Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Crónica de uma queda anunciada

por Samuel de Paiva Pires, em 11.03.25

Luís Montenegro poderia ter-nos poupado ao penoso espectáculo desta tarde, cujo desfecho estava mais do que anunciado. Já se tinha percebido que o Primeiro-Ministro não tem respeito pela função (“circunstância”, nas palavras do próprio) que desempenha, mas foi particularmente ilustrativo do irregular funcionamento das instituições vermos o Governo a aventar uma proposta de Comissão Particular de Inquérito em que o escrutinado é que decidiria o tempo de que os escrutinadores disporiam, numa clara intromissão do executivo no poder legislativo. Ao actuarem quase exclusivamente no domínio da táctica, acabaram a violar princípios basilares da democracia liberal e do republicanismo. Verdadeiramente notável.

Entretanto, com a rejeição da moção de confiança, chega ao fim um Governo despudoradamente classista e elitista, que governou a pensar essencialmente em determinados grupos e faixas etárias e para o qual a generalidade da população entre os 36 e os 67 anos de idade serviu apenas para pagar impostos que financiaram medidas e políticas públicas socialmente injustas e fiscalmente desiguais, cujo objectivo principal foi fidelizar determinados segmentos do eleitorado que o anterior Governo do PSD e CDS tinha alienado. A tão propalada estabilidade política não passa de uma farsa com que o Governo tentou escamotear a tragédia da continuada decadência de sectores cruciais para o desenvolvimento do país e o futuro da população, como a saúde e a educação, a habitação e a justiça. Abre-se, agora, uma janela de oportunidade para que um novo Governo tente fazer mais e melhor - e, de preferência, que não tenha problemas de carácter ético e/ou legal que, pese embora aproveitem invariavelmente aos populistas desavergonhados, são sintomáticos da lamentável degradação do regime.

publicado às 20:43

É excruciante viver em Portugal

por Samuel de Paiva Pires, em 21.10.24

A propósito das declarações de Miguel Pinto Luz no Congresso do PSD, escrevo hoje no Observador:

Retornando às declarações de Pinto Luz, parece-me que este governo está cada vez mais parecido com os de António Costa. Confunde anúncios de medidas com a resolução de problemas, comunica a sua cartilha como quem vive num país das maravilhas que não tem correspondência com a realidade, e em relação à maioria da população activa, que só aparenta ter utilidade contributiva, não faz outra coisa a não ser, claramente, convidá-la a emigrar.

Este país não é para jovens, não é para velhos, nem para ninguém, a não ser para os mesmos de sempre, as elites políticas que continuam a viver na sua bolha politiqueira e a usufruir de um país permeado por instituições extractivas que alimentam a sua cupidez do poder, não se descortinando qualquer estratégia de desenvolvimento do país e de prossecução do interesse geral da comunidade.

Para mim, viver neste país assemelha-se cada vez mais a um esforço sisífico, em que não só não se vislumbra o topo da montanha, como esta é cada vez mais íngreme e a rocha cada vez maior. É excruciante viver em Portugal.

publicado às 08:13

Fogo é a política por outros meios

por John Wolf, em 24.08.24

Campfire_at_Bramble_Bield.jpeg

Se Miguel Albuquerque fosse Carl von Clausewitz, afirmaria sem pudor — "fogo é a política por outros meios". Mas não necessitamos de mais provas. Bastam dez dias de desterro político e administrativo para concluirmos que Portugal não se entende. Quem julgava que o Estado era um todo, parece estar equivocado. A autonomia da ilha da Madeira tomou o continente como refém (ou o seu inverso), e assaltou a república e as ideias de garantia e segurança do Estado. A batata assada da responsabilidade já viajou para aquele alibi disfuncional designado de União Europeia — o tal mecanismo para invocar quando os compadres andam à castanhada. Não se vislumbra a ponta do sol ao fundo do túnel de fumo espesso. Pensava eu que a AGIF (Agência para a Gestão Integrada dos Fogos Rurais) abrangeria a totalidade do território, incluindo as regiões autónomas. Mas não parece ser o caso. Parece que existem fronteiras políticas e administrativas que não podem ser abalroadas pela imperiosa necessidade de realizar a gestão criteriosa do território nacional na sua totalidade. Não sei se o "deixa arder" constitui ou não o indício de algo mais profundo, a vontade independentista, à laia daquela praticada por certos catalunhenses. A história é fértil em exemplos. O fogo de Smyrna, Turquia, ocorrido em 1922, na derradeira fase da Guerra Greco-Turca teve um papel fundamental nas aspirações nacionalistas quer da Grécia quer da Turquia, e em última instância levou ao estabelecimento do Estado moderno turco sob os comandos de Kemal Atatürk. Eu sei que esta analogia extrapolativa pode ser rebuscada, mas Canadairs no ar são, em tempos actuais, atos políticos. Os jornalistas gostam muito de usar dois termos quando o fogo lavra: "complicado" e "rescaldo". Mas esgravatam muito ao de leve na cinza que assenta arraiais nas reportagens. O que sucede é grave. Mas em Portugal quase tudo é inconsequente.

publicado às 17:57

Tudo como dantes

por Samuel de Paiva Pires, em 10.06.24

Com o spin em alta rotação a presentear-nos com leituras e interpretações dos resultados eleitorais para todos os gostos, observo que continuamos a ser uma democracia deficitária, com cidadãos menorizados a serem exclusivamente chamados a ratificar o que os directórios partidários decidem à porta fechada. Assim se explica que muitos dos eleitos do PS e do PSD sejam ilustres desconhecidos e/ou meros caciques e que as respectivas listas tenham sido encabeçadas por péssimos candidatos - por mais que os seus correligionários nos queiram convencer do contrário. Com a honrosa excepção do Livre - não obstante o resultado das suas eleições primárias ter desagradado a direcção -, o recrutamento político continua a fazer-se em circuito fechado, e para os partidos do centrão as eleições europeias servem para pouco mais do que promover alguns boys and girls e/ou incómodos reais ou potenciais para o chefe. Infelizmente, os nossos políticos de vistas curtas não sabem fazer melhor. Por último, destaco a descida do Chega e a vitória da Iniciativa Liberal, o único partido que cresceu quer em termos absolutos quer em percentagem e, portanto, o único, para além do PS, que se pode afirmar como vencedor nestas eleições.

publicado às 13:35

País de recursos infinitos

por John Wolf, em 07.06.24

360_F_288479793_wTA9w3OQwJWuOIeHDuSY1MVjasKIhO3T.j

O adjectivo feminino "efectiva" tem valor relativo em Portugal. Existe um nome masculino na Lusitânia que o afecta — refiro-me ao "recurso". Ou seja, as prisões efectivas de Manuel Pinho e Ricardo Espírito Santo não são uma certeza. Não são uma certeza judicial nem uma certeza linguística. Assistimos repetidamente, logo ali, à boca da barra do tribunal, no desenlace do transitado em julgado, a um espectáculo de ameaça jurídica, de declaração taxativa da parte dos advogados de defesa, de que os recursos seguirão dentros de momentos. Escutamos algo que soa a viatura híbrida — o cruzamento entre a amnistia instantânea e o indulto na hora. Quando todos referem que o sistema judicial de Portugal deve ser revisto, cai o cravo e a bondade, o mesmo sentimento-tabu de  impossibilidade quando se sugere uma revisão constitucional. Quem sai a ganhar com as manobras congeminadas nas frestas e falhas dos códigos penais é o conceito de impunidade — a ideia de que a prática de crimes em Portugal não gera ansiedade existencial. Os criminosos sabem muito bem que existe uma teia de buracos por onde pode escorrer a culpa. E a culpa não morre solteira. A culpa junta-se a tantas outras num rebanho de falências. Não queremos sangue. Queremos justiça. Aqui e acolá, em Portugal ou nos Estados Unidos. Os legisladores e os juizes são responsáveis directos pela defesa da democracia onde a equidade e aplicação das leis devem nortear as decisões, mas onde a sentença inexpugnável deve também reinar. Tenho sempre a mesma dúvida que me atormenta o espírito — quem paga os serviços jurídicos prestados por tão mediáticos advogados? Será que são borlas e a coisa paga-se a si mesmo? Pensava  que os advogados estavam proibidos de fazer publicidade às suas sociedades. Nesse caso, teremos de implicar os media — a imprensa escrita, as televisões e em última instância, os senhores jornalistas que serão os geradores de dinâmicas de mercado. O preço a pagar é colectivo, mas alguém sai a ganhar com estas farsas judiciais. Deixemo-nos de ilusões. O timing é perfeito, a um dia das 24 horas de reflexão a que estamos obrigados por causa das europeias. Nada será como dantes. Será como sempre foi. Um pais de recursos infinitos.

publicado às 17:15

Desidentidade e Desfamília

por John Wolf, em 12.04.24

brokenfamily.png

Estive ausente uns dias e algumas noites. Não acompanhei em real-time o que se passou no parlamento. Peço perdão pelo lapso. Mas regressei e não fui surpreendido. O parlamento carece de identidade e de um sentimento de família. Os partidos políticos presentes não entenderam o tempo que vivemos — o tempo de urgências e perigos que enfrentamos. Corroboram os nossos maiores receios. Portugal não parece ser a prioridade máxima. Os Portugueses não são elevados à condição de espécie em vias de extinção, à luz do seu risco de sobrevivência económica e social. Mas há mais. Parece que vem aí algo maior do que uma pandemia: uma "externalidade" que exigirá a noção de partido único — o partido de Portugal. Na iminência de uma resposta iraniana a Israel, os lideres de Portugal andam equivocados e melindrados, ocupados com miudezas dos corredores do parlamento. As coisas irão mudar num ápice, e não fará diferença alguma a paixão ideológica ou os lugares ocupados na bancada. A inflação não foi dominada em parte alguma. E muito menos pelo Houdini-Medina da bolsa farta de dinheiros subtraídos aos portugueses. Em vez de estarem dois passos à frente, quem habita o parlamento prefere o vão de escada, o lugar comum da miserabilidade e da vantagem labial. A política em Portugal está ao nível do herpes, da derme manchada por tatuagens deslavadas, fora de moda, que segue em contramão a uma ideia de avanço em direção ao esclarecimento, à convicção de que Portugal saberá ter o discernimento necessário para se salvar. Quando mais precisamos de uma união nacional, somos contemplados com manobras de diversão da parte daqueles que podem escolher. Escolher entre ser oposição destrutiva ou parceiros da única saída possível —  o esforço concertado para que Portugal saiba ser igual a si, dando razão a uma ideia de identidade e família. 

publicado às 19:16

Da sobrevalorização da comunicação na era do vazio

por Samuel de Paiva Pires, em 04.04.24

A sobrevalorização da forma sobre a matéria, do método sobre a teoria, da comunicação sobre a substância, é sintomática de sociedades permeadas pela superficialidade e efemeridade associadas à modernidade líquida. Nesta, com a relevância assumida pela “empresa” e pelo “mercado” em resultado da globalização económica a manifestar-se na forma como a governação política é encarada e exercida, o poder político vê-se na contingência de poder mudar, frequentemente de modo autoritário, sem uma discussão alargada, características identitárias patentes nas formas comunicacionais, como se um Estado ou um Governo fossem uma qualquer empresa privada. Tratando-se de alterações cosméticas a que subjazem disputas estéticas e políticas, não existe, neste ambiente social e cultural, qualquer possibilidade de arbitrar tais contendas por referência a critérios racionais e comunitariamente partilhados, com as preferências a residirem somente em gostos individuais. O que é feito encontra justificação apenas na força, na vontade de quem temporariamente exerce o poder político. Quem vier a seguir pode sempre fazer como quem veio antes, voltando a mudar a identidade visual, que com tantas variações acaba por erodir o seu próprio significado e, consequentemente, a identificação da comunidade política com o Governo. Nesta matéria, os diferentes governos têm-se comportado como um novo conselho de administração que opera um “rebranding” para se distinguir do anterior. Que as elites governantes não se apercebam do processo de desinstitucionalização do poder político associado a tal comportamento, não é surpreendente. Mas nem assim tudo isto deixa de ser lamentável.

publicado às 13:23

7P6A7028.jpeg

Portugal sempre teve uma relação complexa e reacionária com a ideia de património. Leram bem? Não escrevi nem riqueza nem fortuna. Mas não faz mal. Vai dar ao mesmo. Tive a ocasião, mas não necessariamente o gosto, de ler as 6 grandes mudanças no preenchimento do IRS para investidores, e vejo que o terreno das mais-valias está minado. Aliás, terreiro esse que tem vindo a ser armadilhada por sucessivos governos equivocados, de forte inspiração anti-liberal, para não usar a expressão revanchista-marxista. Existe algo na matriz cultural nacional avessa à ideia de sucesso monetário. Vou embirrar apenas com uma das cláusulas do contrato tributário. A tributação de mais-valias obtidas de posições acionistas detidas há menos de um ano que passa de 28% ou 35% para um máximo de 48%. Esta solução, desenhada certamente nos derradeiros oito anos do socialismo-comunista de inspiração geringonçal, é um ataque violento a quem tenha alguns trocos para investir e, que por força do destino, possa ter necessidades de tesouraria e ser forçado a libertar algum capital antes do término do período de um ano. Com tanta conversa sobre start-ups e a excepcionalidade da unicornidade lusitana, há algo que não bate certo. Em ambientes voláteis de venture capital, inovação e criação de valor, seja qual for a sua escala ou dimensão, o movimento de capital é uma constante e uma condição necessária. O entrar e o sair de dinheiro é a espinha dorsal do sistema monetário, o motor que permite que as ideias possam brotar na economia. Existe um programa de televisão da SIC que diz defender o bem fiscal e patrimonial dos portugueses, mas não passa de uma cantiga do regime instalado. Tomei a liberdade de perguntar aos responsáveis do programa Contas-Poupança se tinham certificação da Comissão de Mercado de Valores Mediários (CMVM) para poder aconselhar financeiramente os espectadores, e responderam, sinceramente e honestamente, que não — que a sua missão era salvar os portugueses das teias fiscais em que se vêem embrenhados. De louvar, pensei eu. Mas parei para pensar melhor. Será que são tão insonsos e estão tão comprometidos com os donos disto tudo que não ousam uma vez sequer atacar o esquema gizado pelo aparelho fiscal que assalta descaradamente os portugueses? Dão umas dicas para esquivar o trânsito contributivo, mas falta-lhes muito. Estarem acreditados pela CMVM e deterem o conhecimento necessário para efectivamente ajudar os portugueses a inverter certas tendências comportamentais. Ensinar a investir, a crescer, a ter algo mais no futuro para compensar o descalabro dos sistemas de segurança social e pensões. Incentivar o investimento em veículos concretos, com pouco ou muito, ou assim-assim, para, ao fim de 25 anos verem uma simples aplicação num Exchange Traded Fund (ETF) multiplicar e por muito o valor inicial. Em suma, de um lado temos perseguidores tributários e do outros supostos paladinos do bem-estar fiscal dos portugueses. Ainda bem que não estou autorizado a investir em veículos financeiros em Portugal. Poderia querer mudar de ideias e levava logo com 48% de um punho fiscal nas trombas. Ainda bem que o governo socialista caiu. Mas a Aliança Democrática tem muito trabalho pela frente.

 

créditos fotográficos não financeiros: John Wolf 

publicado às 18:03

Miguel Morgado — a pensar sozinho

por John Wolf, em 30.03.24

img_1979_467x467_acf_cropped.jpg

Miguel Morgado é um caso raro de honestidade intelectual. Dotado de uma capacidade analítica excepcional — é a nossa botija de oxigénio nestes tempos sombrios de distorção de narrativas residentes — de chavões defensivos, intensamente ideológicos e negacionistas das evidências. Tomem nota de que não referi uma vez sequer a esquerda ou a direita, este ou aquele partido, para, num espírito de reserva mental, respeitar o que Miguel Morgado tenta fazer por entre a bruma do fogo-cruzado de arrelias e teimas que não passam de razões sem fundamento. Morgado discorre sobre os factos e as palavras que não correspondem aos mesmos, ou, o seu contrário, as ações que não promovem a construção do interesse nacional. As lamentações de Morgado dizem respeito a quebras de princípios, à corrupção de promessas governativas, às intenções e às decepções — as expectativas geradas com leviandade e defraudadas com peso assinalável, para desfalque de Portugal, do desígnio colectivo que ainda não conseguimos vislumbrar volvidos cinquenta anos de masturbação política-partidária. Morgado é uma ilha no comentariado nacional —  a tasca brejeira e reles onde tantos se dispõem à injúria e a jogadas baixas: onde nunca há vencedores e apenas o país sai a perder. Sentimos a  genuína independência de Miguel Morgado e não vislumbramos uma sua agenda pessoal com a vista posta em ganhos, aqueles extraídos à custa de outrém. (Ele) já o disse várias vezes — não tem vocação para a política. E como o entendo. Se passasse para o lado de lá, celeremente cairia na lama onde chafurdam tantos em quintais de reputação questionável. Ainda bem que assim é. Tomo Miguel Morgado como um genuíno estadista, furos acima do patamar onde se digladiam os eticamente fracos, que apenas se socorrem da força bruta das frases feitas para tentar arrasar a elevação intelectual de quem têm pela frente. Nesses momentos de desespero como interlocutor, enquanto escuta os uivos e o chiar desvairado, Morgado nada pode fazer. A sua fácies diz tudo. Pensa alto, pensa sozinho. Presta um enorme serviço a Portugal e àquilo que ainda resta da sua sanidade política. 

 

créditos fotográficos: OBSERVADOR

publicado às 19:14

Carlos César: o défice político

por John Wolf, em 24.03.24

carlos18843be0_base.jpg

Carlos César nunca teve pudor ou sentido de Estado. Foi sempre um socialista ferrenho que passou ao lado do interesse nacional. O excedente orçamental a que se refere, a grande glória do desgoverno do Partido Socialista (PS)  — são dinheiros subtraídos aos portugueses ao longo dos últimos oito anos. São rosas de cativações, senhor. Nada mais. O excedente não resulta de uma visão estratégica da economia, da geração de valor ou do acréscimo na capacidade produtiva. César serve-se agora, sem surpresa, do orçamento de Estado como arma de arremesso. As contas certas, de que se orgulham os socialistas, não são nada mais do que uma manobra contabilista para poder acusar a Aliança Democrática (AD) de delapidação do erário público. Assistiremos a algo paradoxal. A AD, ao ser mais humanista e equitativa, com sentido de justiça económica e social mais apurado do que aquele que os socialistas venderam ao longo de décadas, será acossada pelos socialistas por fazer o que não fizeram.  A Covid, a inflação, as Guerras da Ucrânia e de Gaza foram os argumentos-alibi dos socialistas para meterem a mão ao bolso dos portugueses. É muito feio o que Carlos César faz e diz ainda antes da AD começar a governar. O seu comportamento revela a sua infantilidade, o seu cinismo e um enorme défice democrático. Não sei como, mas César é outro que deveria ter ficado de fora do nosso campo de visão e consternações,  como o seu grande camarada Augusto Santos Silva. Quanto a Pedro Nuno Santos, ando muito desconfiado com tanta bonomia e compreensão. E devemos estar mesmo muito preocupados. Os barões do Rato são mestres da ilusão e da elevação. E no momento seguinte, se for necessário, sacam o tapete ao recém-inaugurado secretário-geral do PS. Deixo Medina para outras considerações em post futuro. Para já concentremo-nos no défice político que representa este César.

publicado às 18:39

Como não vai ser o governo

por John Wolf, em 22.03.24

augusto-santos-silva1.jpg

Ainda no rescaldo dos resultados das eleições fifty-fifty — 50 anos do 25 de abril, 50 deputados do Chega, o que vai suceder nos próximos tempos de governação será relativamente simples de prever. Montenegro, íntegro e fiel aos seus princípios, não cedeu à solução da coligação, ao dispositivo de governação galvanizado, imune a reações políticas adversas, ou seja, a neutralização da oposição por via de uma maioria forçada e conveniente. Pedro Nuno Santos, raposa política oportunista por natureza, apresenta-se como estadista moderado, homem aparentemente respeitador do escrutínio e da vontade do povo — simpático, não parece? À primeira vista lembra o monge trajado com o hábito pacífico, inofensivo. Mas mal abram o debate no parlamento, a coisa mudará de figura. A ambição dos socialistas e dos afilhados da esquerda é de tal modo intensa, de tal ordem ideológica e reaccionária, que arrestará o superior interesse de Portugal para proveito partidário, faccioso. Querem o poder (novamente) custe o que custar aos portugueses. Qualquer proposta da Aliança Democrática (AD) que esteja dependente do consenso e da convergência, de todos e de tão diferentes sabores políticos da esquerda, resultará em impasses e paralisias — pura e simplesmente na anulação de ideias que tenham no seu ADN o mais pequeno indício de genes da direita. Nem vale a pena escutar a Mariana Mortágua, a Sousa Real, o Paulo Raimundo ou o Rui Tavares — sabemos qual será o seu software: um virus igualmente demolidor, por mais adequadas que sejam as propostas emanadas de um governo minoritário, serão sempre consideradas infecciosas e fatais, por serem da direita. André Ventura e Rui Rocha saberão gerir as incertezas que irão pairar sobre o espectro da governação, sem que possam trair ao que prometeram vir — contribuir para a edificação de uma vida melhor para os portugueses. Montenegro está a ser inteligente e estratégico — não deixou escapar pela boca, por onde morrem os peixes, um nome sequer. Os comentadores andam comichosos a tentar adivinhar quem serão os senhores que se seguem, para naturalmente iniciarem o seu processo contraprodutivo, destrutivo. Não sentimos que Montenegro esteja a pensar à socialista, à jobs for the boys. Com alguma sorte, se Marcelo não estragar as coisas, pode ser que vejamos em Portugal algo diferente e eventualmente melhor. No entanto, sem surpresa, tudo isto cheira a caldeirada típica dos atavismos e empates de Portugal. A expressão de um país inimigo de si mesmo, que esbanja mundos e fundos. E assim termino, prestando homenagem à figura que melhor corporiza essa ideia de divisão e caos, de desprogresso — Augusto Santos Silva, com quem não contamos para nada. Nem antes contávamos,  nem depois contaremos.

publicado às 19:16

Boletim de voto para tótós

por John Wolf, em 26.02.24

donkey-vote.jpg

  • Fez parte de um governo do passado que levou Portugal à bancarrota e à intervenção da Troika? 
  • Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Foi Ministro das Infraestruturas envolvido em escândalos com a TAP?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Concordou com a compra de ações da CTT que em nada beneficiou a empresa ou o país?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Procedeu à indemnização por "Whatsapp" de gestora no valor de 500 mil euros?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Afirma ter deixado obra feita na CP que é um "orgulho nacional"?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Encenou uma demissão para "inglês ver" para se lançar à liderança do seu partido?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Foi discípulo de um primeiro-ministro constituído arguido por corrupção? 
  • Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal.
  • É político que repete sempre o verbo "fazer"?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Sabe o que funciona e não funciona no país?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Fez parte da governação nos últimos oito que levou os portugueses à miséria económica e social?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Prometeu um novo aeroporto à revelia do primeiro-ministro?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Esteve associado a greves de motoristas que deixaram os condutores com graves problemas no abastecimento de combustíveis?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Esteve tempo suficiente no governo para deixar obra, mas não há nada que se veja? 
  • Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Tem um pai cujas empresas fizeram negócio com o Estado no valor de 1,16 milhões de euros?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Pensa que reúne os atributos de um bom lider, mas não passa de um fanfarrão?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Afirma que a justiça funciona em Portugal, mas não sabe ao certo o que funciona?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 
  • Irá no dia 11 de março resistir até o limite à possibilidade democrática de haver um entendimento à direita para governar legitimamente o país?
  •  Check mark, Wingdings font, character code 254 decimal. 

 

publicado às 18:29

Capitães de Março

por John Wolf, em 23.02.24

9354084_4J8sW.png

Foram os capitães de abril que tornaram possível a revolução de 1974. O seu descontentamento em relação ao "processo colonial" terá sido uma das razões que energizou reinvindicações mais profundas, nomeadamente o fim do Antigo Regime e a transição para um regime democrático em Portugal. Em poucas palavras, certamente insuficientes, resume-se a isto. Volvidos 50 anos, escutamos rumores de que os militares iniciarão ações de protesto após as eleições de 10 de março. Existem elementos de analogia política, económica e social que possam equiparar 1974 a 2024? Sim e não. Por um lado, a deteriorização das condições de vida dos portugueses é um factor a ter em conta — o povo não se encontra bem. De que servem todas as liberdades se as garantias no acesso à habitação e a cuidados de saúde são severamente postas em causa? Por outro lado, Portugal já não é um império colonial, mas foi colonizado. Primeiro pelas políticas definidas em Bruxelas e ainda pela febre alta do turismo que aprimorou Portugal para bem receber os estrangeiros endinheirados, deixando na sarjeta os cidadãos nacionais. No meio de este turbilhão de desavenças e desalinhamentos na capacidade de definir uma estratégia de progresso para Portugal, os militares também foram deixados na beira da estrada. Existe assim um elemento simbólico poderoso que emana da intenção dos militares, o protesto, a manifestação pensada para suceder às eleições de 10 de março. A caminho das comemorações de meio século sobre o 25 de abril de 1974, a voz dos militares não pode ser ignorada. Foram os militares de 1974 que interpretaram holisticamente o fenómeno do descalabro societário. Foram os militares que corporizaram a mudança de regime político. Foram os militares que sintetizaram e expressaram o mal estar de professores, de agricultores e de todos os trabalhadores de Portugal. As revoluções não vêm contempladas em constituições ou regulamentos, mas podem eclodir quando certos limites existenciais são postos em causa. Para bem e para mal, a reflexão que se exige em relação aos últimos cinquenta anos e às escolhas deliberadas de políticos deve ser realizada sem constrangimentos ideológicos ou sentidos de revanchismo. É uma questão de sanidade política e de visão prospectiva para um país. Capitães não há muitos, mas também podem ser de março.

publicado às 19:12

Na hora da demissão de António Costa

por Samuel de Paiva Pires, em 07.11.23

Naturalmente, estamos agora focados na árvore e a pensar no que se seguirá, ou seja, se o Presidente da República, que convocou os partidos e o Conselho de Estado para os próximos dias, dará espaço a uma solução interna da maioria parlamentar do PS (com que legitimidade?), ou, o que é mais provável, dissolverá a Assembleia da República - isto numa altura de discussão do Orçamento do Estado para o próximo ano. O país político estará hoje especialmente agitado, num corrupio de telefonemas e especulação sobre cenários eleitorais, e muito provavelmente passará os próximos meses a fazer listas de candidatos a deputados à porta fechada - que os cidadãos são meramente chamados a ratificar nas urnas - e a preparar e conduzir a campanha eleitoral, onde mais uma vez o foco será nas lideranças políticas, como é timbre da personalização do poder político.

Mas talvez valha a pena olhar para a floresta. Nos últimos 23 anos, o PS foi governo durante 16. Dos seus 3 Primeiros-Ministros neste período, um saiu perante o “pântano político”, outro continua numa rocambolesca relação com a Justiça e é com esta que o terceiro inicia agora uma relação cujos contornos ainda desconhecemos. A isto acrescem ainda dezenas de casos de Ministros, Secretários de Estado, adjuntos, assessores e autarcas envolvidos em diversas suspeitas de corrupção e afins. Por mais “códigos de ética e conduta” e “estratégias nacionais de combate à corrupção” que sejam formulados, é inegável que Portugal tem um problema estrutural de corrupção e descrédito das instituições políticas, o que alimenta os populismos quer à esquerda quer à direita.

Na sua classificação das formas de governo Montesquieu explica que, quanto à sua natureza, existem três: a monarquia, a república (que pode ser mais aristocrática ou mais democrática) e o despotismo. Quanto ao princípio que anima cada forma, entendendo por tal o propósito que anima o povo, o que o faz actuar, considera que a república se fundamenta na virtude (amor à pátria e dedicação à causa pública), a monarquia na honra (baseada nos privilégios e distinções) e o despotismo no medo. O autor da fórmula final da separação de poderes admirava as repúblicas, mas considerava que a virtude cívica requer um elevado padrão moral, um espírito público por parte dos cidadãos que os motive a subordinar os interesses privados ao público.

Acontece que, como salienta Chandran Kukathas a respeito da teoria política de David Hume, “Não podemos depender da benevolência ou virtude dos actores políticos se queremos que a liberdade e a segurança das possessões sejam asseguradas”, pelo que “a única solução é ter uma constituição forte cujas regras gerais mantenham os grupos de interesse e indivíduos ambiciosos em xeque. São as regras e não os indivíduos que governam que asseguram a segurança e a liberdade da sociedade.”

No fundo, ecoa Cícero e Santo Agostinho, a propósito de quem Alan Ryan afirma que “[Cícero faz] da justiça a característica definidora de uma república que é realmente uma república, e antecipa a famosa observação de Santo Agostinho de que sem justiça um estado é simplesmente um grande gangue de ladrões: um estado corrupto não é uma comunidade. Não pode haver res publica se as instituições do governo são pervertidas para servir interesses privados. (...). Boas instituições protegem o interesse comum contra a erosão por interesses privados e evitam que os conflitos de interesses privados se tornem destrutivos.”

Enquanto comunidade politicamente organizada, temos evidentes problemas éticos, que não raro desaguam em problemas legais. Estes são particularmente notórios no PS porque a sua permanência durante longos períodos no poder acaba por potenciar vícios que conduzem à captura do Estado por determinados interesses privados e à erosão do interesse público. A forma de reduzir a elevada exigência moral colocada pela virtude cívica e levar a uma revalorização da causa pública é através do desenho institucional. Como também ensina Montesquieu, “todo o homem que tem poder é levado a abusar dele” indo até onde encontra limites.

Por outras palavras, precisamos urgentemente de reformar o sistema político nas suas diversas componentes. Sobre isto, teci algumas considerações já há quatro anos no Observador. Talvez esta seja uma boa oportunidade para reflectirmos sobre o que precisamos de fazer para melhorar a qualidade da nossa democracia liberal antes que ela se degrade ainda mais.

publicado às 15:46

Sobre a noite eleitoral

por Samuel de Paiva Pires, em 30.01.22

O PS esvaziou os partidos de esquerda (BE e CDU), porventura penalizados pelo chumbo do orçamento conducente a uma crise política em plena crise pandémica e económica, e os novos partidos de direita erodiram a direita histórica. Uma direita com um partido (PSD) tomado por um proto-autoritário que pretende controlar a justiça e a comunicação social e navega ao sabor do vento no que diz respeito a coligações com a extrema-direita, e outro (CDS) a morrer nas mãos de um adolescente tardio que julga liderar uma associação de estudantes e se insurge contra espantalhos como o marxismo cultural e a direita fofinha dos salões do Príncipe Real. Ambos abriram espaço para o crescimento de um partido racista e xenófobo (CH) e de outro (IL) alicerçado num libertarianismo yuppie. Temos assim uma direita ideologicamente mais vincada e purista, organizacionalmente escaqueirada e orfã de quem a federe. Perante lideranças incapazes e um crescente radicalismo ideológico à direita, e um comportamento irresponsável à esquerda do PS, sendo as eleições ganhas ao centro, é natural que os eleitores que oscilam entre PS e PSD tenham decidido reforçar o PS. Isto significa um certo conservadorismo em relação à preservação do regime democrático, do Estado Social, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública. Ou seja, aquilo que foram conquistas do liberalismo, do conservadorismo, da democracia cristã e da social-democracia no pós-II Guerra Mundial. Quando perceber isto e se deixar de aventureirismos, talvez a direita consiga voltar a ganhar eleições.

publicado às 22:11

Menos estadão, mais liberdade

por Samuel de Paiva Pires, em 01.01.22

O Expresso perguntou a 12 jovens os seus desejos para 2022. Aqui fica o meu;

Menos estadão, mais liberdade

Quando os políticos nos tentam fazer crer que a mera delegação de competências administrativas nos municípios equivale a um processo de descentralização, concluímos que o Estado-aparelho de poder hierarquista, centralizador e habituado a mandar de cima para baixo continua a subjugar-nos.
Falta cumprir-se, como escreveu Alexandre Herculano, “a administração do país pelo país (...) realização material, palpável, efetiva da liberdade na sua plenitude”.

Sob pena de continuarmos enredados num debate em que se confunde deliberadamente descentralização com deslocalização e delegação de competências administrativas, torna-se desejável e necessário um sobressalto cívico que contribua para uma discussão esclarecida e conduza a um verdadeiro processo descentralizador, feito de baixo para cima. É preciso que se criem níveis intermédios de governação que tornem o sistema político mais representativo e participativo, concretizando o princípio da subsidiariedade e aproximando a decisão política das comunidades locais.

A plena liberdade poderá ser realizada pela descentralização política por via da regionalização, implicando necessariamente a reforma do actual sistema eleitoral de uma democracia sem povo, onde este é apenas chamado a ratificar as listas feitas à porta fechada pela partidocracia. Para romper com o excessivo domínio da vida pública pelos partidos, que, como também assinalava Herculano, carecem da centralização para preservar o poder, urge que a sociedade civil seja capaz de se mobilizar e de os pressionar.

O estadão a que chegámos não é nem tem de ser o fim da história.

publicado às 19:23

Portugal é um inconseguimento permanente

por Samuel de Paiva Pires, em 09.12.20

Hoje, a propósito de três acontecimentos da semana passada, escrevo no Observador sobre alguns traços da cultura nacional. Termino assim:

Em suma, no nosso país imperam a “tudologia”, um debate político pobre, uma crónica incapacidade organizacional e lideranças políticas medíocres. Continuaremos certamente a pensar a cultura portuguesa, a identidade nacional e o nosso declínio em torno de temas como o sebastianismo, o pessimismo ou a saudade, mas a causa principal do nosso atraso estrutural, na esteira do que Nuno Garoupa escreveu há quase três anos, é a infelicidade de termos elites de má qualidade. Como canta Samuel Úria, “Se fosse meritocracia/ Nem serviam para comida de cão”.

publicado às 20:56

Dos Eric Cartman da direita portuguesa

por Samuel de Paiva Pires, em 06.11.20

Durante os últimos quatro anos, os partidários portugueses de Trump e quejandos líderes e movimentos populistas não só ignoraram como se regozijaram com os inúmeros ataques do ainda Presidente dos EUA aos fundamentos da democracia liberal e às mais elementares regras de decência e civilidade. Aprenderam com Trump uma táctica discursiva de contornos bastante simples, assente em duas fases, que temos observado nos últimos dias: acusam os adversários daquilo que, na verdade, são as práticas dos próprios acusadores, e quando confrontados recorrem invariavelmente à vitimização. Isto em registos constantemente marcados pela grosseria e ofensas gratuitas ao mesmo tempo que se arvoram em adeptos da elevação no debate. São constantes os ataques vis protagonizados por Trump, as acusações de que os adversários fizeram X ou Y que, na realidade, é o que o próprio faz, e a sempre previsível vitimização perante o confronto. A estratégia de Trump para as eleições é, aliás, elucidativa quanto baste a este respeito. Entre os seus aprendizes, um exemplo particularmente ilustrativo foram as críticas a Joe Biden por ter chamado “clown” a Trump no primeiro debate presidencial, tecidas por quem ignorou olimpicamente o facto de ter sido Trump a levar o debate para a lama. Mais uma vez, escamotearam a conduta miserável do seu querido líder e alguns, sem terem visto o debate, concentraram os seus ataques sobre esse momento, não tendo sequer a noção de que Biden revelou capacidade de contenção numa situação em que muitos nivelariam a sua postura pela de Trump ou abandonariam o debate.

Entretanto, por cá, à direita, a divisão entre democratas liberais e populistas tem-se tornado cada vez mais visível, sendo célebres, dos trumpistas nativos, várias ofensas, desde as mais patéticas (“a direita cobarde”, “os moderados cobardes”, “a direita fofinha”, “a direita Haddad”) às mais directas e em registo taberneiro. Recorrem com uma inusitada frequência a este estilo pela simples razão de que atrás de um computador, e no tempo das redes sociais, a propensão para a agressividade é particularmente acentuada. Ao vivo, perante aqueles que apelidam de cobardes, não se atrevem, como já pude observar várias vezes, a adoptar um vislumbre da retórica ofensiva a que recorrem nas redes, até porque a frontalidade e a coragem moral e física de muitos é inversamente proporcional à que demonstram no mundo virtual, da mesma forma que a sua noção de civilidade também é inversamente proporcional à que fica patente na internet - felizmente! Talvez mais interessante que a fase das ofensas, é a fase da vitimização. Revela a mesma postura moral do bully no recreio da escola que, quando confrontado, choraminga e vai fazer queixas aos professores e aos pais. São os Eric Cartman da direita portuguesa.

Mas esta semana trouxe-nos uma novidade nas práticas discursivas. Às acusações, ofensas e vitimização vieram acrescentar a cereja no topo do bolo: o gongorismo proclamatório em declarações sobre o fim da civilização, do debate público elevado e, no limite, da humanidade como a conhecemos. Descartados os óbvios exageros de quem se leva demasiado a sério, há que mostrar alguma compreensão. Estão desnorteados com a eventual queda do querido líder e com o que esta significaria para o futuro dos movimentos nacional-populistas. Agora que os EUA poderão entrar numa fase de regeneração, por cá a direita radical ainda está na fase de crescimento. Quando a direita radical lusa atingir o auge, em muitos outros países já os populistas estarão no espelho retrovisor. O populismo é a antítese da democracia liberal. Em vez de harmonizar contrários, alimenta-se da tribalização e da polarização. Mas quando chegarmos à fase de síntese, isto é, quando algumas críticas dos populistas tiverem sido absorvidas e respondidas pelo mainstream que descarta as soluções anti-liberais, os "moderados-fofinhos-cobardes" cá estarão, na sua infinita paciência, tolerância e, em muitos casos, caridade cristã, para acolher os que os têm ofendido.

publicado às 22:04

Sobre a app do nosso descontentamento

por Samuel de Paiva Pires, em 18.10.20

Para uma app ajudar no combate à pandemia, ou seja, para ser eficaz, tem de funcionar com base em pressupostos radicalmente diferentes das apps na Europa: imposta coercivamente, com geolocalização (para permitir a fiscalização das quarentenas e isolamentos), com os dados numa base de dados centralizada e em que os infectados são identificados pelas autoridades de saúde/governos. Ou seja, tem de ser uma ordem de organização, nos moldes das apps utilizadas em países asiáticos, onde o colectivo toma primazia, não uma ordem espontânea, por defeito centrada na liberdade e privacidade dos indivíduos. Dado que o demo-liberalismo predominante no Ocidente repudia fortemente - e por bons motivos - uma app nos moldes das asiáticas, não adianta muito andar a discutir a eficácia (reduzidíssima) da Stayaway Covid e a sua eventual obrigatoriedade (que muito dificilmente seria aprovada e implementada). Esta última questão, aliás, não passa de mais um sinal da notória tentativa, por parte do governo PS, de deslocar o centro da responsabilidade pelo combate à pandemia para o nível individual. Assim sendo, devemos concentrar-nos naquilo que já se sabe que resulta, quer ao nível individual - máscaras, higienização das mãos e distanciamento físico - quer ao nível governamental, pelo que é necessário pressionar o governo a assumir as suas responsabilidades na alocação de recursos financeiros e humanos que reforcem os testes massivos, rastreamento de contactos e fiscalização de isolamentos e quarentenas. Tudo o mais são distracções que só acabam por ter custos mais elevados, quer em termos de saúde pública, quer no que à actividade económica diz respeito.

publicado às 14:49

O novo livro do Professor José Adelino Maltez, Portugal pós-liberal, será lançado amanhã na Biblioteca da Academia Militar, em Lisboa, pelas 18:30. A apresentação estará a cargo de João Soares. O livro já pode ser adquirido através da Wook e para mais informações podem consultar a página no Facebook.

121133935_10158779495746182_1053520251684353135_n.

publicado às 13:24






Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas