«Gravidade» de Alfonso Cuarón, com Sandra Bullock e George Clooney. Magnífico filme do realizador mexicano que, quando era rapaz, tinha o sonho de ser astronauta. Que melhor pessoa para escrever o argumento e realizar um filme espacial? Do princípio ao fim com imagens de grande beleza, bem escrito e realizado, sem nunca perder a atenção do espectador e com efeitos especiais excelentes e atentos aos detalhes, boa banda sonora e uma interpretação de Sandra Bullock que certamente lhe valerá galardões. Tem tudo para agradar a toda a gente... menos ao público russo.
Como aperitivo, sugiro um passeio espacial pelo mural no Facebook do astronauta italiano Luca Parmitano, que tem partilhado as suas fotos tiradas desde a Estação Espacial Internacional,
AQUI.
«Capitão Phillips» de Paul Greengrass, com Tom Hanks no papel principal (um óscar provável), é um thriller baseado na história verídica do desvio de um cargueiro norte-americano por piratas somalis.
Sendo todos nós consumidores numa economia globalizada, compradores de mil e uma coisas feitas Ásia, de fruta sul-americana ou de borrego da Nova Zelândia, raramente nos lembramos de quem torna tudo isso possível ao manter as artérias do comércio internacional: a marinha mercante. E a vida de quantos navegam no Oceano Índico tornou-se mais difícil e arriscada quando surgiu o problema da pirataria baseada na Somália. «Capitão Phillips» elucida sobra esses riscos, de ataque e captura de reféns, consequência de uma actividade que alguns tentaram desculpar com a situação de pobreza extrema dos pescadores somalis. O filme dá essa grande lição: nada justifica o comportamento brutal que tem sido imposto a muitos tripulantes (e sofrimento das respectivas famílias, para já não falar nos danos à empresas envolvidas), e quem envereda pela pirataria é e será sempre um criminoso. O problema, que chegou a afectar a navegação no Oceano Índico e a desviar parte do tráfego para a Rota do Cabo, está hoje bastante diminuido por efeito da intervenção das marinhas de muitos países. Esta é, aliás, uma falha deste filme: cumpre uma lamentável tradição de Hollywood de omitir qualquer papel ou mérito a outros que não os norte-americanos e demais anglo-saxónicos, e quem vir «Capitão Phillips» pensará que a única força presente na zona para garantir a segurança da navegação é a Marinha dos Estados Unidos, quando na verdade se trata de um esforço multinacional envolvendo também forças navais do NATO, da União Europeia, da Rússia, Índia, Arábia Saudita, China e outras nações asiáticas, além da Austrália e Nova Zelândia.
A primeira metade do filme é excelente, com a acção a evoluir de forma dinâmica e realista. Mas a segunda parte alonga-se demasiado numa situação de alta tensão e violência psicológica, que leva a um fim perfeitamente previsível, tornando-se quase pornográfica do suplício de quem se vê na situação de refém dos piratas. Não estranha que, na sessão a que assisti, houvesse quem tenha abandonado a sala antes do fim.
Se a pirataria baseada na costa da Somália - e que se fez sentir em boa parte do Oceano Índico, mesmo a vários milhares de quilómetros de distância como aconteceu em águas da Índia - está hoje debelada, o problema está a surgir em força no Golfo da Guiné, também por movimentos ligados ao fundamentalismo islâmico. Hoje mesmo,
um navio norte-americano foi atacado e os piratas fizeram dois reféns entre a tripulação, incluindo o capitão. A semelhança de situações e a coincidência com a exibição de «Capitão Phillips» poderão motivar ainda mais a Casa Branca para uma intervenção militar.
Sendo que este é um problema que assume proporções preocupantes para os países do Sul da Europa (sobretudo Espanha e Portugal, por via das ilhas Canárias, Selvagens e Madeira), o facto é que a costa africana é muito menos importante para o comércio mundial do que a rota Ásia-Europa pelo Canal do Suez, pelo que haverá menos voluntarismo de outros países e participar na sua abordagem. Retirando lições da Somália e antecipando uma previsível evolução da ameaça, Espanha, França, Portugal e o Reino Unido têm vindo a alertar a UE para tomar medidas firmes que deverão passar pela presença permanente de navios de guerra na costa africana. Escusado será dizer que, com ou sem o apoio de Bruxelas, Portugal terá necessariamente de participar nesse esforço e também reforçar a presença naval em águas da Madeira, tal como Espanha tem vindo a fazer nas Canárias. Com austeridade ou sem ela, o que tem de ser tem muita força e o dinheiro para financiar essa operação terá de aparecer de algum lado. Basta imaginar na gravidade que seria, por exemplo, um grupo de piratas desembarcar e ocupar temporariamente uma das Ilhas Selvagens, ou saquear e fazer reféns no Porto Santo. Não se pode consentir em correr esse risco.