Um bote, um bode de salvação, teimoso, às marradas com a mesma tendência dos curros, uma porta de saída, quiça de entrada na mesma arena de dissabores.
Obra organizada por Paulo Neves da Silva.
Criador - "O criador é uma espécie de monstro em que há o homem e o outro; quem desanima, quem se abate, quem chora, é o homem: o outro, se é grande, até os desesperos utiliza. O essencial é que nunca o homem traia o artista, que a troco de uma felicidade que tanta gente tem se perca a obra que ninguém mais poderia realizar" (p. 21).
Felicidade - "Só por costume social deveremos desejar a alguém que seja feliz; às vezes por aquela piedade da fraqueza que leva a tomar crianças ao colo; só se deve desejar a alguém que se cumpra: e o cumprir-se inclui a desgraça e a sua superação" (p. 29).
Amor-próprio - "O que é preciso para uma pessoa gostar dela própria é que ela faça o favor de fazer quanto a si tudo o que é preciso fazer para a partir de determinada altura se esquecer completamente daquilo que é ou daquilo que precisa. Se a pessoa não fez consigo tudo quanto achava que seria necessário fazer para se esquecer de si mesmo, está errada. Então deve ser egoísta até esse ponto. A pessoa só deve poder deixar de ser egoísta quando olhar para o espelho e nunca vir a cara própria, e ver qualquer outra coisa no dito espelho, em vez de si própria. Enquanto se vir a si própria, está errada e precisa de ser egoísta" (p.76).
devagar cada palavra, como quando, com o mesmo vagar, se saboreia um pedaço de chocolate que se quer lentamente degustar.
Falo daqueles livros de que vamos retirando, a intervalos deveras irregulares, um pensamento que nos deixa a pensar, a meditar ou até a flutuar nas ondas imaginárias de um mar sem sobressaltos.
No caso, de uma dessas reflexões que vou percorrendo sem obedecer a ordem alguma, retiradas do caderno de notas que é o « Diário Quase Completo » de João Bigotte Chorão.
É a ele que vou buscar o que considero ser das coisas mais bonitas que sobre a mulher tenho lido « À clássica imagem da mulher submissa, apagada, silenciosa, que bebe, como palavra revelada, o que o homem diz, vai-se substituindo a imagem, fascinante e provocante, da mulher que tem ideias próprias e discute as alheias. Gosto desta última imagem, se a mulher não toma um irritante ar de sabichona, e consegue manter toda a sua feminina graça. O amor - disse Dostoievsky - é uma forma de luta, e certamente não pensava, quando escreveu isso, só no amor físico. A jovem insolência da mulher que desafia, encantando- o, o homem....»
As árvores têm a gravidade solene de velhas senhoras que viveram já muitos Invernos, a serra a solidez das coisas eternas, as aves e as águas cantam debaixo do céu sereno. Mais sábia de que os homens, a Natureza rege-se por leis antiquíssimas e imutáveis. As mudanças radicais são contrárias à Natureza»
( João Bigotte Chorão, in « Diário Quase Completo» )
Tenho para mim que na vida devemos esquecer algo e aprender outro tanto, moldando-nos ao passar do tempo, mas mantendo o essencial. Assim o faz, sabiamente, a Natureza, que acompanha o movimento do sol, adaptando-se à luz, mas se mantém firme no seu lugar, com " a solidez das coisa eternas"; claro que por vezes uma ventania mais forte arranca a árvore pela raiz , mas a sua sabedoria vai ao ponto de ter lançado à terra sementes que logo substituirão a que fora destruída por forças exteriores...