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Fidelismo

por John Wolf, em 26.11.16

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Venerem e prestem tributo a um campeão de direitos humanos, o lider revolucionário que foi aclamado e eleito por sufrágio universal num país multi-partidário, onde a liberdade de expressão é a imagem de marca, onde a pobreza foi erradicada pela fórmula mágica de socialismo radical, onde as viaturas que circulam nas autoestradas são de última geração e amigas do ambiente, onde não se conhece o paradeiro de 17.000 cidadãos que foram de férias num cruzeiro e que ainda não regressaram, onde as classes sociais foram preteridas e o poder político e a riqueza são tão fraternais que passam de irmão para irmão de um modo tão generoso.

publicado às 13:08

Padre Vieira da Silva

por John Wolf, em 17.10.16

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A bíblia do Orçamento de Estado 2017 tem santos de toda a ordem. Os padres da geringonça apresentam-se com sermões de encantar na mesmíssima paróquia. Por um lado, Centeno invoca os caminhos da justiça e das escolhas - a justiça de tirar e a escolha de não admitir -, e Vieira da Silva, que está junto ao altar, vem com o choradinho demagogo do excedente de pobreza. O ministro da solidariedade e afins refere a pobreza infantil numa espécie de chantagem emocional para justificar a carga contrubutiva. Em nome da criança a extensão de Austeridade pode ser justificada. Pobreza infantil é um conceito questionável. Sabemos o que quer dizer  Vieira, mas não sabe expressar-se. É a pobreza dos progenitores que conduz à precariedade infantil. As crianças não devem ser ricas nem pobres. Não devem trabalhar. É bom saber que o convento das belas intenções tem o apoio da Fundação Francisco Manuel (dos Santos!). A gerin do PS e a gonça do BE e PCP subscrevem esta fórmula de intensificação da miséria para ver se o povo engole a pílula de mais austeridade. Mas algo não bate certo. Não era suposto o desemprego estar a baixar e a economia a crescer? Se isso fosse verdade, o Vieira da Silva não vinha com esta cantiga de orfanato. O excelso ministro já teve diversas oportunidades para governar e erradicar a pobreza, mas qualquer coisa falhou ou faltou. É de uma baixeza franciscana servirem-se dos pequenotes para galgar as margens contributivas dos portugueses. Parece aquela conversa de ocasião com que nos cruzamos por aí: não é para mim, é para uma criancinha.

publicado às 09:52

A sagração da alergia

por John Wolf, em 06.05.14

A dona flor não tem amores, viaja na corrente de ar à procura de um sinal, a sinusite disponível para parodiar a dor. A sagração da alergia faz ecoar tons, dores lancinantes para uns, leve comichão de elefante para outros. A alergia desenha arcos temporais, do alto do céfalo acorda o olho e desce à cave do maxilar inferior. Lembra mistela diversa, falsas analogias - os pólens e a política não fazem parte do mesmo universo. Nada melhor que clonix - e fica o assunto arrumado -, um ou dois comprimidos conforme as noivas. De miserável, à beira de um fim de aprumo, passo a majestoso sobrevivente de uma armada histamínica. E não é nada. E não é mesmo nada. Não é o mesmo nada que valha a pena mencionar. Nada se passou enquanto lá fora tudo se passa. O digno de nota espojado na cartolina de um vão de escada, pobre, a alma arqueada pelas tenazes que apertam. Sou um pseudo-lastimoso, reclamante pela diminuta dose de mal-estar. Eles sim, os caídos em desuso, padecem de dor transcendental. Sentem-na, mas os que passam e os fitam, apenas tiram as medidas de uma estimativa, uma ideia escassa que não chega a ser dor vaga. Não imaginam. Nem imagino. Há muito que não conhecem as receitas. As da cozinha e as do consultório. Há muito que nunca viram a cadeira reclinante do dentista. E foi há tanto tempo que a mãe passou a mão pela fronte e depois pela fronha para aconchegar uma noite ao luar. A alergia vai nos idos de Junho. Os outros deixam-se estar. Não têm remédio.

publicado às 14:10

Uma sociedade doente

por João Pinto Bastos, em 12.02.14

21 sem-abrigo com estudos superiores. Confesso que ao ler esta notícia fiquei sumamente chocado. Não é que, note-se, os sem-abrigo com estudos superiores sejam, por força desse facto, dignos de uma piedade mais achacadiça, em comparação com os restantes sem-abrigo, porém, é no mínimo dilacerante verificar que a sociedade portuguesa contemporânea, mole e amoral, logrou a proeza de atirar para o caixote do lixo gente que, em condições normais, deveria estar perfeitamente integrada na comunidade. Um entulho moral, portanto. Mas há nesta nova, diligentemente trazida aos leitores pelo Diário de Notícias, um aspecto que cumpre não desprezar, designadamente o facto de, em democracia (e, nós, para todos os efeitos, vivemos sob o imperium de um regime nominalmente democrático), não ser de todo sustentável um grande fosso social entre os mais ricos e os mais pobres. Por outras palavras, níveis de desigualdade excessivamente elevados fazem mal à coesão social de uma comunidade democrática. E isto não é, em boa verdade, um facto que possa dividir em campos irremediavelmente opostos socialistas e liberais, comunistas e democratas-cristãos. Mais: ainda que alguns liberais de pacotilha julguem o contrário, há, em certas situações, a necessidade de agir colectivamente (com o concurso do poder estadual, como é por de mais evidente) de modo a melhor afrontar estas chagas sociais. O Estado quando confrontado com fenómenos de absoluta carestia material deve, obrigatoriamente, agir, e tem, em face disso, de mitigar os efeitos mais deletérios de uma pobreza muitas vezes involuntária. Bem sei que isto contende com aquela ideia um pouco desfasada da realidade de que a liberdade implica, por assim dizer, uma não interferência absoluta na esfera privada de cada um, mas a verdade é que a sociedade moderna, com a sua teia de relações e transacções, atingiu uma complexidade tal que já não admite, em situações de grande miséria social, uma não intervenção minimizadora por banda dos poderes públicos. A liberdade é, como se tem visto em muitos rincões, um conceito moldado das mais variadas formas, mas o certo é que sem uma base material inteiramente plausível (propriedade) não é possível falar de uma liberdade que seja verdadeiramente sentida e gozada. E, no caso em apreço, é claríssimo que os 21 sem-abrigo com estudos superiores não dispõem dessa liberdade, isto é, de uma liberdade que só faz sentido se for devidamente acompanhada da tão incompreendida propriedade. É disto, pois, que se trata, da liberdade e da propriedade rectamente concatenadas. É por isso que, não obstante a berraria que por vezes ainda se ouve por aí, é absolutamente fundamental repensar, de um modo humanista, o Estado Social, reformando o inevitável, sem, contudo, esquecer que a Questão Social do século XIX poderá, a qualquer momento, reemergir na cena política. Estou certo de que as elites portuguesas e europeias não desejam de todo tal ocorrência.

publicado às 22:59

Mais money

por John Wolf, em 19.01.14

Quando ouvimos mais uma estória sobre uma loja que fecha e deixa mais três no desemprego, sabemos que Portugal está bem e recomenda-se. Quando percorremos os corredores do supermercado e observamos que o número de desdentados cresceu, sabemos que a agência de rating não se enganou. Quando reparamos que algumas pessoas que conhecemos, subitamente apresentam cabelos grisalhos, sabemos que Portugal dobrou a esquina. Quando escutamos o desabafo de um desconhecido choroso que não consegue pagar a renda, sabemos que a retoma é uma certeza. Quando ficamos a saber que aquele idoso simpático deixou de poder medicar-se, sabemos que estamos a salvo. Quando escutamos que os bancos Europeus precisam de ainda mais dinheiro, está tudo explicado. 

publicado às 19:20

Desabafo

por José Maria Barcia, em 05.11.13

 

 

Nós, nestas lides blogosféricas, gostamos de defender e atacar pontes de vista. Gostamos de discutir tiradas deste e daquele. Entretemo-nos com minudências. Amamos criticar outros. Chega a um ponto que, às tantas, perdemos aquilo que nos fez tornar público as nossas inquietações. Houve um dia, em que muitos de nós, bloguers, decidiu criar ou participar num blog porque, pura e simplesmente, tinha algo a dizer. Essa era a nossa maior motivação. Considerávamos que algo estava mal ou bem e valia a pena escrever sobre isso.

 

Entretanto perdemo-nos na bruma das nossas próprias discussões. Começamos aquilo que, ao inicio, era nobre para discutirmos o sexo dos anjos. O que este disse, o que aquele respondeu. Deixamo-nos de perceber o que, de facto, era importante. E o que era importante - e sempre será - é fazer.

 

Hoje, ainda agora, acabei de ler a reportagem da revista do Diário de Notícias - Pobres como nós - sobre a nova pobreza em Portugal. Não que nunca me tenha apercebido. Todos nós sabemos que as coisas estão más. Que os impostos aumentam, que os cortes proliferam, e, feitas as contas, ao final do mês, a vida está mais difícil. Mas, às vezes, nós que escrevemos em blogues e jornais sobre temas da actualidade, nós que criticamos o estado de Portugal e do Mundo, nós de Esquerda e Direita, esquecemo-nos que o mundo é mais que palavras.

 

Esta reportagem fez-me isso. Relembrou-me o porquê de escrever e querer ser lido. E acho que muitos dos que escrevem partilham desta minha opinião. Peço-vos que leiam este trabalho do Ricardo J. Rodrigues. E que pensem, tal como eu pensei, o que se pode fazer mais do que escrever. Prometo-vos que vai doer ler esta reportagem. É um texto que puxa as lágrimas pela simples razão de ser uma trabalho jornalístico de primeira. Quanto a mim, decidi o que vou fazer. Amanhã vou ao Centro de Apoio Social dos Anjos, vulgo, Sopa dos Pobres voluntariar-me. 


Às vezes, precisamos que nos lembrem o porquê daquilo que fazemos.

publicado às 00:54

Quero viver num buraco

por John Wolf, em 14.10.13

Não tenho a certeza se este é o momento certo ou errado para colocar a hipótese em cima da mesa. Mas não resisti a arrastar para este espaço um conceito que começa a ganhar forma no país da inovação e dos sonhos - na terra do Uncle Sam. Os cortes nas pensões e outras tarifas contributivas que agora assolam Portugal, não correspondem aos desígnios traçados na seguinte proposta, por não serem opções voluntárias. Foram governos que decidiram o rumo a seguir, a bem ou a mal. O que eu trago a lume é algo distinto na sua acepção filosófica. Refiro-me aos "pobres intencionais" que começam a brotar em diferentes nichos do império americano que se encontra em inegável queda económica e social. Viver num buraco passou a ser um estilo de vida muito diferente daquele a que estamos habituados. Não há nada de degradante nesta forma de vida - segundo os próprios. Aliás, para os praticantes, significa viver com mais qualidade e liberdade do que ser escravo da próxima prestação da casa. O que está a acontecer, e que está bem patente nestes exemplos, relaciona-se com a tomada de consciência de que a precariedade material pode ser considerada uma vantagem. Em vez de adicionar encargos, estes cidadãos prescindem dos confortos da vida moderna, e realizam uma viagem profundamente filosófica - imaterial, mas terrena. Sei que o actual ambiente de grande consternação social mexe com a sensibilidade de tanta gente caída por terra, mas isto constitui um indício de uma nova ordem civilizacional alicerçada num conceito de realização e felicidade que colide com a extravagância esbanjadora dos nossos tempos. Aqui não se trata do cliché de "amor e uma cabana", a visão romantizada em ficção, a poesia conveniente plantada por um certo imaginário idílico. Nestes casos lida-se com a crueza elementar da natureza e o grau de suficiência que deve pautar as nossas vidas. Viver com pouco mais de três mil e quinhentos euros por ano parece ser um duro teste de sobrevivência - quando esta situação não resulta de uma escolha livre e idealista. Certamente que em Portugal existem centenas de milhar de cidadãos que vivem com esse rendimento anual, enquanto outros nem por isso. E é aqui que reside a injustiça - o confronto entre a filosofia de uns e as contas da electricidade de outros. No final da história, e apesar das palavras, ficaremos todos às escuras.

publicado às 22:17

As viúvas negras da austeridade

por John Wolf, em 07.10.13

Os portugueses estão lentamente a acordar para os efeitos da bomba atómica. A austeridade, pela sua natureza, e atendendo ao seu DNA de deconstrução, não conhece limites e ignora tabus. As pensões de sobrevivência, julgar-se-ia, que seriam o território sagrado da dignidade económica e social, uma espécie de  fronteira de uma terra proibída. No mesmo saco semântico colocaram distintos significados. De acordo com o governo, as pensões que se somam a outras pensões serão as únicas visadas pelo corte e, por forma a dar a impressão que mexem noutros privilégios fiscais, anunciam quase em simultâneo o fim dos incentivos fiscais aos carros de serviço. Pelo alinhamento de decisões até parece que um facto anda a reboque do outro, que a figura de chauffeur viúvo nos conduz para além do drama fiscal directamente para uma utopia de mau gosto. Com as amostras de gestão (sob os auspícios de ajuda externa) que o governo nos concede a bom ritmo, repesco o aviso: tenham medo, muito medo. Os portugueses já perceberam que todas as barreiras morais serão quebradas, menos aquelas onde uma verdadeira reforma do Estado deve ser realizada. A seguir aos vivos (mas por pouco), nem mesmo os mortos serão poupados. Ainda vamos assistir a algo inédito do ponto de vista existencial, transcendental. Claro está que existem casos perfeitamente identificados de indivíduos que acumulam pensões e outras regalias. Esses são velhos conhecidos da política portuguesa. Uns estão no activo, outros já prestaram serviços à nação a troco de um módico. O sistema que agora se afunda é um produto complexo, nascido a partir de distintas representações ideológicas de Portugal. Não há diferença entre a esquerda ou a direita (ou o que resta dessa classificação); foram todos co-autores do falhanço e da plantação de mecanismos de salvaguarda dos privilégios da classe política. Fica mais que patente que a troika não quer saber como o dinheiro aparece, desde que apareça. Que eu saiba, sugeriram a reforma do Estado como eixo justificador dos fundos, mas os artistas nacionais parecem andar a brincar às escondidas, evitando a todo o custo enfrentar a música de uma reforma estrutural profunda. No meio da confusão, o tribunal constitucional, faz cara de poker; por um lado invoca a sacralidade da constituição para defender direitos adquiridos pelo 25 de Abril (agora vendidos ao desbarato pelos herdeiros desse legado) e, por outro lado, funciona como um retardador de um processo que dificilmente conhecerá inversão de marcha (ignorem as promessas de Seguro, de nada servem). Se o contribuinte ainda respira, significa que é mais que elegível para pagar a factura. E se não se mexe será apanhado pela certa de outra forma criativa. Portugal entrou definitivamente no calvário cuja agonia não parece ter fim. Gostaria de acreditar que ainda existe salvação para este estado de calamidade, mas os indícios não são nada bons. Existe algo maior que indicadores económicos e exportações em crescimento, e isso chama-se o espírito de um povo. E quando este se quebra, é muito difíicil levantar do chão aqueles que se encontram derreados, acabados.

publicado às 15:14

Cadafalso fiscal de Portugal

por John Wolf, em 28.02.13

(foto do Jornal de Notícias)

 

Os artistas apanhados em flagrante com a sua invenção-maravilha, deveriam ser reencaminhados para um polo tecnológico, no sentido de se estudar outras aplicações para este veículo eficiente. No entanto, existem perigos que não devem ser subestimados. O alçapão pode ser mais uma ferramenta aproveitada pelo fisco. Uma roulotte de falsas bifanas que se encosta ao contribuinte no sentido de sacar do consumidor, e em flagrante, a mostarda. O grau de elaboração  do aparelho fiscal terá sempre uma resposta ao mesmo nível, senão mais criativa. O exercício de sobrevivência irá estimular as mentes daqueles que em última instância não estão a trabalhar para aquecer. Estão a tentar pôr o pão em cima da mesa. Estão a tentar desenvencilhar-se da melhor forma que podem ou sabem. A culpa nada tem a ver com a inspecção periódica obrigatória da carrinha. Tem a ver com a falência de sucessivos governos que não foram capazes de firmar em actos a construção sustentável do país. Não deve constituir surpresa o aumento da quota negra de mercado na economia. A austeridade que quase mata a economia, está a servir de veículo para a inovação na economia marginal quando esta deveria acontecer na economia normal. Encontramo-nos na sombra onde irão ocorrer mais e mais desfalques com mais ou menos grau de apuro. O alçapão é parente próximo do cadafalso. O palanque para onde parecem encaminhar as pessoas deste país, cada vez mais indigentes, cada vez mais desesperadas. 

publicado às 11:19

Ontem não fui um homem bom

por Samuel de Paiva Pires, em 02.02.13

 

(Pablo Picasso, Poor People on the Seashore)


Quando era criança, sempre que passávamos pela Rotunda do Relógio perguntava aos meus pais porque viviam aquelas pessoas ali nas escadas por baixo do viaduto. Tinha para mim que “quando fosse grande” construiria uma grande casa onde poderia abrigar as pessoas que não têm um tecto. Entretanto cresci e percebi que as coisas não são assim tão simples.

 

Há dias, enquanto aguardava por uma pessoa à porta dos Armazéns do Chiado, fui abordado por um rapaz com um ar envergonhado que, começando por afirmar que não pretendia dinheiro, logo me fez saber que tinha fome, perguntando-me se lhe poderia comprar algo para comer. Repliquei que estando a aguardar uma pessoa, não o poderia acompanhar, acabando por tirar do bolso algumas moedas que lhe entreguei. Isto quando um pouco mais abaixo, sensivelmente a meio da Rua do Carmo, costuma estar um pedinte sentado no chão com uns cartões diante de si a servir de repositórios da colecta, indicando em cada um deles o destino a dar a esta – álcool, droga, tabaco, comida etc. Porventura este putativamente humorístico pedinte, que por acaso tem um ar um pouco lunático, estará em crer que a sinceridade o ajudará, e a verdade é que lhe são atiradas bastantes moedas.

 

Entre a vergonha de uns e a loucura de outros, registe-se a ideia, que é do senso comum, de que a maioria dos pedintes que encontramos nas nossas ruas destinam aquilo que conseguem essencialmente a álcool e droga. Já desprovidos de qualquer vergonha, muitos acabaram a contribuir involuntariamente para a formação de uma certa carapaça que instintivamente faz com que se tenha banalizado a resposta “não tenho nada” perante qualquer pedido que nos façam pelas ruas.

 

Mas entre os loucos e os desprovidos de qualquer vergonha, há também os que envergonhadamente se vêem na contingência de ter que pedir para sobreviver. Há cerca de um ano, estive por várias vezes numa sala de espera do Hospital de S. José. De um lado para o outro arrastava-se em passos lentos e a medo uma senhora com uma expressão tão envergonhada que se tornava incomodativa e chegava mesmo a transmitir como aquela situação a estava a destruir psicologicamente. Abordava quem por ali aguardava a sua vez, resumindo a sua situação ao facto de se encontrar desempregada, tal como o marido, que estava doente.

 

Ontem, a caminho de casa, estavam dois pedintes na carruagem do metro em que seguia. Um deles, bastante conhecido por quem anda de metro, lá ia batendo com aquele ferro na bengala e na caixa que traz ao pescoço, no seu habitual ritmo alucinante, cantando o célebre “Ora podem crer que eu continuo a agradecer a quem tiver a bondade ou a possibilidade de me auxiliar”. O outro era uma senhora, que embora até abordando as pessoas com uma expressão facial amigável, foi encontrando a habitual resposta: “não tenho nada”. Após receber esta resposta da minha parte e de mais umas pessoas que se encontravam próximo de mim, o metro parou, tendo entrado uns jovens, rapazes e raparigas, que não teriam mais que 19 ou 20 anos. Um deles ficou em frente da senhora assim que entrou, tendo por ela sido abordado. Replicou que não tinha dinheiro mas que lhe podia oferecer a sandes embrulhada que trazia na mão. Provavelmente já esperando a resposta habitual, a senhora ficou um pouco surpreendida com a oferta, e com uma expressão de genuíno agradecimento, talvez a mais genuína que alguma vez presenciei, a primeira reacção que teve foi de uma generosidade tocante: pediu ao rapaz que pelo menos dividissem a sandes, o que ele obviamente recusou. Voltando a agradecer, aproveitou ainda para dizer que infelizmente se via naquela contingência porque tem que pagar o quarto em que vive com a filha, e que tem que a alimentar e vestir como conseguir, para que pelo menos não a achincalhem na escola.

 

Alguns dizem que encontram Deus em situações de contacto com o sublime e o belo. Eu não encontrei Deus. Mas de repente a minha alma e o meu corpo pareceram ter sido rasgados não por uma revelação divina, mas por uma revelação demasiado humana que me quis mostrar como é possível manter uma generosidade indescritível e ao alcance de muito poucos, numa situação em que provavelmente já não se consegue manter qualquer réstia de dignidade própria e cujas circunstâncias tenderiam mais a levar-nos no sentido oposto.

 

Ao mesmo tempo, senti-me envergonhado. Porque respondi instintivamente e não tive a capacidade de perscrutar aquele rosto e tentar compreender o que lhe subjaz. Quando me levantei, dirigi-me à porta onde se encontrava a senhora. Antes de sair, dei-lhe umas moedas, talvez procurando redimir-me, talvez procurando egoisticamente sentir-me um pouco melhor. Não o merecendo, fui presenteado com um simpático agradecimento de uns olhos cansados e um sorriso de uns dentes que já conheceram um estado bem melhor, de alguém com uma tez que denota alguma falta de saúde, mas que foram mais comoventes e me transmitiram mais conforto que muitos dos olhares e sorrisos que já recebi na minha vida. Não o suficiente, contudo, para evitar as lágrimas que me correram pelo rosto após sair do metro. Ontem, não fui um homem bom. E ainda que a minha mente não pare de pensar naquela cena a que assisti, pelo menos fico contente por ter visto um e por ter presenciado tamanha demonstração de generosidade.

publicado às 19:57

O estado que não sentimos

por John Wolf, em 17.12.12

 

Não conheço as noites de papelão. Aquelas passadas no mármore da avenida onde afirmam que o ar gélido passa a correr, para ir morrer na parte baixa da cidade. Não sinto as mãos, o tronco e os membros da minha família. O bafo que me sai das entranhas, aquece a ponta do nariz enquanto farejo a urina deixada na sarjeta, que passei a ser. Naquelas horas da natureza, que dizem pertencer aos grilos, escutei vozes, atei a trouxa ao pulso aberto pelo cordel - a corda que enforca o horizonte que já não avisto. Estou deitado no passeio junto a um copo e o mundo. Corpo imundo. Nada tem de ser dito porque o fétido emana como a última vela de um santuário arrendado, arredado de si - põe-te daqui para fora -, mas que permanece nessa caixa que em tempos albergava o espírito, o pai nosso divorciado de si. E se me esquecer de alguns detalhes quando a polícia me deitar a mão, direi que está tudo assente num livro de penúrias, escrito nas linhas rugosas da minha cara, nos vincos que migraram das palmas, dos aplausos de dignatários que inauguraram a dependência bancária e me encerraram neste estado que já não sinto, que não sentimos. 

publicado às 11:20

Ainda Isabel Jonet

por Samuel de Paiva Pires, em 14.12.12

Pacheco Pereira está cheio de razão sobre as intervenções de Isabel Jonet. Se muitos conseguissem sair da redutora e primária posição de defender as patetices proferidas por Isabel Jonet, que têm uma carga ideológica e um pensamento sobre a sociedade - ainda que rudimentar - evidentes, e com que estou em absoluta discordância, apenas porque a sua obra é meritória, talvez pudessem então vislumbrar a "bigger picture". Mas para isso era preciso que também deixassem de acreditar no mito do "viver acima das possibilidades", muito em voga para os lados do Governo. Ler este artigo talvez ajude.

 

Leitura complementar: O mito do viver acima das possibilidadesMarx a rirDuas petiçõesPobreza intelectualVamos brincar à caridadezinhaA indecorosa leveza da ideologia da caridadezinha; Raiva.

publicado às 14:00

Pobreza intelectual

por Samuel de Paiva Pires, em 09.11.12

Hoje recordei-me de uma célebre história, que talvez evidencie mais claramente alguns afunilamentos estafados à esquerda e à direita em relação a narrativas políticas que não são inocentes ou ingénuas. Consta que quando Otelo Saraiva de Carvalho se encontrou com Olof Palme, questionado por este sobre a visão que tinha para Portugal, terá dito que queria acabar com os ricos. O Primeiro-Ministro sueco, por seu turno, replicou: "Curioso, nós na Suécia queremos é acabar com os pobres."


Leitura complementar: O mito do "viver acima das possibilidades"Marx a rirDuas petiçõesIsabel Jonet e o coro da tropa fandanga do business as usualBoa noite e boa sorteO coro da tropa fandanga, versão intolerância democrática

publicado às 18:31

O mito do "viver acima das possibilidades"

por Samuel de Paiva Pires, em 08.11.12

Desde ontem à noite que grande parte do meu feed de notícias no Facebook se digladia em relação às afirmações da presidente do Banco Alimentar, Isabel Jonet. O vídeo pode ser visto aquiPela minha parte, não pretendendo entrar em grandes considerandos sobre os hábitos de vida dos portugueses, até porque qualquer amostra de qualquer um de nós nunca será representativa e significativa (conhecemos os hábitos da nossa família e amigos mais próximos, pouco mais), permitam-me salientar o que me parece ser mais importante.

 

Quando Passos Coelho afirmou, há sensivelmente um ano, que só sairíamos desta crise empobrecendo, eu fui um dos que concordou com o Primeiro-Ministro. Mas na minha mente, talvez ingenuamente, acreditei que isto se aplicaria de forma justa, começando no estado, o que não tem acontecido. O mito falacioso do "viver acima das possibilidades" verifica-se essencialmente no estado. Quando um indivíduo vive acima das suas possibilidades, mais cedo ou mais tarde irá à falência. O indivíduo assume a responsabilidade e enfrenta as consequências das atitudes que entendeu por bem tomar. Assim é quando o ambiente do sistema em que o indivíduo se movimenta se mantém estável, podendo o indivíduo prever os encargos que decorrem da sua actividade - trata-se, claro, de um sistema em que vigora o livre mercado e o Estado de Direito.

 

Agora, quando há uma crise no estado, este tem várias opções antes da bancarrota. Uma delas, como todos temos experimentado, é o aumento de impostos. Isto obriga a um ajustamento das famílias e empresas, que já se vinham ajustando ao ambiente de crise económica - o desemprego é um sinal deste ajustamento. Mas se este ajustamento serve essencialmente para manter o status quo no estado, não se verificando um real ajustamento deste às possibilidades dos contribuintes, então aquele ajustamento torna-se imoral e quebra qualquer nexo de justiça no centro do contrato social. Advogar o empobrecimento generalizado de uma nação sem falar num processo idêntico no aparelho estatal, é simplesmente injusto e imoral.

 

Dito isto, os exemplos práticos que Isabel Jonet aponta e a tentativa de ensinar os outros a gastar o seu próprio dinheiro revelam uma personalidade que presume arrogantemente ter conhecimento de forma representativa dos hábitos de consumo de 10 milhões de pessoas. Como é óbvio, não tem este conhecimento, acabando por realizar generalizações sem base para tal. Pior, dado que Isabel Jonet não se refere ao estado, acaba, talvez sem se aperceber, a fazer a apologia da pobreza, o que se reflecte na frequente auto-congratulação pelo trabalho desenvolvido pelo Banco Alimentar. É certo que é um trabalho importantíssimo e que tem de ser valorizado. Mas aquilo que temos todos de procurar é que seja cada vez menos necessário recorrer ao Banco Alimentar. Aqui, entram em choque duas visões que de forma simplista denominamos como sendo de esquerda e direita. A primeira defende políticas sociais emanadas a partir do estado, ao passo que a segunda defende a acção da sociedade civil, neste caso, a caridade. Tendem, infelizmente, entre os seus apoiantes, a excluir-se. Eu acho que a virtude está no meio, e que estas duas visões não só não podem ser exclusivas, como se complementam. Um estado moderno não pode deixar de ter políticas sociais com o objectivo de não deixar cair os indivíduos abaixo de um determinado limiar de dignidade humana. E a caridade enquanto amor e serviço ao próximo, é essencial para a coesão de qualquer sociedade.

 

O problema não está em nada disto. O problema está, voltando ao início do post, no facto de ser o estado a viver acima das possibilidades de todos nós. Continuar o ajustamento injusto que tanta tensão tem gerado, além de empobrecer os indivíduos, fomenta nestes um sentimento de revolta em resultado da injustiça gritante a que muitos já não conseguem assistir impavidamente. Infelizmente, o actual governo desbaratou um momento único, em 2011, quando a esmagadora maioria dos portugueses tinha noção que todos tínhamos que empobrecer, mas, como eu, pensavam que isto seria um processo justo em que a reforma do estado e cortes significativos na despesa pública teriam lugar. No fim, como Pacheco Pereira já várias vezes apontou, vamos ter um estado ainda mais forte e mais interventivo. E isto não augura nada de bom.

publicado às 13:37

Somos oficialmente um país do terceiro mundo

por Samuel de Paiva Pires, em 10.07.12

"O comissário do Conselho da Europa para os direitos humanos alertou esta terça-feira que há crianças portuguesas a emigrar para trabalhar por causa da crise e famílias a retirar idosos das instituições para beneficiar das suas reformas."

publicado às 23:05

Alarvidades de início do ano: da ilegalização da pobreza

por Samuel de Paiva Pires, em 02.01.11

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Noticia hoje o Sol que a «CAIS, uma associação de apoio aos sem-abrigo, vai apresentar uma proposta aos partidos com assento parlamentar para que a pobreza seja ilegalizada e o Estado seja multado por não conseguir reduzir o número de pobres em Portugal».

 

Obviamente, tamanha alarvidade só pode vir de uma mente ferida de morte pelos males do construtivismo social e da engenharia social utópica; de alguém que deposita uma confiança inexplicável na legislação e na burocracia estatal para resolver problemas que não padecem de ser solucionados por tais instrumentos. De boas intenções, como se costuma dizer, está o inferno cheio. E o que é certo é que qualquer política tem sempre resultados imprevistos à partida. Neste caso, contudo, não é difícil de prever algumas das incongruências e dificuldades com que nos poderíamos deparar, se tal legislação fosse adoptada (estou em crer que não o será, se prevalecer o bom senso, o que é sempre difícil em épocas de crise, propensas à demagogia populista de uns quantos).

 

Este tipo de medidas inspiram-se nos  chamados direitos sociais e económicos, também conhecidos por direitos de segunda geração, que foram tratados por João Carlos Espada, na sua tese de doutoramento intitulada "Direitos Sociais de Cidadania". Na introdução, diz-nos o autor que "estes direitos implicam pretensões (claims) relativamente a determinados bens sociais, económicos e culturais, tais como, educação, segurança social, habitação, cuidados de saúde e, de um modo geral, um nível de vida considerado decente. Enquanto pretensões  a determinados bens, são frequentemente denominados direitos «positivos», por oposição aos direitos «negativos», que são os direitos civis e políticos tradicionais (...)"1.

 

Os direitos sociais constituem parte integrante da Declaração Universal dos Direitos do Homem, tendo sido alvo de uma forte crítica por parte de Friedrich Hayek (no apêndice ao capítulo 9 ("Social or Distributive Justice") do vol. II ("The Mirage of Social Justice"), da sua obra "Law, Legislation and Liberty", sob o título "Justice and Individual Rights"), sobre quem João Carlos Espada se debruça na primeira parte da sua tese. Resumidamente, Hayek faz notar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem padece de uma forte imprecisão e abstracção, visto que se limita "a decretar direitos sem se preocupar como seriam aplicados e quem os faria cumprir"2, para além de assinalar que estes direitos, partindo do pressuposto que originam obrigações reais atribuídas a agentes reais, "levariam à destruição da ordem liberal que permitira que os direitos tradicionais florescessem, bem como à destruição da riqueza material a ela associada"3.

 

O mesmo é dizer que, para além deste tipo de direitos serem apenas fruto de uma retórica oca, já que não atribuem obrigações reais a agentes reais, se se proceder a uma tentativa de correcção deste vazio, o resultado será ainda pior, já que "o espaço anteriormente ocupado por uma retórica oca dará lugar ao totalitarismo e à pobreza"4, dado que para satisfazer as pretensões destes direitos, será necessário substituir a ordem espontânea da sociedade liberal, por uma organização dirigida, obviamente recorrendo à coerção, passando a ocorrer uma intromissão inaceitável à luz dos tradicionais direitos políticos, na esfera de liberdade individual de cada indivíduo. E embora a abolição da coerção não seja possível, como o próprio Hayek salienta, importa ter em consideração, para evitar que os fins passem a justificar os meios, que "se quisermos preservar uma sociedade livre, é essencial que reconheçamos que o facto de um determinado objectivo ser desejável não constitui justificação suficiente para se usar de coerção"5.

 

Tudo isto para dizer que, a adoptar-se tal projecto de lei, estaremos em face de uma política digna de um Estado totalitário, ao criminalizar-se um fenómeno social como a pobreza, fazendo impender sobre o Estado a responsabilidade por indivíduos que efectivamente sejam considerados pobres - à luz de um qualquer critério que o tal projecto de lei deverá conter. A acontecer, tal contará com o apoio da burocracia estatal e com base em prolixa legislação saída das cabecinhas de quem vê o Estado como o principal fornecedor de bem-estar - enquanto haja dinheiro dos contribuintes para desbaratar, claro está. A mensagem que se estará a dar, mais uma vez, é que é mais fácil ficarmos quietinhos, sem trabalhar e produzir riqueza, à espera que o Estado, agora até criminalmente responsável pela nossa condição de pobreza, nos acuda, dando ainda mais poderes e autoridade moral a este para interferir a seu bel-prazer na vida de todos os cidadãos. E se formos efectivamente pobres, podemos esquecer aquela velha ideia de recusarmos a ajuda do Estado, de nos recusarmos a sair das ruas onde dormimos, já que o Estado sentir-se-á legitimado pela lei a fazer tudo ao seu alcance para evitar as medidas sancionatórias previstas em caso de incumprimento desta.

 

É que, segundo os autores da proposta, a criminalização nem sequer resulta a favor dos indivíduos, i.e., os cidadãos menos afortunados não podem processar o Estado. A originalidade é bem maior, resultando apenas em que o Estado seja obrigado a aumentar o valor das transferências para as ONG e IPSS - o que é algo discutível, mas pode ser motivo de debate noutro post, embora importe dizer que, em larga escala, bastaria, de facto, o aumento das transferências, mas é nas prestações sociais directas, que é o contrário do que o Estado Socialista tem vindo a fazer, ao mesmo tempo que vai injectando milhões em bancos decrépitos que já nem deveriam existir, o que representa uma contradição moral insuperável. Simultaneamente, a CAIS reconhece a existência de basta legislação, em parte proveniente da legislação comunitária, que, na sua opinião, ou não está a ser cumprida ou não é suficiente. Portanto, na lógica destes, se a legislação existente não está a ser cumprida, nem sequer vale a pena tentar fazê-la cumprir, bastará produzir mais legislação caracterizada pela criminalização do fenómeno e por uma inaceitável coerção.

 

Que a pobreza é um flagelo que deve ser erradicado, ninguém duvida e só uma mente retorcida pode dizer o contrário. Mas não é com instrumentos desadequados como a burocratização e a excessiva legislação e com este tipo de medidas demagógicas, cujos efeitos nefastos escapam à compreensão dos propositores, que chegaremos lá. Assim, só chegaremos a mais um inaceitável patamar no Caminho para a Servidão.

 


 

1 - Cfr. João Carlos Espada, Direitos Sociais de Cidadania, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1997, p. 18.

2 - Cfr. Idem, ibidem, p. 32.

3 - Cfr. Idem, ibidem, pp. 32-33.

4 - Cfr. Idem, ibidem, p. 34.

5 - Cfr. F.A. Hayek, The Constitution of Liberty, 1960, London, Routeledge & Kegan Paul, p. 87 apud João Carlos Espada, ob. cit., p. 45.

publicado às 17:00

"Caridade no reino da fartura"

por Samuel de Paiva Pires, em 16.10.08

 É o título de um magnífico post de JCS que aqui deixamos na íntegra:

 

Se bem percebi, o Blog Action Day é uma iniciativa que pretende reunir todos os blogues do mundo numa causa comum. Este ano fala-se de pobreza e exige-se aos líderes mundiais que cumpram a promessa de a saldar até 2015.


Fui desafiado para participar, por uma plataforma portuguesa, mas confesso que estes circos não me agradam.


Posso lembrar os pobrezinhos em caridosos posts, posso pendurar links na coluna do lado direito, posso até participar naqueles eventos públicos com pessoas deitadas em jardins. Posso fazer tudo isto e a pobreza no mundo permanece ilesa.


Lutar contra a pobreza não é falar nela. Nem é pedir aos governantes para cumprir promessas. Isso é o que fazem largas centenas de organizações internacionais, altamente financiadas, há muitas décadas.


O nosso papel, na luta contra a pobreza, é bem mais simples e começa nos nossos hábitos. Se pusermos cobro à ganância que tomou conta da nossa vida, estamos a entrar directamente nesse combate, sem autocolantes ou palavras afáveis.


Queremos hoje ter o melhor carro do semáforo, o melhor telemóvel da mesa, a camisa mais vistosa da rua, o cinto mais crocodilo da savana, os óculos escuros mais bimbos do universo e o relógio mais espalhafatoso do escritório. Deitamo-nos a pensar nisto e acordamos com muitas ganas.


Corremos confiantes para os balcões porque nos dizem que a sociedade tem de ser mesmo assim. Ao comprarmos estas merdas estamos a dar dinheiro à loja, que depois dá à fábrica, que depois dá emprego. Como se não fosse já evidente que este consumo ganancioso gera apenas fortunas milionárias, ironicamente esbanjadas em inutilidades análogas.

Ora, neste pomposo cenário, lamentar a pobreza é treta. Se procuramos ser cada vez mais ricos, não podemos ser generosos. É elementar: o que nos sobra faz falta noutro lado.

publicado às 01:55






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