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O luso-moçambicano. É uma certa ideia de Portugal que hoje desaparece.
Após Lourenço Marques há 36 anos, hoje partiu João Maria Tudela. Deixa-nos mais uma recordação de infância, quando à tarde, as estações do Rádio Clube de Moçambique passavam as suas canções. Kanimambo ficou como um símbolo dos últimos e melhores momentos da soberania portuguesa em Moçambique e ainda hoje, à beira Índico, é talvez a mais conhecida canção moçambicana. Para sempre também ficará a sua interpretação de Uma Casa Portuguesa, escrita por Reinaldo Ferreira e composta pelo maestro Artur Fonseca, num momento de boa disposição. Sentados à volta de uma mesa num bar de hotel em Lourenço Marques, deixaram-nos o irónico testemunho daquilo que Portugal era na época, uma casa de portas abertas e generosa para quem a visitasse.
Kanimambo, Tudela.
Ainda não percebemos se se diz "viquiliques" ou "uiquiliques". Até agora, o chinfrim da roda-dentada dos media, chega pelos bons ofícios dos habituais círculos da teoria da "conspiração yankee-sionista" que além de devoradora de recursos naturais alheios, é perita em espiolhar vida intra e extra planetária. Cúmulo dos cúmulos, os americanos atrevem-se a tecer todo o tipo de considerações acerca de gente tão finamente cinzelada à Cellini, como os senhores Berlusconi, Putin, Sarkozy e sucedâneos mais ou menos cavaqueiros.
Foi uma farra ao estilo B.E. e pelos vistos, está a chegar ao fim. Sendo boas-novas provenientes de sectores da política e da finança norte-americana, espera-se sempre uma informação logicamente respeitante aos sucessos além fronteira, mencionando nomes e factos dignos de comentário por parte de diplomáticos croqueteiros enviados por Washington.
Voltando aos até agora risonhos devoradores de caviar, a tagarelice consistiu num apressado erro de cálculo, pois se à primeira vista, as compridas e afiadas línguas do Departamento de Estado involuntariamente comprometeriam a sempre atacada reputação da potência dominante, agora dá-se uma sensível mudança nas papilas gustativas.
Há uns dias, saíram novidades acerca de "dinheiros" do assunto da barragem de Cabora-Bassa. Pelos vistos, os libertadores também recebem saguates* e ficámos sem saber, se por cá alguém também beneficiou de "fundos perdidos ou compensatórios". Hoje, chega também a notícia do depósito da módica quantia de 9.000 milhões, na conta bancária do sudanês sr. Al-Bashir.
Mário Soares anda atento e não vá o diabo tecê-las, já cava trincheiras, dispõe da artilharia em losango e liga os radares, colocando o dispositivo defensivo em alerta máximo. Ao Público, declara que..."curioso é que tudo aquilo que se passa e tudo aquilo que se diz nada é contra a América, é tudo contra os outros”. Assim, num ápice, estes "expressos de fim de semana" começam a dar boa conta dos inerentes perigos que as espiolhadas informações poderão representar. Um dia destes, talvez teremos o prazer de ouvir o Dr. Almeida Santos, numa das suas proverbiais e digestivas sentenças edificantes, pós-jantarada com militantes. Com ainda mais uma posta de sorte, talvez até saberemos mais outras tantas inconfidências acerca deste alegado "co-irreponsável" do estado a que chegámos.
Afinal, tudo isto não passa de mais uma "pérfida, calculista e vergonhosa campanha dos agentes do imperialismo", enfim, da CIA. Sempre coerente e agora surpreendentemente alinhado naquilo que há uns dias aqui dissemos, Mário Soares não augura "que seja nada de muito bom”.
O problema é que por estas bandas, começamos a augurar que talvez seja algo de bom e talvez mesmo, algo de muitíssimo bom.
Como diria Soares, "õ cómance á dãcê uiquiliques!"
*Recompensa, "à moçambicana"
Desde já peço desculpa aos meus colegas por me atrever a um post tão longo, devido às imagens. A propósito desta foto publicada pelo Bic Laranja, aqui deixo o meu primeiro Bilhete de Identidade, tirado precisamente no prédio que na imagem do Bic Laranja, surge em segundo plano. No andar térreo, funcionava o Arquivo de Identificação do Estado de Moçambique.
Quando este raro e bem conservado B.I. foi emitido em 25 de Julho de 1970, Estado de Moçambique era o nome oficial da "colónia". Costumávamos brincar com a denominação, dizendo que Portugal passara a ser os Estados Unidos do Américo (Tomás). Voltando ao Arquivo de Identificação, o resto do edifício estava ocupado por apartamentos e num destes, viviam umas amigas que aí permaneceram durante algum tempo: a Stael e as filhas Iolanda e Denise.
Bastantes anos após a independência, esse mesmo prédio acabou por ser transformado num hotel que se situa nesta privilegiada zona da cidade, bem ao cimo da antiga Avenida D. Luís I e tendo como vizinhos, o Jardim Botânico Vasco da Gama, a grandiosa Câmara Municipal, a Sé da capital de Moçambique (na imagem, mais abaixo) e a umas centenas de metros, a Baixa dos grandes cafés, lojas, escritórios de empresas, a bela Estação dos Caminhos de Ferro de Moçambique, teatros, cinemas, a Fortaleza, as Praças 7 de Março e Mac-Mahon. O antigo edifício do Arquivo de Identificação, é hoje o Pestana Hotel Rovuma-Maputo.
Ao contrário do que muitos poderão pensar, a cidade era vasta, bem organizada e como os videos ainda hoje demonstram, cheia de vida.
A sala de sessões da Câmara Municipal de Lourenço Marques. Tal como a Câmara dos Pares no Palácio de S. Bento, um grande retrato do Rei D. Luís I e mais ao fundo, D. Carlos I ou D. Manuel II (não tenho a certeza)
A Praça Mac-Mahon, com a estátua evocativa da Grande Guerra e a Estação dos C.F.M.
Na Praça 7 de Março, a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, onde tantas vezes brinquei
A Avenida da República, antiga Avenida D. Carlos I
Aí mesmo na esquina da Av. da república o famoso Café Continental
O mesmo local, ao anoitecer
Ainda a mesma avenida, na esquina o Café Djambu, que ainda existe. Aí me levava o meu pai para comer pregos e beber Coca Cola bem gelada. Nesse Hotel Tivoli, passei os últimos dois dias em Moçambique, 29 e 30 de Agosto de 1974. Ali ficaram mais de oitenta anos de presença da nossa família.
A Praia do Dragão e os chuveiros de água doce, paragem obrigatória antes do regresso a casa
O Cinema deco Gil Vicente, onde em criança vi a grande realização russa Guerra e Paz, o Violinista no telhado, Música no Coração e tantos outros filmes
Vista aérea da Igreja de Sto. António da Polana, onde fui Pequeno cantor
Num estilo inspirado em Speer, o edifício da Fazenda
O Ateneu, ainda hoje um grande salão de festas
A Biblioteca Municipal de Lourenço Marques
O edifício dos Correios (Correios, Telégrafos e Telefones), ainda hoje impecável.
O Mercado Municipal (bazar): outrora, a frontaria orgulhosamente exibia os dizeres "Descoberta, Conquista e Soberania Portuguesa"
O antigo Estádio Salazar, hoje da Machava. Na imagem, a exaltação de uma futura Comunidade Luso-Brasileira
A casa de Ferro, um local onde a minha mãe trabalhou
Uma tarde no Autódromo da Costa do Sol, na Lourenço Marques de 1970
Vista panorâmica da parte alta da cidade. O verde por todo o lado, decorando as largas avenidas
Lourenço Marques, 1970: inesquecível grandeza
Veja mais fotografias AQUI
Não foi a surpresa do dia, nem sequer da década. Há muito que se conheciam as nada estranhas ligações entre o poder político-militar da Frelimo e negociantes de todos os azimutes. Quando da independência, houve quem colhesse fartos benefícios das atempadas contribuições anti-Portugal, entre as quais avultavam as verbas distribuídas pelo senhor Olof Palme. Madeiras e transportes foram algumas das recompensas vertidas pelos detentores do poder na antiga Lourenço Marques, bem embaladas naquela conhecida retórica do situacionismo bem pensante dos "amanhãs", "justiça", "libertação" e outros tantos recursos tirados da luxuosa valise Louis Vuitton que a progressista oligarquia europeia tem sempre à mão.
Chegou a vez de Cabora-Bassa (ou Cahora?). Pelo que se diz imprensa fora, o senhor Guebuza, conhecido pelo seu "fero anti-portuguesismo" para consumo interno de uma pequena e sardanapalada minoria, terá recebido uma comissão pela venda da quota portuguesa da grande barragem do Zambeze. Nada de extraordinário, caso o referido dirigente não fosse o Chefe de Estado de Moçambique e antigo (?) marxista-leninista convicto. Pior ainda, chegam também outras novidades acerca de arriscados conluios no tráfico de estupefacientes cuja proveniência torna ainda mais controversa a questão. A ser verdade, quais serão as ligações entre a nomenklatura da Frelimo, com certos sectores anti-ocidentais, cujos "alcaides" são facilmente identificáveis com uma certa forma de fazer política de Kalashnikov a tiracolo? Reminiscências de outros tempos e outras lutas? Quem sabe?
Voltando ao que importa, os portugueses prescindiram daquela que até há pouco empo era a sua mais valiosa propriedade fora de portas. Os prestimosos serviços bancários que dão pelo nome de "consórcios", prontificaram-se a encontrar 950 milhões de Dólares para que Moçambique pudesse tomar posse efectiva da barragem, naquilo que Guebuza caracterizou como uma "segunda proclamação da independência". O que interessa saber, é a forma e o conteúdo dos acordos que não chegaram ao conhecimento do público português. Assim, os "entre 35 e 50 milhões de Dólares" alegadamente pagos ao senhor Guebuza, saíram dos bolsos de quem? É que a outorga da "soberania sobre Cabora-Bassa", significou o arrecadar de dinheiro para os cofres portugueses e assim sendo, este caso reveste-se de uma inegável controvérsia, pois as ditas dezenas de milhão, foram retiradas ao património nacional, satisfazendo as ambições de arredondamento de conta do presidente moçambicano. Mais ainda, poderemos e deveremos questionar os palácios de Belém e de S. Bento, acerca do seu conhecimento, ou não, de um caso em tudo estranho e que roça a mais cúpida indecência. Foram coniventes no esbulho? Ou nada sabiam?
Talvez não estejamos em tempo propício para tal coisa, conhecendo-se as "ligações de negócios" existentes entre a cúpula do poder em Maputo e determinados cavalheiros que há muito se têm esforçado por parecer entusiastas dos incertos e neste caso fustigantes, Ventos da História. Há muitos "santos" por aí.
A publicação de certos nomes seria um autêntico tornado, para tardio gáudio de muita gente que foi imerecidamente despojada da sua dignidade. Cá e lá. No entanto, resta-nos saber - como aqui se diz -, se as mensagens dos representantes norte-americanos correspondem exactamente à verdade dos factos. Subitamente, os maiores inimigos dos EUA embandeiram em arco e espantosamente, colocam toda a sua exultante confiança naquilo que as "bocas do imperialismo" dizem urbi et orbi.
O meu bilhete de avião - sem volta - do dia 30 de Agosto de 1974
"Há 35 anos inventámos a palavra retornado. Mas eles não retornavam. Eles fugiam. Retornados foi a palavra possível para que outros – os militares, os políticos e Portugal – pudessem salvaguardar a sua face perante a História. Contudo a eles o nome colou-se-lhes. Ficaram retornados para sempre. Como se estivessem sempre a voltar."
Este post da Helena Matos, surge como quase resposta à campanha de promoção de um conjunto de textos coligidos em livre de saison politique que ultimamente tem sido promovido nos santuários do costume. Os dislates do politicamente correcto de alguns, conjugam perfeitamente os interesses que hoje servem os seus mais lídimos herdeiros directos, exactamente os mesmos que hoje acorrem a Moçambique à cata de desinteressados negócios. Há coisas que não mudam.
Tudo começou há uns meses, quando uma bastante efémera "ex-residente em Lourenço Marques", decidiu editar a sua experiência pessoal, sendo sem surpresa apoiada pelo carpidismo militante que sempre arranja um espaço reactivo para as suas ilusórias verdades de convenção. Essa também ex-menina e autora, jamais viveu em Lourenço Marques, a Maputo cujas avenidas o Sr. primeiro-ministro ontem entusiasmadamente percorreu em mini-maratona de salutar oxigenação pulmonar. A dita ficcionista, Isabela de seu nome, limitou-se a vegetalizar-se num buraco-negro de paranóia circunscrito a pouco mais de 400m2. Filha de um tipo de homem a quem local e depreciativamente se designava de maguérre (1), diz ter assistido a um infindo rol de iniquidades caseiras. Por isso mesmo, sendo branca, aparentemente loura e confortavelmente alvenarizada em residência na Matola - uma espécie de melhorado Cacém local - , sentiu como absoluta missão agigantar a pequenina, grotesca e marginal figura paterna, fazendo-a subdividir-se tal como uma amiba, a todo o corpo colonial estabelecido em Moçambique. As lamentáveis aldrabices grasnadas pela ignorância de uma totalmente desconhecida realidade, tornam-se em factos que se compõem uma perfeita ficção de cordel mais própria das sebentas "revolucionárias" e justificativas de outros tempos, estão, no entanto, muito longe da verdade do período final da presença portuguesa em Moçambique. Afinal, tudo se resume a uma questão de facturação, à procura de um suburbano êxito à Harry Potter. A ficção vende bem e se for sob patrocínio alinhado, melhor ainda.
Segundo a autora e os seus apressados promotores, os brancos de Moçambique eram todos uns malvados torcionários, sequiosos de divertimentos tão exóticos, como o intencional e impune atropelamento dos negros que cruzavam as ruas da capital. O branco dedicava-se ao espancamento, violação de qualquer tipo de "logicamente negados" direitos e claro está, "vivia enclausurado nas festas sociais, colégios chiques, Clube Naval, de Pesca, no Grémio" e pouco mais. Enfim, eram uns tantos milhares de ociosos parasitas semi-negreiros.
A ignorância intencional dos escribas que se prestaram a corroborar na ignomínia, chega ao ponto de manifestar o mais risível desconhecimento acerca da própria cidade, designando vagamente o todo extra-Isabela, como Polana. Ou jamais lá estiveram, ou a memória é curta e susceptível de habilidosos esquecimentos. Não tendo a parvoeira limites aceitáveis, imagina-se a Polana como uma espécie de alargada Avenida do Restelo ou uma Quinta da Marinha dos grandes do actual regime, mas transplantada na meseta sobranceira à Baía do Espírito Santo. Numa confusão inextricável, o leitor que jamais caminhou nos largos passeios da Maputo de hoje, ficará para sempre sem saber que a dita Polana não consistia num bairro em sentido restrito. Na verdade, a progressiva extensão da cidade acabou por designar genericamente a parte alta que se situava entre a Ponta Vermelha - a zona do Governo Geral de Moçambique - e toda a vasta área que chegava aos limites do Prédio Buccelatto, como Polana. Aliás, os limites com a Sommerschield - a zona dos muito abastados como os Mascarenhas Gaivão, Carregal Ferreira, os Donato ou os Almeida Santos -- jamais foram explicitamente definidos tal como em Lisboa entendemos as Telheiras e o Campo Grande, por exemplo. Não existia uma zona demarcada.
No que diz respeito aos delirados country-clubs e selectos colégios privados evocados pelo oportuno esquecimento do sr. Pitta, gostaríamos que este nos indicasse mais concretamente o que quer dizer, porque a distorção parece fazer norma: jogos de polo a cavalo - a terem alguma vez existido, talvez fossem bastante esporádicos e sem qualquer tipo de continuidade ou culto enraizado (2) -, mahjongs que nos remetem para os filmes africanistas dos anos da Segunda Guerra Mundial e os apontados colégios privados, por exemplo. A Pittada vertida em prosa, bem poderia ser mais clara acerca do que quer descrever, pois que se saiba, o único Colégio privado digno desse nome, era o Barroso, destinado a meninas e apenas frequentado por uma camada muitíssimo restrita da comunidade branca.
Esta gente fala daquilo que jamais conheceu porque simplesmente não podia ter vivido uma realidade que deve ser dissecada pela evolução de umas tantas décadas que percorrem gerações! Estabelecidos em Lourenço Marques desde 1890, os meus trisavós paternos ali fizeram nascer a minha bisavó, tal como esta traria a este mundo a minha avó e as suas irmãs e irmãos. Naturais de Lourenço Marques são o meu pai e o seu irmão, assim como na Zambézia (Ile) nasceria a minha mãe e o meu tio. Gente nascida, criada e conhecedora da terra ao longo de várias gerações, pertenceram sempre a um extracto médio que jamais permitiu o acesso a núcleos muito restritos como aqueles que o sr. Pitta menciona e que se porventura alguma vez os terá frequentado, saberá do diminuto ou quase irrisório micro-cosmos que era indiferente à esmagadora maioria dos laurentinos. Gente esclarecida na melhor tradição monárquico-liberal oitocentista, era avessa a todo o tipo de arrivismo que a autoridade de uma Metrópole bastante despótica, condenava os naturais de Moçambique ao pouco invejável estatuto "de segunda classe".
O tal Grémio e as imaginativas piscinas dos country-clubs (!) - deve unicamente querer aludir ao Clube de Pesca - eram locais tão alheios à maioria dos naturais de Moçambique, como algumas das curibecas regimenteiras da Lisboa ou dos Estoris/Cascais de hoje. Quantas centenas de licenciados, chefes de serviços, directores de organismos do Estado ou pequenos empresários, jamais colocaram os pés - ou quiseram colocá-los - no dito Grémio? Por regra, os seus frequentadores eram gente olhada com um certo - ou despeitado - desdém pelos hegemónicos remediados e amplamente considerados como os patetas, parvalhões, pedantes ou páchiças-pretensiosos. Há sempre que contar com a clássica pontinha de inveja. De facto, a maioria destes privilegiados pela Situação - Almeidas Santos e adjacentes incluídos -, foi sempre gente que pouco mais de uma vintena de anos residiu no território, enriquecendo depressa e juntando cabedais calculadamente entesourados na Metrópole. Com eles convivia um punhado de velhos colonos, mas eram a excepção que confirmava a regra. Existiam alguns nomes que os avatares da fortuna tornaram mais sonantes, como por exemplo, os Santos Gil, entre outros. Deixaram obra que chegou aos nossos dias. A cidade foi vendo o erguer de casarões na sua parte alta, ainda hoje testemunhos de uma garantida grandeza e em muitos casos, do poder do bom gosto.
Foram novíssimos colonos, quem aconselhou os demais a ficar para a construção de um novo país, embora tivessem sido os primeiros a tudo empacotar á pressa e em segredo, retirando-se logo nos meses transactos ao 25 de Abril. Bem pouco lhes interessou a posição da gente do velho reviralho oposicionista à 2ª República, onde o Dr. Neves Anacleto - avô de Francisco Louçã - se indignava contra a caudalosa, vergonhosa e catastrófica debandada teleguiada de Lisboa. Mas isso é outra história.
O que se torna insuportável é a escabrosa intencionalidade de enlamear a memória de uma imensa maioria que jamais conheceu o círculo de restritos horrores alegadamente vividos por uma garotinha que abandonou aos 11 anos uma terra que infelizmente jamais pôde conhecer. O ajuste de contas pessoais com um pai ao qual se juntaria facilmente no divã de um qualquer psicanalista, é um acto perfeitamente legítimo de catarse dentro de quatro paredes, ou no tal universo dos 400m2 matoleiros a que assumidamente se limitou. Mas isso não lhe confere qualquer direito em arrastar para inexistentes e impossíveis "pactos de silêncio", aqueles que ainda conhecem de cor os bairros, ruas, avenidas, becos, jardins, escolas públicas, lojas, mercados e bazares, cafés, praias, grupos desportivos populares. Aqueles que saíram com amigos, foram à praia, brincaram no Parque José Cabral e foram por 5$00 ao cinema, ao sábado á tarde, na Sociedade de Estudos. Nem a menina Isabela e muito menos a Sra. Dª Fernanda Câncio poderão alguma vez ter percorrido á tarde a Praça 7 de Março. Não fazem a mínima ideia da distância que separa a avenida D. Luís, da Massano de Amorim. Nunca poderão dizer ter perdido as havaianas no derretido asfalto do cruzamento da rua de Nevala com a rua da Cadeia. Jamais poderão ter comprado uma revista Pisca-Pisca na Spanos, passado uma tarde de leitura na livraria da Coop, na Minerva Central ou na Biblioteca de LM (antigo edifício da Fazenda). Nunca trincaram um prego no Djambo, uma arrufada na Princesa, um rissol de camarão nos Irmãos Unidos, uma sanduíche de carne assada na Fábrica da Cerveja. Não frequentaram as quase gratuitas aulas no Núcleo de Arte ou poderão adivinhar a localização da Associação dos Naturais de Moçambique. Nunca poderão ter lido o velho Guardian - inicialmente redigido em inglês -, passado a vista pelas crónicas de Manuel Luís Pombal ou de Guilherme de Melo no Notícias. Sabem por acaso o que foi o jornal O Brado Africano? Folhearam alguma vez as revistas Actualidade ou Tempo? Conhecerão porventura a existência da fabulosa revista Monumenta, ou a Moçambique (história e sociedade moçambicana)? Escutaram a Maria Adalgisa no Rádio Clube de Moçambique, ou A Palavra é de Prata do Manuel Luís Pombal (RCM), a Estação C ou a emissão em landim do RCM? Nunca, nem sabem ou poderão jamais saber do que falo. Terão tido à mesa de casa homens como Malangatana Valente, os escultores Chissano e Pfumo, os angolanos visitantes Duo Ouro Negro, ou jornalistas abertamente frelimistas como Areosa Pena? Foram alguma vez ao velho Varietá - onde no início do século XX actuaram companhias de ópera -, às matinées do Scala, Gil Vicente e Infante? Claro que não, nem sequer lhes conhecem os nomes, nem um pouco lhes importa.
Esta era uma boa parte da vida colonial nos últimos trinta anos da administração portuguesa em Moçambique. Não está em causa qualquer tipo de anacrónica comparação com a actualidade. Estamos já a falar de História.
Muito ficará por dizer num outro post, embora tal não tenha qualquer interesse para gente apenas assoberbada pela sua própria agenda político-remuneratória. De Moçambique, talvez conheçam - pela presença numa qualquer comitiva - o Polana Hotel, o buffet dominical do Hotel da Inhaca ou o resort do Bazaruto. Degustaram uns camarões na Costa do Sol e frango à cafreal no Piri-Piri e terão contemplativamente perorado diante da caída estátua de Mouzinho. Ou bem vistas as coisas, talvez não. Nem sabem onde actualmente se encontra depositada.
(1) Maguérre: em dialecto local, um tipo bimbo, rasca, grosseiro, ordinário e brutal. Atribuído pela generalidade dos negros e brancos naturais, a certa gente que nos anos 60 - algum oficialato incluído -, começou a desembarcar na Província. Fazia o pleno do pequeno racista recém-chegado de uma Metrópole onde fora copiosamente calcado pelo imobilismo social vigente. Em Moçambique julgava-se transportado para o limbo reservado aos entes superiores, menosprezando os pretos e a "maricagem" (como considerava serem os brancos naturais daquela terra). Sempre de camiseta interior e de transistor junto da orelha aos domingos, lá se deliciava com os relatos do futebol metropolitano, coçando-se enquanto emborcava Laurentina atrás de Laurentina, submissamente servidas pela mulher, eternamente de bata. Isto não o impedia minimamente de proceder a rotineiras surtidas à zona das Lagoas e da Rua Araújo, no sempre prazenteiro momento de barato gozo nos braços de uma rechonchuda mulata ou de uma negrinha tombazana com a mesma idade das filhas. Nisto, assemelhavam-se bastante aos desprezados boers que em tempo de férias chegavam da terra do Apartheid. Típico.
(2) De 1959 a 1974, jamais ouvi falar de qualquer actividade semelhante. Confundirá Moçambique com a Índia do Raj britânico?
Um crânio qualquer que dá pelo nome de António Oliveira, grasnou umas parvoíces a respeito da possível estadia da selecção portuguesa em Moçambique. Ora leiam:
"António Oliveira disse também que o Estádio Nacional de Moçambique não estará pronto até ao mundial e que o país não tem um campo de futebol em condições, sendo que o melhor, o da Machava, é de piso sintético.
“Vir para cá a selecção é misturar política com desporto. E se a selecção vier para aqui os portugueses vão andar todos atrás. O Brasil podia vir mas com Portugal a relação é diferente, ainda há complexos de colonizador e colonizado, enquanto que os sul-africanos receberiam melhor a selecção, sem essa carga emocional”, disse à Lusa."
Este improvável presidente da Associação Portuguesa em Maputo, esquece-se do que aconteceu nas últimas competições internacionais em que Portugal participou. Sempre que a selecção vencia, a população invadia as antigas avenidas D. Luís I e da República, manifestando a alegria pela vitória "dos seus". Não querer reconhecer esta evidência, além de uma estupidez, é uma torpeza. Tudo deve ser aproveitado para o estreitamento de relações com os PALOP e anote-se também o facto, de o sr. Oliveira parecer esquecer-se do grau de segurança que se vive em Maputo, incomparavelmente superior ao de qualquer cidade sul-africana.
Mais um "Grande líder" da Segunda Geração de Setenta, de certeza absoluta!