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Há qualquer coisa que me está a escapar. Não seria expectável, que à luz do furto de material de guerra em Tancos, o governo da república portuguesa determinasse o fecho de fronteiras, a suspensão de Schengen? Não entendo esta atitude de deixa andar, deixa ver. Não ouvi falar de uma operação de caça aos infractores. Não ouvi falar do controlo de pontos nevrálgicos na fronteira. Daqui por alguns meses teremos um relatório sobre a qualidade das vedações e a mediocridade do sistema de videovigilância. Tal como fizeram em relação aos incêndios, dirão que foi uma figura abstracta a determinar os desfechos - um trovão ou o raio que o parta. As autoridades responsáveis afirmam que o material subtraído já se deve encontrar fora do território. Eu entendo a lógica por detrás deste esquema - casa roubada, portas escancaradas. Deste modo, a haver um evento terrorista, a probabilidade de ser no estrangeiro é maior. Já sabemos que a União Europeia deixa muito a desejar, mas aqui temos mais uma prova de que a Política Externa e de Segurança Comum é de facto um mito. Devemos agradecer aos espanhóis pelo fornecimento da lista aproximada dos engenhos furtados. Na escala de valores de desgraça e consequências, não sei quem ocupa o lugar cimeiro do pódio, mas a violação da soberania militar de um Estado é, no meu entender, ainda mais grave do que o falhanço de um SIRESP. Aguardemos então pelo próximo episódio sórdido. E esperemos que não custe ainda mais vidas humanas. Os que levaram as granadas não andam a brincar aos polícias e ladrões. São dos maus. E este governo é tão bonzinho que nem sequer sabe admoestar os titulares de pastas e cargos públicos com responsabilidade directa nas matérias em causa. Quanto a Marcelo, este já faz parte do problema da nação e cada vez menos da solução.
A Europa, ou mais correctamente, a União Europeia (UE), enfrenta dilemas de vária ordem. A questão securitária passou a ocupar a primeira fila do teatro de operações políticas. Enquanto escrevo estas linhas, no coração da UE, militares belgas patrulham as ruas de Bruxelas na expectativa negativa de ataques terroristas semelhantes àqueles ocorridos em Paris há uma semana serem reeditados. A Política Externa e de Segurança Comum (PESC) fora concebida como um dos pilares de sustentação do projecto de construção europeu, mas ao longo das últimas décadas, não se desenvolveu uma efectiva estrutura de defesa pan-europeia. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) existia para a eventualidade de um ataque a um dos seus Estados-membros, e o Artº 5 definia claramente o âmbito da reciprocidade do mecanismo de defesa. Os europeus, encostados à aliança transatlântica, tornaram-se desleixados e inconsequentes, e foram incapazes de atingir a maturidade e a independência securitária que seria de esperar de um projecto político desta envergadura. Mas a União Europeia está a acordar repentinamente para uma realidade que exige grandes doses de pragmatismo. Uma doutrina de segurança da UE, deve, nessa medida, ser urgentemente definida e com um intenso sentido estrutural. O acordo de Schengen, nascido no ambiente festivo do livre movimento de pessoas, capitais, bens e serviços, conhece agora alguns efeitos suspensivos colocando em causa as suas boas intenções originais. Os militares e os blindados ligeiros que patrulham as ruas da capital belga não devem causar espanto. Teremos a breve trecho grande número de paisagens urbanas europeias decoradas com semelhante aparato militar. E a questão deve ser entendida como uma extensão natural dos mais recentes desenvolvimentos geopolíticos com epicentros mais ou menos longínquos e com intensidades variáveis. O debate em torno da missão dos militares em tempos de "paz" ganha agora ainda mais relevância. Será que as sociedades europeias estarão dispostas a conviver com o policiamento realizado por militares apetrechados com armas de calibre de guerra na baixa das suas cidades? Para o cidadão comum, poupado às vicissitudes da guerra, a mera presença de unidades militares na malha urbana pode causar um sentido acrescido de insegurança, por esta lançar a suspeição da iminência de um evento violento, mas numa segunda fase, a sua aceitação será entendida como vantajosa, pela sua expressão declaradamente dissuasora de intentos desviantes e detonadores da ordem pública. A União Europeia está, deste modo, a projectar o seu poder com uma ligeira alteração do sentido conceptual inerente ao mesmo. A urgência, embora externa e geograficamente entendida, exprime-se numa dimensão endémica. A Europa está obrigada a apontar as armas aos seus próprios cidadãos. A destrinça clássica que permite identificar inimigos foi intensamente posta em causa e o modelo de gestão desta crise ainda se encontra longe de uma noção estável. Declarar guerra a um inimigo distante não produz os efeitos que os políticos desejariam obter nos seus domínios domésticos. Sabemos todos, lamentavelmente, que os adversários têm uma doutrina altamente eficaz e escandalosamente corrosiva. A Europa ainda não saiu do laboratório - ainda não tem um antídoto eficaz. A União Europeia é uma construção assimétrica, mas o perigo de contágio dos ataques terroristas terá um efeito nivelador das preocupações. O medo e a insegurança são emoções transversais a dictomias Norte-Sul, a clivagens de Direita ou Esquerda, a sistemas políticos com diferenças assinaláveis. O terrorismo, nessa medida, deve servir de catalisador da integração tantas vezes adiada por imperativos de ordem económica e financeira.
Os ataques terroristas de Paris de 13 de Novembro intensificam o debate em torno de uma questão fundamental respeitante à Democracia; de que forma governos conseguirão encontrar o equilíbrio entre a dimensão securitária dos Estados e o respeito pelas liberdades e garantias dos indivíduos? Os Estados Unidos da América (EUA), que provaram o desgosto intenso do 11 de Setembro de 2001, têm, desde essa data, vindo a incrementar o seu nível de controlo sobre o movimento de pessoas e capitais por forma a diminuir as probabilidades de semelhantes ataques terroristas. A União Europeia, que têm sido "vegetariana" no desenvolvimento de uma genuína Política Externa e de Segurança Comum, vê-se agora obrigada a implementar medidas "excepcionais". Os EUA, acusados historicamente de "intervencionistas sem convite", continuam a ser um aliado ideológico da Europa, mas a administração Obama tem sido "abstencionista", e, há poucos dias, Hillary Clinton afirmou que a questão síria seria sobretudo um desafio a ser enfrentado pelos actores "locais", pela Europa. A França, que está a ser a ponta de lança dos ataques ao Estado Islâmico, fá-lo consciente dos monstros que já está a libertar no seu país. A França parece disposta a fazer o sacrifício por uma causa maior que as suas fronteiras. As bandeiras francesas içadas nas redes sociais, e em particular no Facebook, correspondem deste modo, não apenas ao lirismo da solidariedade para como as vítimas dos ataques de Paris, mas à aceitação de que a França é o "war maker and taker" da Europa - os franceses são cada vez mais os americanos da Europa. Os mesmos individuos que cantam a marselhesa por efeito de contágio e simpatia, devem ter a consciência de que se colocam ao lado da nação europeia que está efectivamente a projectar o seu poder militar e de um modo intenso. Os cidadãos da Europa já não podem ser selectivos na escolha de apenas uma parte de uma equação geopolítica. Ao abraçarem a França, assinam por baixo na petição, autorizam que essa república batalhe em vosso nome. A União Europeia vive mais um momento de verdade, de vida, e efectivamente morte, no seu próprio quintal.
Não é preciso ler a obra de Niall Ferguson - A Ascensão do Dinheiro -, para saber que os pressupostos do crédito estão a ser postos em causa no âmago da União Europeia (UE). Sem percorrer esse perigoso caminho das compensações históricas* que são devidas ou não, e que não pouparia nenhuma nação à face da terra, o que resultar do conflito que opõe a Grécia à Alemanha pode destravar por completo a já de si ténue relação entre dinheiro e Ética. Se vingar a tése do perdão, certamente que uma extensa fila de faltosos procurarão tratamento idêntico - situação essa contraditoriamente inexequível. O crédito (como quem diz a crença que os outros depositam em nós) precede a existência física de dinheiro - o bom nome é a divisa maior, mas apenas se valida através da sua extensão material. Se esse fundamento deontológico que se encontra por detrás da construção monetária das nossas sociedades falhar, como podemos esperar que não mine todo um sistema de transacções? Como podemos aceitar que a excepção à regra se venha a tornar a norma? São considerações desta natureza que podem corromper um dos valores mais importantes do acervo existencial humano: a confiança. Não pretendo com esta linha de argumentação libertar os credores do seu sentido de responsabilidade no contexto de um projecto europeu alegadamente inclusivo e nivelador de diferenças. Culpados? Sóis todos vós europeus por terem concebido um modelo sistémico deficiente. Em nome de uma grande "entidade económica europeia concorrencial" os visionários foram ambiciosamente incompetentes. Avançaram a causa dos negócios, mas omitiram a federação do espírito das nações. Esqueceram-se dos pilares de justiça e segurança social, e prescindiram de uma efectiva Política Externa e de Segurança Comum. A Grécia, assim como o conflito na Ucrânia, servem, de um modo cáustico, para expor as grandes lacunas da UE. Se os lideres europeus tiverem a visão e a ousadia requeridas, a grande reforma poderia ser posta em marcha na construção de uma nova ordem na Europa. Mas não é disso que se trata. Quer a Alemanha quer a Grécia estão a defender os respectivos interesses nacionais. Merkel e Tsipras estão, efectivamente, empatados: querem salvar a sua pele e pouco mais. A tal união - essa não passa do papel, da massa.
*Compensações históricas possíveis:
EUA ao Iraque, à Nicarágua e ao Afeganistão.
Portugal a Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Cabo Verde
França à Argélia e à Líbia
Etc a etc, etc e etc
A propósito do artigo de Daniel Oliveira tenho a dizer o seguinte: it takes two to tango. Estará a Rússia disposta a um acordo político? Será que o desfecho dos eventos que ocorrem na Crimeia servirá de ponto final para a grande estratégia russa? Não creio. Parece-me um pouco ingénua e redutora a simplificação ideológica do Daniel Oliveira. Quando os britânicos garantiam a paz na Europa após negociações com a Alemanha nazi dos anos 30, o que aconteceu a seguir? A Europa foi palco do mais devastador conflito de que há memória. Embora (ainda) não esteja a bombardear a Crimeia, a Rússia faz uso de todos os métodos de apropriação territorial que se conhecem. Certamente não se recordará Daniel Oliveira dos Sudetas e da Alemanha nazi que violou territórios para defender os interesses dos seus "nacionais" residentes na Boémia e na Morávia. A grande questão que os europeus enfrentam relaciona-se com a sua eterna passividade perante o desenrolar os acontecimentos. Em vez de criticar os EUA, os apologistas da emancipação política e militar da União Europeia deveriam fazer um esforço para estabelecer as regras do jogo. Mas para fazer isso de um modo substantivo seria necessário que a Política Externa e de Segurança Comum da UE existisse de facto e fosse para além do plano das intenções. When the shit hits the fan a quem recorrerá a Europa? Será a NATO e os EUA a intervir no terreno. Não existe política recessiva em Realpolitik. Quando a Rússia avança é porque já sabe quais os passos seguintes que irá tomar. Enquanto alguns servem-se da história da Guerra Fria para revelar rancores e interpretar os tempos presentes, outros escrevem a contemporaneidade geopolítica fazendo tábua rasa de considerações ideológicas. E é isso que a Rússia está a fazer. Está a arrastar os restantes actores para uma nova linguagem de projecção de poder, domínio e subjugação. Decerto esquece Daniel Oliveira que a União Soviética também pôs o dedo na gatilho na guerra do Vietname. O acordo político com a Rússia de que fala Oliveira será negociado por quem? Por uma União Europeia quase incapaz de se manter em pé? Autonomia, autodeterminação ou moralismo são palavras caras que não servem grandes causas. Ainda não temos um nome para definir o que está a acontecer. Porventura por daqui a 10 anos Daniel Oliveira possa dedicar um tomo inteiro a este tema. Agora parece-me prematuro. Misturar juízos de valor com análise política séria geralmente dá asneira.