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Do poder e da estupidez em tempos de coronavírus

por Samuel de Paiva Pires, em 29.05.20

Quando, há uns dois meses, escrevi que iríamos assistir a mudanças sistémicas à escala global, não tomei partido quanto à direcção destas, isto é, não formulei nenhum juízo sobre se as mudanças seriam para melhor ou pior. Mais ou menos na mesma altura, começaram a manifestar-se na opinião pública aqueles que, pretendendo avançar as suas agendas ideológicas, logo vaticinaram velhinhos “amanhãs que cantam”. Muitos decretaram pela milésima vez a morte do liberalismo e do capitalismo e anunciaram um mundo novo marcado pela bondade e pela compreensão de que os nossos excessos das últimas décadas teriam necessariamente de dar lugar a um mundo mais harmonioso - uma manifestação da fé iluminista no progresso (seja lá este o que for). Outros, em posição diametralmente oposta, preferiram defender a globalização e a ortodoxia liberal, proclamando alguns deles, também pela milésima vez, o império da economia sobre a política, como se estas fossem mutuamente exclusivas. 

Ora, o mais provável é que Richard Haass tenha razão, a crise acabará apenas por acelerar as tendências verificadas nos últimos anos. Os crentes nos diferentes progressismos parecem esquecer-se que a história não progride de forma linear e que há duas características da condição humana aparentemente imutáveis e frequentemente amalgamadas: a luta pelo poder e a estupidez.

Não é por acaso que o poder é o fenómeno central da Ciência Política, assim como na Teoria das Relações Internacionais, especialmente para realistas e neo-realistas, segundo os quais o poder é a moeda da política internacional e esta é sinónimo de power politics. Nem sequer o projecto de integração mais avançado no mundo escapa a isto, como temos vindo a aprender duramente desde 2008. Porém, em Portugal, não faltam defensores da narrativa espelhada na capa de uma revista holandesa, segundo a qual os países do norte da Europa são muito produtivos e frugais ao passo que os países do sul são pouco produtivos, gastadores e pedintes em relação aos do norte. Como já escrevi anteriormente, para estes, que no ano de 2020, tendo já passado pela crise do euro, ainda não conseguiram perceber que a União Económica e Monetária tem falhas estruturais conducentes a um funcionamento perverso que privilegia os países do norte e prejudica os do sul, dificilmente haverá salvação. Os seus vieses cognitivos e ideológicos, para além da ignorância da história do projecto de integração europeia, não lhes permitem vislumbrar e compreender a dimensão política, de luta pelo poder, no cerne do projecto do euro. Para outros, aqueles que acreditam num qualquer modelo de harmonia à escala global que descerá sobre todos nós em resultado da crise actual ou de outra qualquer, também não sei se haverá salvação, mas um estudo minimamente aturado da história da humanidade poderá ajudar a alcançar uma melhor compreensão da condição humana e da centralidade do poder nesta.

Por outro lado, a crise actual permitiu também perceber - se dúvidas houvesse - que a fé iluminista nas capacidades da razão humana é assaz sobrevalorizada. Num mundo hiper-mediático, a estupidez tornou-se particularmente visível. Entre líderes mundiais, lideranças políticas domésticas e burocratas que decidem e implementam medidas abstrusas, opinion makers que se aliviam de disparates e cidadãos que nas redes sociais partilham teorias da conspiração e óbvias fake news, este tem sido um período particularmente prolixo. Haverá muito trabalho para aqueles que se queiram dedicar a documentar as diversas manifestações de estupidez a que temos assistido, como o Nuno Resende aqui fez ontem. Certamente poderão apoiar-se nos trabalhos desenvolvidos por Paul Tabori e Carlo M. Cipolla. 

publicado às 15:15

Acampamentos domésticos e o BE

por John Wolf, em 29.07.17

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É a Esquerda que está no poder. E no contrapoder. Nos meios de Comunicação Social, na Protecção Civil, na Caixa Geral de Depósitos, no BES, na Floresta, na praia do Ancão e no acampamento do Bloco de Esquerda. Por outras palavras - ela está no meio de nós. Mas as rezas de outrora, as causas da sua igreja ideológica, parecem desvanecer-se. Se bem me recordo foi a Catarina Martins que avisou que iria acabar de vez com a violência doméstica e que iria libertar a mulher dos estereótipos e lugares-comum. Não me parece que tenha havido grande esfregona e balde a serem empregues para limpar as manchas deste flagelo que assola a sociedade portuguesa. Com tanta prosápia sobre direitos inalienáveis e igualdade de géneros, não foram capazes de alavancar a mudança que se exige. Ou seja, como conseguiriam explicar aos libertários da revolução que a moldura penal para violentadores domésticos foi intensamente agravada? E é aqui que reside grande parte da contradição. O Bloco de Esquerda tem uma visão que nem sequer é selectiva nem generalista. É uma pescadinha de rabo na boca. Se a Esquerda fosse criteriosa e proporcional em relação à violência doméstica propunha medidas jurídicas que gostaria que fosse a direita a enunciar - restrições em relação ao conceito de liberdade que os bloquistas reclamam todos os anos sob os auspícios de um acampamento selvagem. Em vez disso, o número de mortes continua a doer.

 

Foto de John Wolf tirada no Christopher Day Parade em Berlim, 23 Julho 2017

 

 

publicado às 14:56

Sobre o futuro da ideia de inteligência

por Samuel de Paiva Pires, em 21.02.17

Stephen Cave, "Intelligence: a history":

So when we reflect upon how the idea of intelligence has been used to justify privilege and domination throughout more than 2,000 years of history, is it any wonder that the imminent prospect of super-smart robots fills us with dread?

 

From 2001: A Space Odyssey to the Terminator films, writers have fantasised about machines rising up against us. Now we can see why. If we’re used to believing that the top spots in society should go to the brainiest, then of course we should expect to be made redundant by bigger-brained robots and sent to the bottom of the heap. If we’ve absorbed the idea that the more intelligent can colonise the less intelligent as of right, then it’s natural that we’d fear enslavement by our super-smart creations. If we justify our own positions of power and prosperity by virtue of our intellect, it’s understandable that we see superior AI as an existential threat.


(...).

 

We would do better to worry about what humans might do with AI, rather than what it might do by itself. We humans are far more likely to deploy intelligent systems against each other, or to become over-reliant on them. As in the fable of the sorcerer’s apprentice, if AIs do cause harm, it’s more likely to be because we give them well-meaning but ill-thought-through goals – not because they wish to conquer us. Natural stupidity, rather than artificial intelligence, remains the greatest risk.

 

It’s interesting to speculate about how we’d view the rise of AI if we had a different view of intelligence. Plato believed that philosophers would need to be cajoled into becoming kings, since they naturally prefer contemplation to mastery over men. Other traditions, especially those from the East, see the intelligent person as one who scorns the trappings of power as mere vanity, and who removes him or herself from the trivialities and tribulations of quotidian affairs.

 

Imagine if such views were widespread: if we all thought that the most intelligent people were not those who claimed the right to rule, but those who went to meditate in remote places, to free themselves of worldly desires; or if the cleverest of all were those who returned to spread peace and enlightenment. Would we still fear robots smarter than ourselves?

 

(também publicado aqui.)

 

publicado às 15:12

formula

 

Uma das equações de Portugal dos tempos modernos = nomeação de filha para presidência na EGEAC = corrupção no SEF = prémio Leya para trineto de Eça de Queiroz = Operação Furacão = Face Oculta = Freeport = Financiamento ilegal de partidos políticos = Rio Forte = fraude do BPN = BES = Fortuna de Sócrates = a equação propriamente dita, dita mesmo...explicada.

publicado às 17:59

Ministério do Tribunal Constitucional

por John Wolf, em 05.06.14

Já vimos este filme não sei quantas vezes. O governo decide cortes e o Tribunal Constitucional (TC) desfaz em cacos as suas intenções. Este tira-teimas serve diversos objectivos. Transfere o ónus da responsabilidade governativa para o TC, demonstra a antiguidade da lei fundamental e faz com que a Troika exija medidas adicionais que compensem o impacto negativo da decisão do tribunal. Eu proponho que se defina um modo de proceder diferente. O TC deveria colocar em marcha um rastreio exaustivo à Constituição da República Portuguesa (CRP) e demonstrar num mapa colorido as zonas jurídicas onde o governo pode actuar sem ferir o que quer que seja. Para completar o quadro, e através dos serviços diplomáticos do ministério dos negócios estrangeiros (parece-me o mais indicado para o efeito), o governo deveria nomear um embaixador no TC. Poderia levar para essa residência uma mala diplomática vazia e trazer na volta uma mão cheia de pareceres favoráveis. Não sei qual a distância entre São Bento e o Palácio Ratton, mas escusávamos de assistir a este pingue-pongue que apenas adia o inadiável. Deixemo-nos de falsas considerações: o TC é (ou passou a ser) um orgão político envolvido na gestão dos assuntos do Estado e no governo da nação. Aliás, se formos realmente exigentes na nossa análise, diríamos que os autores da CRP de 1976 (nas suas diversas versões) plantaram no seu âmago mecanismos expressivamente políticos que agora saltam à vista. Não devemos esquecer que foi ao abrigo da CRP, que, direitos, deveres e garantias económico-sociais dos indivíduos foram salvaguardados, mas convém admitir, sem reservas, que foi também sob a sua alçada que o país conheceu os maiores desvios aos alegados ideais de justiça económica e social. Foi a mesmíssima CRP que autorizou desvios à norma ética e desequilíbrios, que emprestou a ilusão de um Estado-social sustentável. Assistimos deste modo, e porventura, ao esgotar do âmbito de utilidade da CRP na sua presente forma. Aconteça o que acontecer nos próximos tempos legislativos, Portugal está obrigado a uma profunda revisão constitucional. O software constitucional precisa de um upgrade e de uma limpeza por forma a ser eficiente, no quadro de um país profundamente alterado pelas circunstâncias intensamente adversas. Os males, embora não venham a bem, deveriam ser aproveitados para arrumar a casa.

publicado às 09:27

Seguro e Costa e os dias de cólera no PS

por John Wolf, em 01.06.14

Que fique bem assente: sou da opinião de que António José Seguro não reúne os requisítos mínimos para liderar seja o que for. Quanto a António Costa, também me apraz dizer que o ainda presidente da Câmara Municipal de Lisboa também não é sem falhas. Faz parte da velha guarda socialista que também assina por baixo no descalabro do país. Não representará a mudança que o país exige e arrasta consigo um elenco de protagonistas caducos, mas não tem hipótese - depende deles, do seu apoio. Nos dias que correm o Partido Socialista (PS) vive um processo autofágico e canibalizante. A guerra interna pelo poder, a contagem de espingardas e a subida de tom dos discursos de Seguro e Costa, transbordaram para fora dos corredores do Rato directamente para o país que confirma os seus piores receios - a política é igual a si, coerente. Trata-se de um mero exercício de disputa pelo poder, pelo que as questões substantivas que afligem o país foram secundarizadas pela cólera política que agudizar-se-á nos próximos tempos. No entanto, Seguro faz a única coisa que pode fazer. Serve-se de todos os meios administrativos e regulamentares ao seu dispor, ao abrigo da sua posição enquanto secretário-geral do partido, para gerar algum pânico nas convicções arrogantes de Costa. A proposta de eleições primárias "à americana" talvez seja o modo de destrancar um partido dependente de barões. O PS, funcionou, ao longo das últimas décadas, como um cartel de vozes dominantes, que tornaram o partido refém das suas vontades. Acresce a essa distorção, a expressão corporativa que não se quedou pelo partido, pela sua estrutura de gestão. O PS (e também o PSD, para todos os efeitos) colocaram os seus homens nas grandes empresas e instituições públicas deste país. O sistema nacional, está, nessa medida, minado por nomeações "à la carte" - de figuras próximas dos senadores e barões destes partidos.  O país, é, deste modo, uma réplica do que se passa nos partidos. O país é um enorme partido - está partido. Nessa medida, o que Seguro propõe, embora sirva para tentar salvar a sua pele, serve também para desintoxicar o partido (e o país) de "soarismos" que o definiram tempo demais. A ideia de que os nomes são maiores do que as ideias, as propostas e as soluções. Os políticos têm esbanjado inúmeras oportunidades. Não aprenderam a descer do alto das suas cadeiras para caminhar nos mesmos trilhos calcorreados pelo cidadão comum. Não é que Seguro esteja a inventar a roda, mas já cumpriu a sua parte. Colocou em alvoroço um dos partidos "fundadores" da democracia em Portugal e obriga António Costa a revelar a sua natureza política mais profunda. Em tempos de crise, este género de abanão faz bem à tosse, altera os discursos que foram utilizados como pregões. Mas isso não basta. O país merece melhor. Portugal não pode perder tempo com birras deste género. Há coisas muito mais importantes.

publicado às 07:41

2014 e o tempo que deixou de contar

por John Wolf, em 30.12.13

Não existe tal coisa como a mudança que acontece com a passagem de ano. Não existe o virar de página para um mundo eminentemente novo. Não existe o balanço de algo que finda para relançar à virgindade. Não existe a tábua rasa. Vivemos aquém e além dos nossos desígnios. E nesta antecâmara onde refrigeramos o espumante da celebração, damos conta da continuidade. Não saímos dos nossos corpos, mas abandonamos uma parte das nossas convicções. Deslocamo-nos sem sair do mesmo cruzamento, onde habita um semáforo caprichoso, aberto e cerrado no mesmo instante, no embate coincidente. Em política sabemos de antemão que foram, e serão todos, vitoriosos. Que não admitem a derrota num concurso de penhoras, de expectativas e engodos, de talismãs e regressos triunfais. Em epígrafe, na margem rasurada da grande história, as assinaturas serão manchas menores, meras rubricas de um testemunho que passa pelas mãos de estafetas cansados. Os homens, os grandes, os pequenos, e aqueles que se arrastam como invertebrados, aprendem de um modo doloroso - a lição da inconveniência de um tempo prolongado, retardado, atrasado pelo destino que nunca o será. Um predestino que foi vilipendiado, assaltado por saldos de ocasião, palavras coniventes e verdades preteridas. Faça-se a lista do deve e haver, inscrevam-se nas colunas  a soma e a distracção que a acompanha, e verão que a conta não passará na auditoria da consciência colectiva. Os contribuintes foram liquidados pelo depósito na falsa guarida, pela glória de um campeão que se anuncia redentor, na receita que morde a cauda do seu falso esplendor. As palavras, estas, aquelas e as demais, são um perfeito embuste que não nos servem, que não me servem. Existem como espuma bárbara de um delírio cronológico, das badaladas que ainda faltam, que servem para lançar figurantes em falsas estreias, repetidas à exaustão. Se há algo que aprendemos nestes anos que já são alguns, que já estão algures - é que os mesmos já não servem para contar. Façamos uso dessa sabedoria parcimoniosa para aceitar que nos encontramos no emaranhado de temporais. 2013 estará em 2014, e todos os anos que os antecedem e que se seguem estarão nessa volúpia que queremos amestrar para memória futura. Porque as recordações do passado não cabem na geometria de um relógio estilhaçado. Não percamos mais energia com ninharias, porque nada disto tem cabimento na simples batida de um pulso, no peito aberto vergastado pelos ventos que sopram.

publicado às 19:40

A queda e ascensão de Angola

por John Wolf, em 15.10.13
 
Do mesmo modo que a ex-superpotência EUA foi encostada às cordas pela Rússia no processo Síria, o ex-império colonial Portugal foi relegado para segundo plano por Angola. A história de domínio e subjugação é uma moeda de troca constante. A posição muda, os actores permanecem. A relação de forças no mundo já não é o que era. Há países que acordam rapidamente para a nova configuração geopolítica, outros nem por isso...é disso que se trata. Respeito, honra, valores, história e relações privilegiadas significa muito pouco num quadro estratégico alicerçado na oportunidade. O resto são detalhes de Machete e companhia. Deixemo-nos de invocar a ética e parcerias estratégicas (foi tudo oportunismo) - Angola é um país independente, e se profere o discurso de evasão aos condicionalismos portugueses, significa que Portugal não soube conduzir a sua política externa com acutilância suficiente. Outros virão para aproveitar o que Portugal, agora e à meia-volta, declina efusivamente. De repente Angola passou de membro da comunidade lusófona de amizade e negócios para o clube dos párias. Sobre a autoridade moral de uns e de outros - há muita roupa suja para lavar - de Portugal e de Angola. Não há uma linha que divide os campeões dos vilões, os certos dos errados. À medida que outras ex-colónias erguerem a cabeça (Timor, Moçambique ou Cabo Verde), Portugal irá lentamente encaixar nos seus processos mentais que subalternidade é um conceito muito relativo. Acontece aos melhores, aos piores, e àqueles que se encontram em terra de ninguém. Não me admiraria muito se Angola iniciasse parcerias estratégicas com um velho rival da história tordesilhana - Espanha. Angola não faz o que faz por acaso. Atinge Portugal num momento de fraqueza política, económica e social, e demonstra que a condução da sua política externa está a amadurecer. O que está a acontecer faz parte de um processo natural de Realpolitik, mas é também o resultado de um conjunto de pontas soltas de um legado colonial, de uma herança pesada deixada na praia para morrer e renascer.
 

 

publicado às 15:52

Controlo de pensamento

por John Wolf, em 29.07.13

Não são apenas os colossos financeiros que devem nutrir a nossa desconfiança. Não são apenas os bancos de Wall Street e as agências de rating que devem ser o alvo da nossa preocupação. Vivemos num mundo de fusões e aquisições, de intervenientes cada vez maiores que detêm o controlo sobre o nosso dinheiro, sobre as nossas ideias e sobre as nossas preferências. Sirvo-me do mais recente exemplo de gigantismo que está prestes a subjugar ainda mais o nosso mundo; a fusão das duas maiores agências de publicidade do mundo para se tornarem na maior de todas. Os mercados, e em particular os consumidores, estarão deste modo ainda mais à mercê de uma força irresistível, uma espécie de cartel do champô e da pasta dentífrica. É isso que está em causa num ambiente de défice democrático, onde a força de uma minoria esmaga as aspirações dos pequenos, as liberdades individuais. O mesmo sucede no meio editorial - também estamos sujeitos a uma lavagem, embora neste caso seja mental, cultural. Os principais grupos editoriais do mundo decidem o que os neurónios do resto do mundo devem consumir. Numa sala pejada de executivos, decisões importantes são tomadas para acalmar os ânimos, domar os leitores mais irreverentes - os potenciais destabilizadores de sistemas de poder. São estes grupos de comunicação que formatam o nosso modo de pensar, de reinvindicar. São estes monstros que decidem por nós o que é válido e o que deve ser obviado. Embora os editores se afirmem como intelectualmente independentes, em abono da verdade não passam de agentes de interesses dissimulados em literatura light, parágrafos inofensivos - para não causar muito dano. Nesta época de convulsões, em que apontamos baterias a políticos e banqueiros, seria bom que não perdêssemos a perspectiva, a vista dos actores que jogam no mesmo tabuleiro de controlo e opressão. A liberdade intelectual já não é o que era. O pensamento e a reflexão profundos estão ao serviço do bottomline, do saldo positivo. Estes monstros apenas têm uma coisa pregada na mira da balança; o lucro. A qualidade é um tema secundário, não tem importância, desde que se possam embalar as expectativas cada vez mais baixas de indivíduos levados na incoerência. Uma corrente onde não abunda massa crítica, espessa. 

publicado às 14:37

Portas giratórias

por John Wolf, em 04.07.13

Começo este post com o seguinte aviso: caro leitor, muito provavelmente as linhas que se seguem, daqui a umas horas já não farão sentido. É bem possível que nada faça sentido amanhã. Mas se eles pensam que com o seu comportamento podem destruir a minha credibilidade estão enganados. Não vou permitir que me apanhem em flagrante contradição.  A dizer e a desfazer. Fica feito o aviso. Também tenho as minhas defesas e estou em condições de avançar com algumas suposições políticas. Muito bem. Começo por dizer que lentamente começo a entender o que se está a passar. Paulo Portas quis imitar a Troika. O coligado quis realizar a sua própria avaliação do desempenho do governo. O seu próprio exame ao desempenho do governo. Mas, para o realizar de um modo idóneo, nunca poderia fazer parte do mesmo - seria um conflito de interesses se auditasse as decisões políticas fazendo parte do executivo. O exame irregular que pretendeu efectuar só poderia ser feito aproveitando a perspectiva de Seguro. Ou seja, longe do poder, fora de portas e na qualidade de crítico distante. No entanto, o egoísmo político de Portas serviu outras causas. Funcionou como ensaio geral para um sismo. Fez soar alto o alarme de emergência. O que ele organizou foi um simulacro. Confrontou o país com o maior dos seus medos. Um verdadeiro terror político - a possibilidade de um governo liderado por Seguro. A pergunta que ele fez foi: querem imaginar, por um instante, eleições antecipadas e Seguro ao comando dos destinos da nação? Então fechem os olhos e vejam bem o berbicacho em que se vão meter. Na minha opinião foi absolutamente brilhante o que Portas ofereceu a Passos. Até irei mais longe; é bem possível que o plano de evacuação tenha sido combinado, ensaiado em Conselho de Ministros. A carga emocional teve de ser descarregada da palette em pequenas partes para criar o efeito de crescendo dramático. Gaspar? Sim? Primeiro vais tu. Escreve uma cartinha e tal, e dá-me umas ripadas que a malta agradece. E tu, Portas, amua mesmo. Dá um murro na mesa quando eu chamar a Albuquerque. Pois. Tudo isto faz parte da política e só não vê quem não quer ver. A encenação funcionou. Enfraqueceu de uma assentada o presidente da república e obrigou Seguro a procurar ajuda psicológica. Seguro tornou-se bipolar sem o saber. Confundiram-no por completo. Já não sabe se vai ou fica. O homem tinha as malas feitas para rumar a São Bento e eis que lhe trocam as voltas do canhão. Já não tem a chave, e ainda por cima, a Troika, através de mandatários designados para o efeito, já avisou que ele pode tirar o cavalinho da chuva - eleições antecipadas nem pensar. Cortam logo o gás e a electricidade. Compreendo a consternação de muita gente, mas onde está escrito que uma coligação não pode ser renegociada? Ouvimos dinossáurios afirmar que não está garantido o regular funcionamento das instituições? O regular funcionamento das instituições? Está tudo doido? Será que ainda não viram quem está aos comandos de Belém? A política é feita de homens e há muito tempo que a Santa Trindade das relações políticas institucionais está escangalhada. Encontramo-nos, efectivamente, noutro paradigma de fretes, numa outra dimensão de fazer política. As ondas de choque provocadas por Portas fizeram-se sentir na sua sede partidária, mas também na cúpula dos socialistas. No largo do Rato devem estar finalmente a perceber que a mera sugestão de Seguro no poder fez com que os portugueses deitassem as mãos á cabeça e queiram mesmo emigrar. Tenho a certeza que até a mocidade socialista sentiu o desagrado da população em geral. Mais dia menos dia, temos congresso para substituir Seguro. No meio disto tudo, foi ele quem mais perdeu. Mas, como disse o outro, não interessa quem está no poder. Porque quem efectivamente está no poder é a Troika e dentro de dias cá estará novamente para realizar mais testes e exames. E já se sabe que quem semeia portas colhe janelas partidas.

publicado às 07:09

Dos vícios do poder

por Samuel de Paiva Pires, em 18.06.13

Não é por acaso que Lord Acton observou que "o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente", e que Montesquieu afirmou que "todo o homem que tem poder é levado a abusar dele" indo até onde encontra limites. Por isto mesmo, como diria Abraham Lincoln, a melhor forma de testar o carácter de um homem é dar-lhe poder. Infelizmente, o pessimismo antropológico está frequentemente certo, mesmo onde e quando menos se espera. A tirania espreita amiúde por onde deveria ser mais insupeita. Talvez valha a pena relembrar um ensinamento clássico de São Tomás de Aquino, aquele que nos diz que o povo tem o direito de remover do poder quem o usurpa e pela paixão pelo comando o faz degenerar, ou seja, o tirano. Ou isso, ou pelo menos virar-lhe as costas. Porque «na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...»

publicado às 21:45

Welcome to the club, Mr. Seguro!

por John Wolf, em 04.06.13

Na qualidade de promotor da conferência de Bilderberg deste ano, Francisco Pinto Balsemão endereçou um convite a António José Seguro para que este marque presença no certame. O patrão do grupo Impresa deseja mostrar ao mundo os dotes políticos de António José Seguro. Este ano o secretário-geral do partido socialista lá estará, de igual para igual, com os homens mais poderosos do mundo. Quando abriu a caixa de correio esta manhã, Seguro não se conteve. Nem queria acreditar no que estava a ver. Um envelope dourado com um laço azul - e o seu nome no interior. E dizem o seguinte. Cada vez que o Balsemão leva um convidado especial, passados poucos meses, habemus primeiro-ministro. E faz todo o sentido levar o Seguro à reunião magna. O presidente da comissão coordenadora da conferência, não é nada mais nada menos do que Henri de Castries - o CEO e presidente do conselho de administração do Grupo AXA, cujo core-business é precisamente seguros e re-seguros. Será que Pinto Balsemão quer preparar os lideres do mundo para o desastre que seria a eleição de António José Seguro? É que não vejo utilidade aparente em levar Seguro para Inglaterra. Pinto Balsemão não presta um bom serviço à nação. Não era suposto também ser um embaixador da excelência de Portugal? Não era suposto mostrar os produtos de eleição produzidos em território nacional? E não falo dos chouriços ou enchidos. E há mais; o grémio que se realiza de 6 a 9 de Junho representa precisamente o oposto do que os eleitores exigem - transparência. As conferências de Bilderberg que operam numa especie de exílio da política constitucionalmente consagrada, acabam por condicionar de um modo intenso o rumo democrático dos processos políticos, quer sejam de natureza doméstica ou de índole externa. Estamos na presença de uma organização privada que se assemelha a uma confraria do poder e que vai em sentido contrário aos pressupostos abertos e democráticos que as nossas sociedades exigem. O António José Seguro ao aceitar o convite - "com muito gosto, sim senhor"-, demonstra aos cidadãos Portugueses que aspira pertencer a uma sociedade com poderes ilimitados. Em suma, é igual aos outros sem ser igual aos outros. Acho que os Portugueses estão no seu direito de considerar a presença de Seguro como uma traição à alma nacional que não quer ouvir falar de banqueiros, instituições financeiras e dos poderosos que mexem os cordelinhos das marionetas. Por este andar, Seguro vai-se chamuscar muito antes das coisas aquecerem. Para nosso bem, porventura.

publicado às 14:38

Portas dá uma aulinha ao Seguro

por John Wolf, em 06.05.13

 

Numa frase. O Paulo Portas, enquanto membro do governo, conseguiu fazer mais oposição do que a oposição. O Seguro só pode estar baralhado. Será boa ideia, à luz das associações e convívios que está disposto a realizar, e em nome do superior interesse nacional (cito Cavaco como se este fosse o Seguro, também não faz mal, ninguém vai notar a diferença), o Seguro começar a pensar no recrutamento do líder do CDS para as hostes do PS (para a juventude socialista chega tarde). Sem me referir sequer a ideologias políticas ou partidos, o António José Seguro poderia aprender algo com o colega. O Portas está a fazer oposição dentro do governo, enquanto o Seguro nem isso consegue fazer na oposição. O que o Portas fez, faz-se numa ardósia com giz. É uma coisa matemática; chama-se dupla negação ou por outras palavras; o inimigo do meu inimigo meu amigo é. Ao realizá-la, o Paulo Portas demonstrou que não deseja ficar em má companhia por muito mais tempo. Portugal inteiro observa. O Paulo Portas, e por arrasto, o manancial político que representa, sabe que quando este governo cair leva todos consigo. Desse modo, terá chegado o momento de escolher entre o dolo e a associação ao legado de Passos Coelho ou afastar-se dos males infligidos a Portugal. Ao servir-se do megafone, e ao falar em termos descoligados, recebemos um sinal claro que está preparado para o novo ciclo político que se avizinha e que também passará pelo CDS-PP. O Paulo Portas, quando descreve o calendário da Austeridade, marca os tempos, mostra o jogo do monopólio dos males, diz como os dados caíram, mas sublinha que não foram lançados por si. O Seguro deve andar às aranhas. Tem uma teia de interesses em jogo, mas não sabe lançar a rede. Precisa urgentemente do Paulo Portas para lhe ensinar a pescar. Pode ser que ele pesque alguma coisa. Chernes.

publicado às 09:34

Federal Express Europa

por John Wolf, em 17.04.13

The Social Europe Journal publicou ontem um artigo da co-autoria do meu amigo e escritor Austríaco Robert Menasse. A sua narrativa sublinha o grande legado Europeu - a Res Publica. Num exercício de fast-forward thinking e instigado pelas suas ideias, tento imaginar um modelo de federalismo Europeu, e assumo como linha de partida os indivíduos, os cidadãos dos Estados-membro da União Europeia, e uma das suas conquistas políticas. A sua condição de sujeito mais passivo do que activo na condução política da Europa. Os representantes políticos dos países, que têm assento nas instituições "unionistas", resultam de uma expressão de vontade doméstica e não traduzem um esquema de vontade pan-europeu, não são fruto de uma genuína mescla transnacional, da manta de retalhos de contradições que uma federação implica. São delegados de poder em defesa dos seus territórios, embora invoquem oportunamente um desígnio maior, quasi civilizacional. Todos sabemos quais os limites que se impõem na expressão dos desejos dos cidadãos. O caminho trilhado, que anunciam como comprido, está longe de estar cumprido. Numa especie de fogo cruzado político, os cidadãos de um Estado-membro podem eleger Presidentes de Câmara de países que não os seus. Já o fazem há anos. Mas sabemos que esse privilégio é parco à luz de um genuíno processo de aprofundamento, de integração, de federalização que ainda não foi escolhido como projecto inequívoco. Se uma Federação Europeia conhecer a luz do dia, teremos de saber, se será possível ou exequível formar governos "estaduais" com executivos "estrangeiros". Ou seja, se de facto houver uma efectiva materialização de uma federação, a presença recíproca de poder político terá de fazer parte do DNA Europeu, de um political melting pot. Nesse sentido, e apelando a um imaginário político ousado, teriamos por exemplo um governo Francês com um gabinete governativo formado por um núcleo de "nativos" e um conjunto de ministros provenientes de outros "territórios" do grande continente político Europeu. Lá teríamos ao lado de uma Merkel, ministros Gregos, Italianos ou Austríacos. Em Portugal, sucederia o mesmo, um executivo composto por uma equipa nacional e completada por ministros e secretários de estado de outras paragens da União Europeia. Esta forma de câmbio político de facto, funcionaria como o catalisador da integração Europeia e simultaneamente como um mecanismo de checks and balances, por forma a responsabilizar os políticos por decisões tomadas domesticamente mas cujos efeitos se fariam sentir no espaço comum. Seria o casamento inter-cultural e político para bem e para mal. Sei que este tipo de visualização pode representar um salto indutivo excessivamente grande, mas à luz da grande crise económica e social que nos aflige, todas as opções e cenários devem ser colocados em cima da mesa que se estende de uma periferia a outra. A isso estamos obrigados, porventura sem mais demoras. Um federal express europeu.

publicado às 19:19

2 de Março - mais do mesmo, não!

por John Wolf, em 02.03.13

 

Um passeio no parque. Onde estão as soluções? Onde está um programa alternativo ao governo e à oposição? É só bater? Não chega. O país precisa de muito mais. Foram tantas as oportunidades e não se vislumbra uma alternativa de construção que possa disputar as próximas eleições. E sabem porquê? Porque os próprios manifestantes não se entendem quanto a uma visão concertada. No meio destas marchas, assistimos às celebridades desta e daquela facção, na linha da frente para os seus 15 minutos de fama. O povo, muito antes de poder ordenar, tem de se organizar, num processo de depuração de baixo para cima, apresentando-se como nova força política. Se permanece no campo da reacção, será sempre um mero súbdito queixoso. Querem algo melhor? Então começem a organizar-se em torno desse ideal. Já chega de vozes roucas. Chegou o momento para demonstrar que há quem seja mais competente do que o governo e a lastimável oposição. Onde estão os representantes naturais, nascidos deste processo? Quem são? Quando darão um verdadeiro passo em frente?

publicado às 16:26

Portugal e a cadeira do poder

por John Wolf, em 01.02.13

 

Não tenhamos dúvidas. O que está a acontecer, da Esquerda à Direita, não passa de manobras de diversão, números de circo. Não se discute em parte alguma a única questão que envolve um esforço hercúleo; o salvamento de Portugal com soluções substantivas que possam gerar emprego e conduzir o país ao crescimento económico. Em vez da salvação nacional, assistimos ao salvar do coiro individual. No PS a festa gira em torno de quem vai para onde e quando, se vai ou fica, se é melhor aqui ou ali. No Governo, o mesmo processo ocorre. Saem dali para entrarem suplentes. Dispensam-se titulares para entrarem estreantes. Tudo isto dá ares de grande agitação, de trabalho, de dinamismo. Mas desenganem-se, nada tem a ver com o desígnio nacional. O espectador não se pode deixar levar nesta novela transmitida de um modo estéril pelos meios de comunicação nacional. Não sou capaz de pescar nada deste marasmo, uma ideia sequer relacionada com uma visão de fundo. Um conceito estratégico que defina o perfil de um país, rico em talento avulso mas carente de homens de Estado. Um conceito abrangente que nos faça esquecer quem assina o guião, quem são os autores, porque as soluções expostas valem por si, e não necessitam de bengalas. Temos os ingredientes que um drama televisivo exige.  Mais episódio menos episódio, assistiremos a arrufos entre patriarcas partidários e traições à má fila. Ocorrências que gritam na calada da noite. Uma comissão interminável de afirmações e nomeações, que dá lugar a mais do mesmo - mais atrasos de Portugal no seu caminho em busca da prosperidade e justiça social. O fenómeno criticado por outras facções ideológicas que também tiveram as suas próprias altercações, a transformação de um bicho solitário em algo bicéfalo. Não vale a pena poupar nenhum deles. O comportamento é idêntico. Não há modo de realizar a destrinça entre uns e outros. Podem avançar com o entusiasmo que entenderem, mas a realidade não se altera a toque de caixa. Qualquer que sejam os eleitos ou os proscritos, os desafios não se alteram. Esta dança de cadeiras é Portugal igual a si, focada nos títulos e nos cabecilhas, mas que ignora o mérito alheio, anónimo. Daqueles que não necessitam de tachos para brilhar. Vira o disco e toca o mesmo. Já vimos isto vezes sem conta. Os Portugueses já não têm margem de confiança para oferecer àqueles que parecem estar a brincar com as suas vidas.

publicado às 14:23

Dentro da cabeça do PS

por John Wolf, em 25.01.13

 

O secretário-geral do PS António José Seguro está à rasca. O António Costa não disse nem deixou de dizer, e isso fez logo aquecer os neurónios dos estrategas do principal partido de oposição. Oposição mas pouco, porque não se pode ser simultaneamente um dos principais instigadores da crise e ao mesmo tempo um limpa-chaminés. Por essa razão, não ouso chamar este agrupamento de indivíduos de partido de oposição. São mais um conjunto com uma fachada para distribuir recados e preparar o caminho para outros convivas de benesses e oportunidades. São encarregados de negócio à espera do seu momento. Não lhes interessa alterar o jogo em que participam há décadas. O PS, desprovido de massa crítica, caiu num vácuo de mediocridade. Por essa razão, assim que o Costa assomou a cabeça, o Seguro começou logo a tremer. Em termos intelectuais e políticos, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem mais argumentos do que o Seguro. E mais rotundas. A crise económica e social que o país atravessa é semelhante à crise do Partido Socialista. O défice é enorme e não há modo de encontrar o equilíbrio interno desejado entre os diversos sindicatos e o patronato que aí residem. O Seguro tem razões para convocar algo de extraordinário. Porém, essa reunião da Comissão Política Nacional  nada tem a ver com o país. Tem a ver com a tradicional dança de cadeiras provocada pela música dos outros. O Seara avançou e o Seguro precisa de um chavão qualquer para desamparar a loja e justificar-se. O António Costa se o desejasse poderia provocar um rombo nas frágeis convicções do Seguro. Não o faz porque isso também o iria comprometer. Para o Seguro, esta pressa de fazer, não passa de um primeiro exercício de governação sem ser primeiro, sem ser executivo, mas igualmente difícil, para ser julgado na praça pública onde se distinguem os homens de barba rija dos meninos de coro. Um teste que faz sobressair a competência dos outros e não o oposto. Com tanta vontade de mostrar trabalho aos camaradas, acabará por revelar a sua inaptidão para jogar as cartas certas. Quer mandar, mas anda aos tropeções. Por outro lado, o António Costa sabe, que se o Seguro chegar ao poder, será mais um ciclo em que será secundarizado, em que lhe oferecem um posto ministerial equivalente a outros já ocupados noutras núpcias. Isto tudo ainda vai dar muito que falar. E ainda estamos dentro da cabeça do PS. O que será que eles têm em mente para o país?

publicado às 14:38

O Poder da injustiça

por João Pinto Bastos, em 01.01.13

Um Poder que obriga frequentemente os indivíduos a despojarem-se da sua propriedade e de parte significativa dos seus rendimentos é um Poder ilegítimo. Um Poder que viola o direito e o justo, que abusa e corrompe a cidadania isolada. Um Poder que, a não ser atalhado, terá de ser firmemente desobedecido. Thoreau tinha uma boa fórmula para descrever a coisa, ao dizer que antes de sermos súbditos devemos ser homens. Homens com consciência e valores. Homens que desobedecem pacificamente quando o injusto é alegremente crismado na Lei pela bonzaria oligárquica. Seremos nós, portugueses e cidadãos apáticos, capazes de pôr fim à cascata impostocrática do Governo? Não sei. A certeza, se é que ela existe, até porque certezas só há as da morte e dos impostos, é que o país estará bem pior no final do ano que ora começa. Mais pobre e mais indignado. A "torrente das vontades irreflexivas" herculaneana pode ficar fora de controlo. O futuro da partidocracia jogar-se-á aí: na resistência do português, súbdito tutelado, ao espartilho da injustiça fiscal.

publicado às 17:07

O vício do Poder

por João Pinto Bastos, em 30.12.12

Goya, Saturno devorando a su hijo, 1819-1823

A minha parca experiência tem-me feito ver que Kissinger estava parcialmente correcto quanto à natureza do Poder. Mais do que um afrodisíaco, o Poder é a arte da perversão, o vício que corrompe todos aqueles que nele se acoitam. Há quem recuse os prazeres voluptuosos da sensação de mando, alguns, bem poucos, fazem-no, mas a grande maioria sucumbe às delícias da possibilidade de mandar, triturando, amiúde, os próprios companheiros. Goya, para dar um pequenino exemplo, descreveu, com uma precisão inaudita, numa das suas Pinturas Negras ("Saturno devorando su hijo"), a cupidez do Poder, que devora, infalivelmente, os seus mais fiéis servidores. Mas foi Napoleão quem, de certo modo, resumiu bem a coisa ao dizer que "ser grande é ser limitado". O Homem não tem noção da sua pequenez, assim como da cupidez que anima os seus gestos, pelo que encara, comummente, o Poder como o campo por excelência do absolutismo das vontades. Perde ele e perdem todos. Com o Homem, o poder deve ser limitado porque a natureza humana é, naturalmente, cúpida e ambiciosa. O corso, para não variar, tinha razão.

publicado às 15:19

O Dr. Caligari

por João Pinto Bastos, em 28.12.12

Podem apontar-se inumeráveis defeitos à falta de primor e à fugacidade alienante das redes sociais. Nem tudo o que luz é ouro. Contudo, de quando em vez, as redes sociais conseguem surpreender-nos pela positiva. O YouTube é um caso paradigmático, servindo basicamente para tudo. Democratizou o disparate, expandindo os dividendos da visibilidade às massas ignaras. Porém, no meio de tanta parvoíce escancarada, ainda há espaço para verdadeiros tesouros, que, sem muito custo, podem ser encontrados e visionados nesta rede social. Um bom exemplo é o filme "O Gabinete do Dr. Caligari". Uma das grandes obras-primas dos primórdios do cinema - produzida nos famosos estúdios UFA -, com referências estéticas que vão do cubismo ao expressionismo alemão, este filme influenciou como poucos o chamado "Film Noir", estabelecendo um padrão que seria amplamente seguido nos anos posteriores. Quando vi pela primeira vez este filme fiquei razoavelmente admirado com a pormenorização e o toque de génio impostos por Robert Wiene. Nessa época, o cinema alemão foi palco de uma revolução artística gizada por nomes como Pabst, Fritz Lang, e Murnau, entre outros, o que pode, em grande medida, surpreender alguns, mas a verdade é que os alemães, por mais defeitos que tenham e têm, já produziram cinema da mais alta craveira artística, sobretudo o temporão. O enredo do filme tem múltiplas ressonâncias políticas, o que correspondeu, de certo modo, à intenção primeva dos argumentistas. Houve, aliás, quem dissesse que esta obra era uma espécie de crítica arcana do totalitarismo larvar que já nos idos de 1920 assoberbava a nação germânica. Independentemente disso, a função que Caligari assume no enredo é particularmente sugestiva. O papel que ele desempenha na trama, a forma como urde os assassinatos do sonâmbulo, faz-nos recordar, com algum desalento de permeio, que o poder é sempre a via mais rápida para a corrupção e o abuso. Sem freios nem contrapesos, o poder descarnado corrompe e mata. Foi sempre assim. Um filme destes é matéria obrigatória não só para os cinéfilos de plantão, mas, também, para todos aqueles que desejam a limitação do poder. Do poder que arruina a Vida. Porque, como proclama o Dies Irae, "nil inultum remanebit". Tudo tem castigo, especialmente o poder oculto e corrompido.

 

 

publicado às 23:23






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