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Andrew Sullivan, A Alma Conservadora:
Não constitui, pois, grande surpresa que o primeiro grande texto sobre o conservadorismo anglo-americano, as Reflections on the Revolution in France (Reflexões sobre a Revolução Francesa) de Edmund Burke, verse todo ele sobre a perda. Trata-se de um longo discurso desesperado e eloquente em relação à injustificada destruição da velha ordem. Quando os revolucionários franceses tomaram de assalto a Bastilha e deitaram abaixo uma monarquia e a Igreja, refizeram o calendário e executaram milhares de dissidentes em nome de uma nova era para a humanidade, Burke sentiu, antes de mais, uma enorme tristeza. O seu primeiro impulso foi ficar de luto pelo que se perdera. Ficou de luto embora nada daquilo lhe pertencesse. Não era a mesma coisa do que, na verdade, defender a velha ordem, a qual a muitos títulos era indefensável, tal como Burke acaba por admitir. Era simplesmente para lembrar aos seus companheiros humanos que a sociedade é uma coisa complicada, que as suas estruturas se desenvolvem não por meio de acidentes mas por meio da evolução, e que mesmo os laços mais imperfeitos que unem os indivíduos não podem ser cortados à toa em nome de uma ideia de perfeição que ainda nem sequer tomou forma.
Andrew Sullivan, A Alma Conservadora:
Todo o conservadorismo parte de uma perda.
Se nunca soubéssemos o que é a perda, nunca sentiríamos a necessidade de conservar, e isso é a essência de qualquer conservadorismo. As nossas vidas, uma série de momentos desconectados de experiência, simplesmente mover-se-iam sem esforço, deixando o passado para trás quase sem nenhuma retrospectiva. Mas o facto de o ser humano ter autoconsciência e memória força-nos a confrontar o que já passou e o que poderia ter sido. E nesses momentos de confrontação com o tempo somos todos conservadores.”
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Há um bocadinho de conservadorismo na alma de toda a gente – mesmo na daqueles que orgulhosamente dizem que são liberais. Ninguém é imune à perda. Todos envelhecemos. Podemos observar o nosso próprio envelhecimento e declínio; vemos como as novas gerações nos suplantam e nos ultrapassam. Cada vida humana é uma série de pequenas e grandes perdas – perdemos os nossos pais, a juventude, o optimismo fácil dos jovens adultos e a esperança incerta da meia-idade – até que nos confrontamos com a última perda, a da nossa própria vida. Não temos maneira de o evitar; e a força e a durabilidade do temperamento conservador parte deste facto, e também lida com ele. A vida é impermanente. A perda é real. A morte é certa. Não há nada que possa mudar isto – nenhuma nova aurora da humanidade, nenhuma maravilha tecnológica, nenhuma teoria, ideologia ou governo. Intrínseca à experiência humana – aquilo que nos separa dos animais – é a memória das coisas passadas. E é também a transformação dessa memória numa identidade consciente de si mesma. Por isso a perda imprime-se nos nossos espíritos e almas e forma-nos. É parte daquilo que somos.
Tive o enorme privilégio de conhecer e trabalhar com o Rui Tovar em 1999. Desse contacto profissional nasceu uma genuína amizade, duradoura e recheada de grandeza. O seu incomparável sentido de humor e o seu conhecimento enciclopédico de futebol, traduziam-se numa personalidade invulgar, na verdadeira humildade que distingue os grandes, no trato fino instigador do melhor que existe na natureza humana, em cada um de nós. Portugal perde um dos seus excepcionais. Empresto o meu abraço fraterno à sua família e em particular à sua mulher, Maria João. Que Deus o acolha do mesmo modo generoso com que ele recebeu e tratou tantas pessoas na sua passagem terrena, marcante. O Rui viverá na minha memória num local especial e reconfortante.