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«Ministra timorense condenada a 5 anos de prisão
Coitados, ainda estão muito verdes. Mas entende-se: o Estado timorense ainda só tem uma década de vida, e é natural que as instituições ainda não tenham atingido a maturidade. Ainda têm muito que aprender com os mais experientes.
Depois de ter lido "The Great Deception: Can the European Union Survive?", livro a que já me referi aqui, fiquei com uma apetência especial por melhor tentar conhecer a história da União Europeia e, em particular, do euro1. Mão amiga, entretanto, fez-me chegar às mãos um pequeno livro da autoria de Marta Andreason - "Brussels Laid Bare" (PDF) -, onde ela relata a sua experiência - que só se pode caracterizar de kafkiana - como Chief Accountant na União Europeia, cargo que exerceu, após um processo de recrutamento que durou cerca de seis meses, entre o dia 3 de Janeiro de 2002 e finais de Maio... do mesmo ano! À data em que publicou o livro, Julho de 2009, o Tribunal de Contas Europeu (European Court of Auditors) tinha recusado, pelo 14ª ano consecutivo, o seu "visto" nas contas da União Europeia! Sabia disto, o leitor? Eu não.
Conta Andreason que se deparou com uma situação em que nem sequer recebeu do seu antecessor as contas do ano transacto (2001) devidamente assinadas mas que, não obstante, se viu pressionada pelo seu chefe directo para que ela própria as assinasse assim se responsabilizando por algo que não conhecia nem podia conhecer; que os saldos finais de um ano não eram iguais aos saldos iniciais do ano seguinte; que não existia sistema informático único nem interesse pela sua introdução, apesar de já ter sido anteriormente comprado; que lhe pediam para dar autorização à efectivação de pagamentos sem que lhe fossem presentes os documentos que os justificassem, etc, etc. Depois de um relato impressionante que revela o total desprezo dos burocratas de Bruxelas pelo dinheiro dos contribuintes, vem a via sacra do processo disciplinar e da sua tramitação, prova duríssima a que foi sujeita. Talvez por isso Marta Andreason, hoje membro do parlamento europeu, eleita nas listas do UKIP, depois de Bernard Connolly, autor de "The Rotten Heart of Europe" (a quem José Manuel Fernandes aqui recentemente aludiu) e Paul van Buitenen, que viria a desencadear o escândalo que daria origem ao despedimento da Comissão Santer, tenha sido a última dos whistleblowers vinda do interior da impenetrável burocracia da União Europeia, responsável perante ninguém.
1Já em Setembro de 1957 Monnet sintetizava assim o significado de uma união monetária: "Via money, Europe could become political in five years".
que é preciso que "a Política se sobreponha aos mercados", ocorre-me imaginar a figura que alguém faria se reclamasse sobrepor alguma coisa às leis da gravidade. Talvez algo como isto:
Imagem retirada daqui
A crise da Política vem de Maquiavel: não apenas distinta, mas separada da Religião, deixou de ser «arte régia» para se reduzir a mera técnica. A partir daí, todas as desgraças lhe podiam acontecer – desde a insuportável arrogância, até à definitiva humilhação.
Quando Pascal, aceitando o golpe cartesiano e apoiando-se em terminologia matemática, estabelece a teoria das «ordens», faz da helénica «arte régia», já abençoada pelo Espírito de Cristo, nada mais que um «reino da concupiscência». Falsa imagem, ou caricatura, do «Reino da Caridade», a que só Deus preside, a Política não vai além de um pobre sistema de relações entre o Príncipe, que é dono dos bens desejados pelos súbditos, e os pobres súbditos, cuja condição se define pelo desejo desses bens.
O Iluminismo, que transforma as mentalidades, preparando a era das ideologias, confunde as realidades e os problemas, diviniza o humano, humaniza o divino, e destrói a ordem das faculdades humanas.
Quando o imenso progresso das ciências físicas torna mais necessário um sistema de valores, é que o antropocentrismo de raiz renascentista rejeita a tradição teocêntrica. Então, o homem individual deixa de ser olhado como pessoa, sede e fonte de valores espirituais, imagem e semelhança do Criador, para surgir, ou como sol absoluto, ou como simples átomo da natureza.
A política perdeu, assim, a sua dignidade. O individualismo filosófico vai conduzir, quer ao liberalismo inquieto, quer ao totalitarismo massificante.
A humanidade de hoje tem necessidade de tomar consciência dos valores políticos, integrados num autêntico humanismo. Como ensinou S. Tomás de Aquino, a Política deve – e pode – preparar as comunidades para a salvação. Não tem poder salvífico; mas é propedêutica da salvação.
Henrique Barrilaro Ruas
(Este artigo constitui o último texto publicado em vida do autor, in Lusitana Antiga Liberdade, Terça-feira, 24 de Junho de 2003)