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Lamentavelmente, por parte de muitos opositores à eutanásia, assistimos nos últimos dias a inacreditáveis distorções, homens de palha e falsidades. É frustrante a dificuldade em debater racionalmente e de forma civilizada na esfera pública portuguesa.
Muitos dos opositores da eutanásia querem obrigar doentes em circunstâncias de dor e sofrimento intoleráveis, cuja morte está no seu horizonte próximo, a prolongar a sua agonia. Fazem-no porque, muitos deles, entendem que, estando os próprios ou os seus familiares em idêntica situação, nunca optariam pela antecipação da morte. Por convicção ideológica ou religiosa, por terem meios para suportar cuidados paliativos, que entendem ser a panaceia para quem se encontra em tamanho suplício, ou por questões de consciência, esta é uma escolha que estão aptos a fazer. Ninguém os condena por isso. No entanto, quando lhes é pedido que pensem e reflictam fora da sua esfera individual, no sentido de considerarem outros seres e enquadramentos éticos igualmente merecedores de consideração, não se esforçam para os compreender e demonstram a mais vil das intolerâncias. E, enquanto o fazem, condenam aqueles que vêem na eutanásia um acto de verdadeira e pura bondade, arrogando-se os únicos conhecedores do sentido desta expressão. Como se esta obstinação, a caracterização dos defensores da eutanásia como "nazis", o ecoar de slogans como "pela vida" e "contra a cultura da morte" e arrogarem-se o monopólio do "amor" e da "compaixão" contribuíssem de alguma forma para a elevação deste debate. Ademais, afirmam a existência de uma rede de cuidados paliativos, quando estes escasseiam no Serviço Nacional de Saúde (destaco o número de 376 camas para todo o país), que, assim, acaba por denegar o tratamento de todos os doentes que deles necessitam. Claro está que este não é um problema (pelos vistos, nem sequer uma preocupação) para quem tem possibilidade de recorrer às unidades de cuidados paliativos oferecidas pelo sector privado - onde, diga-se de passagem, devem ser uma área de negócio bastante lucrativa, mas talvez a deputada Isabel Galriça Neto um dia nos possa esclarecer a este respeito.
Esperemos que a continuação deste debate o recentre no que é realmente importante, e que, afinal de contas, consiste na possibilidade de alguém, livre, consciente e esclarecidamente, em circunstâncias legalmente delimitadas, poder solicitar o abreviamento do seu sofrimento físico, sem que isso lhe retire qualquer dignidade, sem que daí advenha qualquer ataque aos beatos princípios de quem, ainda que na política seja frequentemente maquiavélico e pouco ou nada católico, prefere ignorar a dura realidade dos serviços de saúde, na área dos cuidados paliativos, em Portugal, bem como, e acima de tudo, negar a possibilidade de alguém poder escolher a eutanásia.
Uma das virtudes da democracia liberal consiste no facto de as maiorias de hoje serem as minorias de amanhã. Felizmente, a questão da eutanásia não morre aqui. Quer beatos, comunistas e deputados permeáveis a certas pressões gostem ou não.
Embora não vá votar porque não posso votar, e mesmo que pudesse votar provavelmente não votaria, não deixo de ser visado enquanto potencial-candidato-eleitor - o meu voto é desejado. Recebi na caixa do correio (nas últimas semanas) missivas de toda a espécie e feitio de impressão. Foram cartas e brochuras, panfletos e desdobráveis de todas as hostes partidárias, apelando ao meu poder de encaixe autárquico. Tive, desse modo, a feliz oportunidade de pôr essa leitura em dia no decorrer de actividades sanitárias - sentado, entenda-se (com as mãos livres, sem cometer infracções). Lavei as mãos e posso afirmar que me encontro em condições de avaliar como a Comunicação Política é realizada pelas diversas forças partidárias em Portugal no festival eleitoral em curso. Devo dizer que as propostas apresentadas carecem todas de um enquadramento conceptual e de uma visão estruturante. Ora falam de parques de estacionamento, ora mencionam apoios sociais, ora congratulam-se pela obra feita, ora reclamam pela incúria dos outros...enfim, não passam todos da mesma chapa gasta vezes sem conta a cada campeonato autárquico. O formato foto-passe de todos partidos pretende confirmar o alto teor de democraticidade e convívio político entre as cabeças de lista - as estrelas da companhia -, e os pobres anónimos resgatados da paragem de autocarro para preencher as listas. A Comunicação Política simplesmente não existe. Existe uma forma de Comunicação, mas não preenche os requisitos da Política. São Políticos que se apresentam, mas não Comunicam eficazmente. Plagiam-se a torto e a direito. Chamam algo diverso à mesma coisa, mas não passa de embuste ideológico. Gastam rios de dinheiro em bandeirinhas e esferográficas, pastas e sacos para arremessar a tralha, mas não conseguem erradicar os vícios da classe política canonizada pelo mistério da promessa cumprida. Os textos que acompanham a vontade política são fracotes e encontram-se na fronteira do pueril, do dispensável. Desejariam, se soubessem, ou pudessem, a sofisticação subtil, a sugestão da genuína transformação filosófica que está na génese das aspirações da freguesia, do concelho, da região, da península, do mundo. Mas não conseguem. Estão presos, cativos num labirinto de inconsequências e desperdícios. Tanta coisa para tão pouco. Tantos. Bastava um(a) para fazer o frete a todos. Criatividade, inteligência ou originalidade não fazem parte de lista alguma. Triste. É triste. É tão triste.