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Pierre Manent, A Razão das Nações:
«Nós, franceses, somos particularmente propensos a sobrestimar os poderes do Estado laico. E fazendo-o, permanecemos prisioneiros de uma história particular, encerramo-nos numa compreensão muito limitada dessa mesma história. Esquecemo-nos de que a instalação do Estado neutro e laico supõe a formação prévia de uma nova comunidade sagrada, precisamente a nação. O estado não podia ter-se tornado neutro sem que, previamente, a nação francesa se tivesse tornada, para a grande maioria dos cidadãos, a «comunidade por excelência», sucedendo desse modo à Igreja. Para que o Estado laico se tornasse possível, foi necessário que «a França» substituísse «a França catolicíssima». Foi necessário que a proposição «eu sou francês» contivesse a promessa de uma devoção sem reservas à nação e ao povo francês.
Desde que essa compreensão e esse sentimento da nação se perderam, ou foram deliberadamente abandonados, frequentemente escarnecidos, o Estado laico não pode manter-se e, de resto, por um tempo limitado, senão ao preço de uma encenação cada vez menos plausível e cada vez mais desagradável, de que a jactância «republicana» que acompanhou a interdição do véu islâmico nos liceus dá uma ideia. O Estado laico não pode sobreviver ao Estado-nação. A sua neutralidade assenta numa transcendência, e esta resulta do facto de ele ser o instrumento, o «braço secular», da nação. Uma vez abandonada a nação como comunidade sagrada, o Estado laico é, por seu turno, laicizado, e passa a não ser mais do que um dos inúmeros instrumentos de governança, cujo empilhamento referi atrás. As comunidades, até aí subordinadas à nação, destacam-se dela e aspiram a bastar-se a si próprias.»